Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (11º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 65 a 68
Uso de peso de ouro palpebral para correção do lagoftalmo em pacientes com paralisia facial
Eyelid gold weight for treatment of lagophthalmus in patients with facial palsy
Autor(es):
José Ricardo Gurgel Testa 1,
Mariana Dantas Aumond 2,
Cláudia Regina Figueiredo 3
Palavras-chave: peso de ouro, lagoftalmo, paralisia facial.
Keywords: gold weight implant, lagophthalmus, facial palsy.
Resumo:
Introdução: O lagoftalmo decorrente da paralisia facial periférica deve ser corrigido a fim de se evitar complicações oculares. O uso de implantes de ouro como uma alternativa à tarsorrafia vem sendo estudado, mostrando bons resultados. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos da implantação de peso de ouro em pálpebra superior para correção do lagoftalmo. Forma de estudo: clínico retrospectivo não randomizado. Material e método: Foram estudados retrospectivamente durante seis anos 59 pacientes com lagoftalmo secundário à paralisia facial de diversas etiologias e que foram submetidos à colocação de peso de ouro palpebral. Resultados: Em todos os pacientes foi conseguido o fechamento ocular completo. As complicações do procedimento foram raras e incluíram a extrusão do peso em 8,5% dos pacientes e infecção em 5%. O tempo de permanência do peso variou de 6 meses a 6 anos, tendo sido removido em 20,3% por melhora da paralisia facial periférica. Discussão: Vários métodos têm sido utilizados para promover a proteção ocular nos casos de paralisia facial com graus variáveis de sucesso e aceitação pelo paciente. O implante de peso de ouro em pálpebra superior é um método simples, de fácil reversão e com bom resultado estético. O tempo de permanência do peso palpebral é variável na literatura e as complicações do procedimento são raras. Conclusão: O uso do peso de ouro palpebral em pacientes com paralisia facial traz bons resultados na correção do lagoftalmo e prevenção de complicações oculares.
Abstract:
Introduction: Lagophthalmus in facial palsy must be treated in order to avoid ocular complications. The gold weight eyelid implant as an alternative to tarsorrhaphy has been studied with good results. Aim: The purpose of this report is to study the effects of the gold weight eyelid implants for treatment of lagophthalmus. Study design: clinical retrospective not randomized. Material and method: 59 patients with Lagophthalmus associated with facial paralysis of many causes underwent gold weight implantation and were studied retrospectively. Results: All patients achieved satisfactory eyelid closure and improvement of ocular symptoms. 8.5% of patients had implant extrusion and 5% had infection. The average time with the implant varied from 6 months to 6 years, being removed in 20.3% of patients with recover of facial palsy. Discussion: Many methods have been described for enhance corneal protection in patients with facial palsy with different degrees of success and acceptance by the patient. The gold weight eyelid loading is a simple easy technique with good cosmetic result. The average time with the implant is inconstant and the complications are rare. Conclusion: Gold weight eyelid implants in patients with facial palsy have good results for the treatment of lagophthalmus and prevention of ocular complications.
1 Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.(UNIFESP-EPM).
2 Médica Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.(UNIFESP-EPM).
3 Médica Pós-Graduanda (Doutorado) da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.(UNIFESP-EPM).
Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.(UNIFESP-EPM)/ Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Câncer de São Paulo.
Artigo apresentado sob a forma de tema livre no II Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado no período de 22 a 26 de Agosto de 2001, na cidade de Goiânia-GO.
Endereço para correspondência: Mariana Dantas Aumond - Av. Higienópolis, 1048, apto 126 - 01238-000 São Paulo, SP - Telefone: (0xx11) 38223037- Fax: (0xx11) 38223398 - E-mail: marklebl@hotmail.com
Artigo recebido em 13 de setembro de 2001. Artigo aceito em 29 de outubro de 2001.
Introdução
O lagoftalmo é definido como uma inabilidade em se fechar o olho e está presente nos pacientes com paralisia facial periférica. Como complicação, ocorre ressecamento da mucosa conjuntival com conseqüente processo inflamatório córneo-conjuntival. A fim de se evitar tal complicação, podem ser utilizados métodos clínicos, como uso de pomadas e colírios lubrificantes oftálmicos, e métodos cirúrgicos como tarsorrafia, cantoplastia, prótese de silicone, transposições musculares e implantes de molas e pesos palpebrais.
A tarsorrafia foi por muito tempo o método classicamente descrito para o tratamento e prevenção da ceratite por exposição e úlcera de córnea. O uso de implantes de ouro como uma alternativa à tarsorrafia foi primeiramente sugerido por Smellie em 1966 (12) e por Barclay e col. em 19691. Jobe aprimorou a técnica e relatou seus resultados em 19744. May em 1987 relatou sucesso de 91% com o implante de 94 pesos de ouro8.
O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos da implantação de peso de ouro em pálpebra superior para correção do lagoftalmo.
Material e Método
Foram estudados retrospectivamente 59 pacientes com lagoftalmo secundário à paralisia facial de diversas etiologias e que foram submetidos à colocação de peso de ouro 24 quilates (1 a 1,5g) em pálpebra superior (Figura 1), acompanhados no ambulatório de distúrbios do nervo facial do Departamento de Otorrinolaringologia da UNIFESP e no setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Câncer de São Paulo, no período de 1994 a 2000.
A colocação do peso foi realizada sob anestesia local na maioria dos casos e com anestesia geral quando concomitantemente a outras cirurgias. Após infiltração da pálpebra superior com xilocaína 2%, realizava-se incisão de 1,5cm com colocação do peso de ouro justatarsal e centrado sobre a pupila, fixação do mesmo com pontos separados de mononylon 6.0 e sutura da incisão com sutura intradérmica com mononylon 6.0.
Os pacientes foram avaliados quanto à distribuição epidemiológica, etiologia da paralisia facial, resultado funcional, complicações e tempo de permanência do implante.
Resultados
A idade dos pacientes variou de 22 a 79 anos (média de idade de 50,4 anos), com 31 pacientes pertencentes ao sexo masculino e 28 ao sexo feminino. As etiologias das paralisias faciais estão listadas na Tabela 1.Tabela 1. Número de pacientes com as diversas etiologias observadas de paralisia facial.
Em todos os pacientes foi conseguido o fechamento ocular completo (Figuras 2 e 3) e todos referiram melhora dos sintomas oculares, tais como ardor, hiperemia e sensação de corpo estranho.
As complicações ocorreram em 5 pacientes (8,5%), caracterizadas pela extrusão do peso. Três destes pacientes apresentaram infecção da ferida operatória associada (5%).
O tempo de permanência do peso variou de 6 meses a 6 anos, tendo sido retirado em 13 pacientes (20,3%) por melhora da paralisia facial periférica. Em 6 pacientes (10,2%) o peso permaneceu até o óbito.Figura 1. Peso de ouro palpebral.Figure 2. Patient with lagophthalmus secondary to facial palsy.Figure 3. Patient submitted to placement of eyelid gold weight implant.
Discussão
O tratamento da paralisia facial (PF) deve incluir medidas que promovam o fechamento palpebral adequado a fim de evitar complicações oculares que podem levar à cegueira.
Apesar de todos os pacientes com lagoftalmo secundário à PF serem candidatos potenciais à correção cirúrgica palpebral, não há consenso na literatura com relação à sua indicação. Catalano e cols.2 propõem que a correção cirúrgica seja efetuada em pacientes com PF graus 1 e 2 (classificação de House Brademann) associada a acometimento simultâneo do quarto e/ou quinto nervo craniano devido à presença de anestesia corneana e ausência do fenômeno de Bell; em pacientes com PF graus 3 e 4 com testes elétricos sem evidências de reinervação e em todos pacientes com PF graus 5 e 6. Para May8, a única indicação cirúrgica absoluta é a presença de ceratite mesmo na vigência de medidas de lubrificação corneana adequadas (uso de pomadas e colírios oftálmicos). O teste mais sensível para o diagnóstico da lesão corneana é o teste da fluoresceína7.
Outras indicações descritas para intervenção cirúrgica precoce incluem a secção do nervo facial e visão monocular7.
Vários métodos têm sido utilizados para promover a proteção ocular nos casos de PF com graus variáveis de sucesso e aceitação pelo paciente. Entre eles podemos citar a colocação de peso de ouro em pálpebra superior, tarsorrafia, cantoplastia, prótese de silicone, transposições musculares, implantes de molas e transposição do músculo temporal11.
Idealmente, qualquer método para a correção do lagoftalmo secundário à PF deve incluir: proteção corneana adequada, aceitação estética, ausência de distúrbios visuais, baixo índice de complicações, promover simetria facial, possibilidade de reversão do procedimento nos casos de melhora espontânea da PF e ser tecnicamente fácil e reprodutível.
A tarsorrafia é o método clássico descrito na literatura para providenciar a proteção corneana nos casos de PF. Entretanto, a tarsorrafia possui inconvenientes como resultado estético insatisfatório, possível limitação do campo visual e formação de cistos ao longo da margem palpebral quando a tarsorrafia é revertida(7,8,9).
O implante de peso de ouro em pálpebra superior promove o fechamento ocular pela força da gravidade com o relaxamento do músculo elevador da pálpebra. É um método simples, de fácil reversão, com baixo índice de complicações e com bom resultado estético5. O fechamento ocular durante o sono pode ser adequadamente obtido com a ligeira elevação da cabeça com uso de travesseiro. Outros métodos descritos para a correção do lagoftalmo secundário à PF são tecnicamente mais complexos e a única contra-indicação para o implante do peso palpebral é a presença de glaucoma7. Entretanto, quando o glaucoma é de longa data e bem controlado, um peso de ouro de baixo peso pode ser implantado após consulta oftalmológica2.
O implante do peso de ouro é usualmente combinado com outros procedimentos para correção da pálpebra inferior hipotônica e ectrópio, como ressecção da porção lateral da pálpebra inferior, cantoplastias e implantes de cartilagem(8,11).
O ouro permanece o material de escolha para o peso palpebral devido à sua alta densidade, baixo índice de reação e coloração que permite bom resultado estético1. Pesos de platina podem ser usados em pacientes com alergia ao ouro(3).
A melhora da PF é multifatorial, mas primordialmente influenciada pela causa da paralisia, grau de lesão neural, local da lesão, idade e condições clínicas do paciente. O tempo de permanência do peso palpebral é variável na literatura. Linder, Pike e Linstrom7, em um estudo de 45 pacientes, tiveram um índice de remoção do peso de 31% em 5 anos, com tempo de permanência médio de 11 meses, variando de 4 a 32 meses. Catalano e cols.7, em um estudo com 60 pacientes, obtiveram um índice de remoção de 6,7% em 3 anos, com tempo de permanência médio de 9,5 meses. No nosso estudo, o tempo de permanência do peso variou de 6 meses a 6 anos, tendo sido retirado em 13 pacientes (20,3%).
As complicações do procedimento são raras e incluem mobilização e extrusão do implante, infecção, ptose, resultado estético insatisfatório e podem ser minimizadas por uma avaliação pré-operatória adequada com a determinação do peso apropriado e por técnica cirúrgica cuidadosa. Complicações mais raras como diplopia monocular, astigmatismo e lagoftalmo residual também são descritos3.
A taxa de extrusão do peso variou na literatura de 0% (8) a 10%10. Taxas mais altas de extrusão são encontradas em estudos que utilizaram inserção do peso mais lateral na pálpebra e sem fixação no tarso6. Linder, Pike e Linstrom7 obtiveram um índice de infecção de 6,6%. No nosso estudo, as complicações ocorreram em 5 pacientes (8,5%) e foram caracterizadas pela extrusão do peso. Três destes pacientes apresentaram infecção da ferida operatória associada (5% do total dos pacientes).
Conclusão
O uso do peso de ouro palpebral para correção do lagoftalmo em pacientes com paralisia facial é um método simples, reversível, com baixo índice de complicações e com bons resultados com relação ao fechamento ocular e prevenção de complicações oculares.
RefeRências Bibliográficas
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