Versão Inglês

Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 5  - setembro-outubro - (17º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 692 a 694

PDFPDF PT  
 

Pericondrite por piercing: relato de casos e revisão da literatura

Ear-piercing perichondritis: case reports and literature review

Autor(es): Ernesto N. Takahashi1,
Adriana G. Chaves2,
Fernanda Akaki2,
Anne K.S.L.Nunes1,
Maria Carmela C.Boccalini3,
Cícero Matsuyama4

Palavras-chave: pericondrite, piercing, alergia a níquel.

Keywords: perichondritis, ear piercing, nickel allergy.

Resumo:
A pericondrite é uma infecção que envolve o pericôndrio do pavilhão auricular. Desencadeada pelo piercing, é secundária a uma reação alérgica ao níquel. O diagnóstico é essencialmente clínico, porém a realização de cultura e antibiograma é fundamental. Os patógenos freqüentemente envolvidos são germes Gram negativos (Pseudomonas aeruginosa). Os autores apresentam 3 casos de pericondrite por piercing atendidos no ambulatório de otorrinolaringologia e realizam uma revisão da literatura.

Abstract:
Auricular perichondritis is a complication related to ear piercing, caused by the hypersensitivity to nickel. The diagnosis is essentially based on clinical findings. The most pathogen frequently involved is Pseudomonas aeruginosa. Culture is important to determine the antibiotic susceptibility. We report 3 cases of ear piercing associated perichondritis and present a literature review.

INTRODUÇÃO

As pericondrites são infecções de evolução lenta localizadas na cartilagem auricular e resultam em lacerações, contusões, cirurgias ou outras afecções.

A pericondrite do pavilhão auricular induzida pelo piercing vem se constituindo em uma afecção freqüente principalmente entre os jovens.1-4
Os primeiros sinais e sintomas surgem dias a semanas após a colocação do piercing. Os pacientes apresentam dor intensa, eritema, edema e endurecimento.1-3,5-8

O agente etiológico mais encontrado na pericondrite por piercing é a Pseudomonas aeruginosa e a sua inoculação decorre da exposição do pericôndrio e das cartilagens do pavilhão, durante ou após o procedimento.1,2,4-6 Outras bactérias podem também estar associadas, principalmente o Staphylococcus aureus.1,2,8,9

As principais complicações são: dermatite de contato e reação de hipersensibilidade ao níquel.2,6,7,9-12

É imperiosa a investigação etiológica através da cultura e antibiograma da secreção.1

O tratamento consiste em drenagem cirúrgica, antibioticoterapia e antiinflamatório sistêmico.

O presente estudo relata 3 casos de pericondrite por piercing atendidos no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.

RELATO DE CASOS

Caso 1

D. M. C., 15 anos, feminino, branca, com piercing em orelha direita há 14 dias.

Há 10 dias passou a apresentar dor local, eritema e edema progressivos. Há 4 dias iniciou antibioticoterapia com Cefalexina via oral. Há 2 dias apresentou piora do quadro com drenagem espontânea de secreção purulenta. (Figura 1)

Atendida em nosso serviço, foi realizada punção com coleta de secreção purulenta, sendo encaminhada para cultura e antibiograma. Foi realizada drenagem cirúrgica com debridamento de tecido necrótico e colocação de dreno de Penrose. Iniciada antibioticoterapia endovenosa com Ciprofloxacina e antiinflamatório esteroidal. Paciente evoluiu com melhora do quadro, recebendo alta hospitalar (48 horas) e mantido tratamento via oral com Ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas, por 10 dias.

No retorno ambulatorial foi observada mínima deformidade cicatricial.

A cultura demonstrou presença de Pseudomonas aeruginosa.

Caso 2

D. H., 15 anos, feminino, branca, com piercing em orelha direita há 9 dias.
Há cinco dias passou a apresentar dor local, edema e abaulamento em borda superior da hélice, mesmo em uso de Cefalexina há 4 dias. (Figura 2)

Procurou nosso serviço, onde foi realizada punção com coleta de secreção purulenta, a qual foi encaminhada para cultura e antibiograma.

Procedeu-se a drenagem cirúrgica com debridamento de tecido necrótico e colocação de dreno de Penrose. Internada e iniciada antibioticoterapia com Ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas e antiinflamatório esteroidal. Apresentou boa evolução, recebendo alta hospitalar em 48 horas. Mantido tratamento com Ciprofloxacina via oral por 10 dias.

No acompanhamento ambulatorial nenhuma deformidade cicatricial foi observada.

A cultura demonstrou presença da Pseudomonas aeruginosa.

Caso 3

A. M. L., 14 anos, feminino, branca, atendida em nosso serviço com quadro intenso de edema, eritema, dor local e drenagem de secreção purulenta em orelha esquerda há 7 dias, após colocação de piercing. (Figura 3)

Foi realizada drenagem cirúrgica (material enviado para cultura e antibiograma). Iniciada antibioticoterapia oral com Ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas por 10 dias.

Paciente apresentou boa recuperação, não demonstrando deformidades cicatriciais.

A cultura foi positiva para Pseudomonas aeruginosa.

DISCUSSÃO

A descrição do primeiro caso de pericondrite por Pseudomonas aeruginosa, após colocação de piercing é recente. Geralmente ocorre nos meses quentes (verão), em que a perspiração corporal é excessiva prejudicando a cicatrização e predispondo à infecção.2,4,10 A ausência de suprimento arterial exuberante no tecido cartilaginoso contribui para a perpetuação do processo infeccioso.2-4,8

As possíveis complicações ocorrem entre dias a semanas (em média: 1 semana).2,4,7

As complicações podem ser: locais (cistos, edema, granuloma, hematoma, deformidades, lipoma e abscesso) ou sistêmicas (choque tóxico, osteomielite, condrite, glomerulonefrite difusa aguda-GNDA e linfadenopatia cervical superficial).1-3,6,9,13

O principal material responsável pela reação de hipersensibilidade ao piercing parece ser o níquel.7,11-13 Ele induz fenômenos alérgicos contribuindo na formação de um complexo níquel-proteína capaz de desencadear uma resposta imunológica.12 Diversos autores apontam o ouro como sendo o segundo material envolvido.2,6,7,12

O diagnóstico é essencialmente clínico, devendo se realizar cultura e antibiograma da secreção. As culturas geralmente revelam bactérias Gram negativas, sendo a Pseudomonas aeruginosa a mais prevalente.



Figura 1



Figura 2



Figura 3



O tratamento clínico compreende a utilização de antimicrobianos (Cefalosporinas - Ceftazidima - Quinolonas) visando à erradicação da Pseudomonas aeruginosa.1,2,4,8,10

A internação hospitalar e a terapêutica endovenosa deve ser considerada nos casos refratários.2,10

A utilização do álcool isopropílico a 70% e a solução iodada na profilaxia demonstraram-se eficazes na assepsia local.2,6,8,10

A realização de ampla incisão cirúrgica com a remoção de tecido necrótico é determinante no aspecto cicatricial, evitando deformidades.2,4,8,10 A seqüela mais freqüente é a deformidade do pavilhão auricular, que apresenta aspecto característico de "couve-flor".1-3,5

A pericondrite por piercing apresenta grande morbidade evoluindo para complicações em até 35% dos pacientes, segundo Simplot e Hoffman.3

Devido ao risco de deformidades estéticas foi instituída terapia antimicrobiana imediata, drenagem cirúrgica e cuidados locais.

COMENTÁRIOS FINAIS

A utilização do piercing está relacionada a sérias complicações, principalmente em locais de baixo suprimento vascular (cartilagem auricular). Em nossa experiência e na literatura, o material envolvido na reação de sensibilização é o níquel. O tratamento é baseado na antibioticoterapia oral e endovenosa nos casos não responsivos a terapêutica oral. A drenagem cirúrgica é imperiosa na presença de abscesso pericondral. É importante que o otorrinolaringologista realize precocemente o diagnóstico e o tratamento efetivo a fim de minimizar as deformidades estéticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Cossette JE. High Ear-Piercing. Otolaryngology- Head and Neck Surgery 1993; 107: 967-8.
2. Cumberworth VL, Hogarth TB. Hazards of ear-piercing procedures which traverse cartilage: a report of Pseudomonas perichondritis and review of other complications. BJCP 1990; 44 (11): 512-3.
3. Hanif J et al. High ear piercing and the rising incidence of perichondritis of the pinna. BMJ 2001; 322: 906-7.
4. Hendricks W M. Complications of Ear Piercing: Treatment and Prevention. CUTIS 1991; 48: 386-94.
5. Landeck A, Newman N, Breadon J, Zahner S. A simple technique for ear piercing. Journal of the American Academy of Dermatology 1998; 39 (5): 795-6.
6. Matarasso SL, Glogau RG. Surgical Pearl: Ear piercing facilitated by magnetic earrings. Journal of the American Academy of dermatology 1994; 31 (3): 485-6.
7. More DR, Seidel JS, Bryan PA. Ear-piercing techniques as a cause of auricular chondritis. Pediatric Emergency Care 1999; 15 (3): 189-92.
8. Nakada T, Iijima M, Nakayama H, Maibach HI. Rôle of ear piercing in metal allergic contact dermatitis. Contact Dermatitis 1997; 36: 233-6.
9. Nielsen NH, Menne T. Nickel sensitization and ear piercing in na uselected Danish population. Contact Dermatitis 1993; 29: 16-21.
10. Rogero SO, Higa OZ, Saiki M, Correa V, Costa I. Cytotoxicit due to corrosion of ear piercing studs. Toxicology in vitro 2000; 14: 497-504.
11. Simplot TC, Hoffman HT. Comparison between cartilage and soft tissue ear piercing complications. American Journal of Otolaryngology 1998; 19 (5): 305-10.
12. Staley R, Fitzgibbon JJ, Anderson C. Auricular Infections Caused by High Ear Piercing in Adolescents. Pediatrics 1997; 99 (4): 610-1.
13. Widick MH, Coleman J. Perichondrial abscess resulting from a high ear-piercing-case report. Otolaryngology- Head and neck surgery 1992; 107: 803- 5.

1 Médicos otorrinolaringologistas do Hospital Cema.
2 Médicas residentes de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.
3 Médica Preceptora da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.
4 Coordenador da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Cema. Mestre e Doutor pela EPM/UNIFESP.
Trabalho apresentado no 360Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, novembro de 2002, Florianópolis
Hospital Cema-São Paulo-Brasil.
Endereço para correspondência: Cema Hospital Especializado A/C Dra. Adriana Gonzaga - Rua do Oratório 1369 Mooca São Paulo Brasil 03117-001
Tel (0xx11) 6602-4000 r.4225 - E-mail:adrichaves@bol.com.br
Artigo recebido em 10 de abril de 2003. Artigo aceito em 13 de maio de 2003.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial