INTRODUÇÃOAs pericondrites são infecções de evolução lenta localizadas na cartilagem auricular e resultam em lacerações, contusões, cirurgias ou outras afecções.
A pericondrite do pavilhão auricular induzida pelo piercing vem se constituindo em uma afecção freqüente principalmente entre os jovens.1-4
Os primeiros sinais e sintomas surgem dias a semanas após a colocação do piercing. Os pacientes apresentam dor intensa, eritema, edema e endurecimento.1-3,5-8
O agente etiológico mais encontrado na pericondrite por piercing é a Pseudomonas aeruginosa e a sua inoculação decorre da exposição do pericôndrio e das cartilagens do pavilhão, durante ou após o procedimento.1,2,4-6 Outras bactérias podem também estar associadas, principalmente o Staphylococcus aureus.1,2,8,9
As principais complicações são: dermatite de contato e reação de hipersensibilidade ao níquel.2,6,7,9-12
É imperiosa a investigação etiológica através da cultura e antibiograma da secreção.1
O tratamento consiste em drenagem cirúrgica, antibioticoterapia e antiinflamatório sistêmico.
O presente estudo relata 3 casos de pericondrite por piercing atendidos no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.
RELATO DE CASOSCaso 1
D. M. C., 15 anos, feminino, branca, com piercing em orelha direita há 14 dias.
Há 10 dias passou a apresentar dor local, eritema e edema progressivos. Há 4 dias iniciou antibioticoterapia com Cefalexina via oral. Há 2 dias apresentou piora do quadro com drenagem espontânea de secreção purulenta. (Figura 1)
Atendida em nosso serviço, foi realizada punção com coleta de secreção purulenta, sendo encaminhada para cultura e antibiograma. Foi realizada drenagem cirúrgica com debridamento de tecido necrótico e colocação de dreno de Penrose. Iniciada antibioticoterapia endovenosa com Ciprofloxacina e antiinflamatório esteroidal. Paciente evoluiu com melhora do quadro, recebendo alta hospitalar (48 horas) e mantido tratamento via oral com Ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas, por 10 dias.
No retorno ambulatorial foi observada mínima deformidade cicatricial.
A cultura demonstrou presença de Pseudomonas aeruginosa.
Caso 2
D. H., 15 anos, feminino, branca, com piercing em orelha direita há 9 dias.
Há cinco dias passou a apresentar dor local, edema e abaulamento em borda superior da hélice, mesmo em uso de Cefalexina há 4 dias. (Figura 2)
Procurou nosso serviço, onde foi realizada punção com coleta de secreção purulenta, a qual foi encaminhada para cultura e antibiograma.
Procedeu-se a drenagem cirúrgica com debridamento de tecido necrótico e colocação de dreno de Penrose. Internada e iniciada antibioticoterapia com Ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas e antiinflamatório esteroidal. Apresentou boa evolução, recebendo alta hospitalar em 48 horas. Mantido tratamento com Ciprofloxacina via oral por 10 dias.
No acompanhamento ambulatorial nenhuma deformidade cicatricial foi observada.
A cultura demonstrou presença da Pseudomonas aeruginosa.
Caso 3
A. M. L., 14 anos, feminino, branca, atendida em nosso serviço com quadro intenso de edema, eritema, dor local e drenagem de secreção purulenta em orelha esquerda há 7 dias, após colocação de piercing. (Figura 3)
Foi realizada drenagem cirúrgica (material enviado para cultura e antibiograma). Iniciada antibioticoterapia oral com Ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas por 10 dias.
Paciente apresentou boa recuperação, não demonstrando deformidades cicatriciais.
A cultura foi positiva para Pseudomonas aeruginosa.
DISCUSSÃOA descrição do primeiro caso de pericondrite por Pseudomonas aeruginosa, após colocação de piercing é recente. Geralmente ocorre nos meses quentes (verão), em que a perspiração corporal é excessiva prejudicando a cicatrização e predispondo à infecção.2,4,10 A ausência de suprimento arterial exuberante no tecido cartilaginoso contribui para a perpetuação do processo infeccioso.2-4,8
As possíveis complicações ocorrem entre dias a semanas (em média: 1 semana).2,4,7
As complicações podem ser: locais (cistos, edema, granuloma, hematoma, deformidades, lipoma e abscesso) ou sistêmicas (choque tóxico, osteomielite, condrite, glomerulonefrite difusa aguda-GNDA e linfadenopatia cervical superficial).1-3,6,9,13
O principal material responsável pela reação de hipersensibilidade ao piercing parece ser o níquel.7,11-13 Ele induz fenômenos alérgicos contribuindo na formação de um complexo níquel-proteína capaz de desencadear uma resposta imunológica.12 Diversos autores apontam o ouro como sendo o segundo material envolvido.2,6,7,12
O diagnóstico é essencialmente clínico, devendo se realizar cultura e antibiograma da secreção. As culturas geralmente revelam bactérias Gram negativas, sendo a Pseudomonas aeruginosa a mais prevalente.
O tratamento clínico compreende a utilização de antimicrobianos (Cefalosporinas - Ceftazidima - Quinolonas) visando à erradicação da Pseudomonas aeruginosa.1,2,4,8,10
A internação hospitalar e a terapêutica endovenosa deve ser considerada nos casos refratários.2,10
A utilização do álcool isopropílico a 70% e a solução iodada na profilaxia demonstraram-se eficazes na assepsia local.2,6,8,10
A realização de ampla incisão cirúrgica com a remoção de tecido necrótico é determinante no aspecto cicatricial, evitando deformidades.2,4,8,10 A seqüela mais freqüente é a deformidade do pavilhão auricular, que apresenta aspecto característico de "couve-flor".1-3,5
A pericondrite por piercing apresenta grande morbidade evoluindo para complicações em até 35% dos pacientes, segundo Simplot e Hoffman.3
Devido ao risco de deformidades estéticas foi instituída terapia antimicrobiana imediata, drenagem cirúrgica e cuidados locais.
COMENTÁRIOS FINAISA utilização do piercing está relacionada a sérias complicações, principalmente em locais de baixo suprimento vascular (cartilagem auricular). Em nossa experiência e na literatura, o material envolvido na reação de sensibilização é o níquel. O tratamento é baseado na antibioticoterapia oral e endovenosa nos casos não responsivos a terapêutica oral. A drenagem cirúrgica é imperiosa na presença de abscesso pericondral. É importante que o otorrinolaringologista realize precocemente o diagnóstico e o tratamento efetivo a fim de minimizar as deformidades estéticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Cossette JE. High Ear-Piercing. Otolaryngology- Head and Neck Surgery 1993; 107: 967-8.
2. Cumberworth VL, Hogarth TB. Hazards of ear-piercing procedures which traverse cartilage: a report of Pseudomonas perichondritis and review of other complications. BJCP 1990; 44 (11): 512-3.
3. Hanif J et al. High ear piercing and the rising incidence of perichondritis of the pinna. BMJ 2001; 322: 906-7.
4. Hendricks W M. Complications of Ear Piercing: Treatment and Prevention. CUTIS 1991; 48: 386-94.
5. Landeck A, Newman N, Breadon J, Zahner S. A simple technique for ear piercing. Journal of the American Academy of Dermatology 1998; 39 (5): 795-6.
6. Matarasso SL, Glogau RG. Surgical Pearl: Ear piercing facilitated by magnetic earrings. Journal of the American Academy of dermatology 1994; 31 (3): 485-6.
7. More DR, Seidel JS, Bryan PA. Ear-piercing techniques as a cause of auricular chondritis. Pediatric Emergency Care 1999; 15 (3): 189-92.
8. Nakada T, Iijima M, Nakayama H, Maibach HI. Rôle of ear piercing in metal allergic contact dermatitis. Contact Dermatitis 1997; 36: 233-6.
9. Nielsen NH, Menne T. Nickel sensitization and ear piercing in na uselected Danish population. Contact Dermatitis 1993; 29: 16-21.
10. Rogero SO, Higa OZ, Saiki M, Correa V, Costa I. Cytotoxicit due to corrosion of ear piercing studs. Toxicology in vitro 2000; 14: 497-504.
11. Simplot TC, Hoffman HT. Comparison between cartilage and soft tissue ear piercing complications. American Journal of Otolaryngology 1998; 19 (5): 305-10.
12. Staley R, Fitzgibbon JJ, Anderson C. Auricular Infections Caused by High Ear Piercing in Adolescents. Pediatrics 1997; 99 (4): 610-1.
13. Widick MH, Coleman J. Perichondrial abscess resulting from a high ear-piercing-case report. Otolaryngology- Head and neck surgery 1992; 107: 803- 5.
1 Médicos otorrinolaringologistas do Hospital Cema.
2 Médicas residentes de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.
3 Médica Preceptora da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.
4 Coordenador da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Cema. Mestre e Doutor pela EPM/UNIFESP.
Trabalho apresentado no 360Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, novembro de 2002, Florianópolis
Hospital Cema-São Paulo-Brasil.
Endereço para correspondência: Cema Hospital Especializado A/C Dra. Adriana Gonzaga - Rua do Oratório 1369 Mooca São Paulo Brasil 03117-001
Tel (0xx11) 6602-4000 r.4225 - E-mail:adrichaves@bol.com.br
Artigo recebido em 10 de abril de 2003. Artigo aceito em 13 de maio de 2003.