Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 319 a 324

 

Amigdalectomia: Dissecada x Sluder.

Tonsillectomy: Dissected x Sluder.

Autor(es): Edson C. M. Monteiro*,
Fabiana M. N. Rocha**,
Erika Y. Ikeda**,
Cátia M. R. Lemes***,
Giovana P. Dall'Oglio****.

Palavras-chave: amigdalectomia, dissecção convencional, guilhotina de Sluder

Keywords: tonsillectomy, conventional dissection, Sluder's guillotine

Resumo:
Introdução: A amigdalectomia através da técnica de Sluder tem sido abandonada devido às várias complicações mencionadas nos últimos tempos. Realizou-se um estudo com as técnicas de Sluder e dissecção convencional, objetivando-se análise comparativa entre ambas as técnicas. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Foram estudadas cem crianças com hipertrofia adenoamigdaliana submetidas à adenoamigdalectomia através da técnica de dissecção convencional e Sluder, sendo realizado um protocolo de avaliação. Resultados: No trans-operatório, a técnica de Sluder apresentou menor tempo cirúrgico e menos perda sangüínea em relação à técnica de dissecção convencional. A análise pós-operatória constatou melhor recuperação clínica do paciente com a técnica de Sluder. Conclusão: Concluímos que ambas as técnicas são resolutivas; porém, a técnica de Sluder resultou estatisticamente em menor morbidade.

Abstract:
Introduction: The tonsyllectomy by Sluder technique hasn't been used for many complications in the present. The aim of this study was to compare the morbidity in Sluder and conventional dissection technique. Study design: Clinical prospective. Material and method: We studied a hundred children with hypertrophics tonsills who underwent a tonsyllectomy by conventional dissection and Sluder tecnique, where was made a questionary. Results: The Sluder technique had a minor surgical time and bleeding than conventional dissection technique. The post-operative analysis proved better clinic recovery in the Sluder technique. Conclusion: We concluded that both techniques are resolutive however the Sluder technique suggested statically minor morbidity.

INTRODUÇÃO

As cirurgias de ressecção das amígdalas palatinas e adenóide, especialmente indicadas nas hipertrofias adenoamigdalianas, que levam ao prejuízo da respiração nas crianças, são procedimento antigo, restrito a poucas técnicas5, 6, 8, 13, 14; e nos últimos tempos tem-se valorizado o uso da dissecção tradicional por descolamento, com o abandono da técnica de Sluder.

Segundo alguns autores, nos oito volumes publicados da Enciclopédia Médica, no ano 3 D.C., Cornelius Caesus realizou uma das primeiras descrições de tonsilectomia9. O procedimento mais usual é a dissecção pela técnica tradicional13; e o mais recente, pelo laser8.

A amigdalectomia por meio do amigdalótomo de Sluder é uma técnica que tem sido abandonada devido aos riscos clínicos injustamente imputados à cirurgia, mas que na realidade são gerados em parte pelo procedimento anestésico. Realizou-se um estudo comparativo entre esta técnica e a dissecção tradicional, sob anestesia geral, com intubação orotraqueal, objetivando a análise da morbidade entre as duas técnicas cirúrgicas.

MATERIAL E MÉTODO

No período de novembro de 1997 a junho de 1998, foram estudadas cem crianças submetidas a adenoamigdalectomia na faixa etária de quatro a oito anos de idade, com indicação cirúrgica por problemas respiratórios obstrutivos altos, em razão de hipertrofia adenoamigdaliana.

Os casos selecionados foram submetidos à nasofibroscopia, tendo se constatado aumento do tamanho das adenóides. Então, verificou-se a necessidade de realizar adenoamigdalectomia e não apenas amigdalectomia.

Classificação do tamanho das amígdalas palatinas

O tamanho das amígdalas palatinas foi classificado de acordo com o seguinte critério (Figura 1):

A - Pequena - amígdalas alinhadas ás pregas palato-glosso (pilar anterior).

B - Moderada - projeção das amígdalas entre as pregas palato-glosso (pilar anterior) e linha mediana (úvula).

C - Grande - amígdalas atingem a linha mediana que passa pela úvula.

Neste estudo, foram selecionados os casos com hipertrofia das amigdalas palatinas classificadas como grande.

Subdividiu-se esse material em dois grupos:

1° grupo - dissecção convencional (50 casos);

2° grupo - dissecção com guilhotina de Sluder (50 casos).

Desenvolveu-se um protocolo que foi preenchido pelo cirurgião responsável.



Figura 1. Classificação do tamanho das amígdalas.



Critérios de avaliação do método

O trabalho envolveu mais de cem pacientes; porém, foram selecionados cem casos que se enquadraram de acordo com a proposta do estudo (protocolo). Os casos tabulados foram dos pacientes que realmente compareceram às visitas de pós-operatório. Os casos não acompanhados no pós-operatório foram excluídos.
O tempo de cirurgia, em ambas as técnicas, foi cronometrado a partir do momento de colocação do abridor de boca até à sua retirada. As perdas sangüíneas foram medidas em mililitros de sangue encontrado no vidro de aspiração.

Neste estudo comparativo, aplicamos dois testes estatísticos4: o teste t-independente (quando a informação é numérica) e o teste Qui-quadrado (quando a informação é categorizada). No teste t-independente (p), quando seu valor for menor ou igual a 0,05, existe diferença significante; caso contrário, não há. No teste de Qui-quadrado, quando o valor observado for menor ou igual ao valor crítico, dizemos que há diferença significante.

Descrição do método de dissecção convencional

Com o paciente em decúbito dorsal na posição de Rose, sob anestesia geral com utilização de anestésico halogenado (Halotano) e intubação orotraqueal, colocou-se o abridor de boca de Mc'Ivor e em seguida gaze ancorada na hipofaringe.

Após a visualização, as amígdalas foram tracionadas medialmente com pinça Brunnings, perpendicularmente ao pilar. A mucosa faríngea foi incisada na altura do pilar anterior (Figura 2), com bisturi lâmina nº 12, a partir da prega lingual até o pólo superior. Procurou-se a cápsula amigdaliana; e, com o aspirador - descolador de Hurd (Figura 3), liberou-se a amígdala da parede lateral da faringe com movimentos firmes no sentido crânio-caudal, chegando ao pólo inferior até completa exérese da amígdala (Figura 4); ou, então, cortou-se o pedículo amigdaliano com tesoura curva de Metzembaum (Figura 5). A seguir, fez-se hemostasia com gaze ancorada; e, quando necessário, suturou-se com categut simples 2-0. Realizou-se o mesmo procedimento do outro lado.



Figura 2. Incisão da mucosa faríngea na altura do pilar anterior.



Figura 3. Dissecção da cápsula amigdaliana



Figura 4. Descolamento da amígdala até o pólo inferior.



Figura 5. Exérese da amígdala



Figura 6. Colocação da amígdala (pólo inferior) dentro da guilhotina de Sluder.



Figura 7. Pressão do pilar anterior com o dedo indicador da mão oposta.



Descrição do método de dissecção pela guilhotina de Sluder

Com o paciente em posição semi-sentada, formando ângulo de 45 graus com o plano horizontal, sob anestesia geral com a utilização de anestésico halogenado (Halotano) e intubação orotraqueal, colocou-se o abridor de boca de Sluder, para a exposição das amígdalas. Usou-se gaze ancorada em hipofaringe, para proteção das vias aéreas inferiores. Em seguida, encaixou-se o pólo inferior para dentro da guilhotina de Sluder (Figura 6), auxiliado pelo dedo indicador da mão oposta pressionando no pilar anterior (Figura 7), tomando-se o cuidado com a úvula e a musculatura. Logo a seguir, pressionou-se fortemente a guilhotina, fazendo para cima o movimento de rotação em sentido horário na loja amigdaliana direita (Figura 8) e anti-horário na loja amigdaliana esquerda, bem lateralizado, descrevendo um vetor medial, inferior e posterior. Nessa altura, com a amígdala já totalmente dissecada com o auxílio do dedo indicador em gancho (Figura 9), e mantendo a guilhotina tracionada, fez-se a sua extração. Em seguida, realizou-se hemostasia com gaze ancorada. Quando necessário, foi usado categut simples 2-0 para sutura.



Figura 8. Fechamento da guilhotina, com movimento de rotação no sentido horário.



Figura 9. Dissecção da amígdala com o dedo indicador oposto até sua extração.



RESULTADOS

Pela análise deste estudo, chega-se aos resultados que estão demonstrados em tabelas.

A Tabela 1 analisa a duração da cirurgia em minutos em ambas as técnicas, onde podemos verificar, com a aplicação do teste t-independente (p), que a técnica Sluder leva significantemente menos tempo que a dissecada (p<0,001). já na Tabela 2, que compara a perda sangüínea em mililitros, não houve diferença significante (p=0,229) entre as técnicas.

A Tabela 3 representa o número de ligaduras, constatando que na técnica de Sluder esse número foi significantemente menor que na técnica dissecada (p=0,044).

Ao analisarmos os restos amigdalianos (Tabela 4), não constatamos diferença entre as técnicas cirúrgicas aplicando-se o teste Qui-quadrado, no qual o valor observado foi igual a 0,00; e o valor crítico, 3,84.



TABELA 1 - Duração da cirurgia em minutos.



TABELA 2 - Perda sangüínea em mililitros.



TABELA 3 - Número de ligaduras.



TABELA 4 - Restos Amigdalianos.

Legenda: N - número de casos.



TABELA 5 - Febre no 1°, 7° e 14° dia de pós-operatório.

Legenda: N - número de casos.



TABELA 6 - Sangramento no 1°, 7° e 14° dia de pós-operatório.



A Tabela 5 verifica a presença de febre no primeiro, sétimo e décimo quarto dias de pós-operatório, tendo sido utilizado o teste Qui-quadrado para análise estatística: no primeiro dia de pós-operatório, o valor observado foi 1,92, e o valor crítico, 3,84; no sétimo e décimo quarto dias o valor observado foi 0,00, e o crítico, 3,84. Constatamos, então, que não houve diferença significativa entre as técnicas quanto à febre.

A observação do sangramento (Tabela 6) foi realizada em ambas as técnicas no primeiro, sétimo e décimo quarto dias de pós-operatório, não tendo havido diferença estatística quando aplicamos o teste Qui-quadrado (valor observado = 0,00 e valor crítico = 3,84).

A Tabela 7 demonstra a dor no pós-operatório (primeiro, sétimo, e décimo quarto dias de pós-operatório). Quando realizamos o teste Qui-quadrado, não ocorreu diferença significante no primeiro dia (valor observado = 0,05 e valor crítico = 5,99), no sétimo dia (valor observado = 1,30 e valor crítico = 3,84) nem no décimo quarto dia (valor observado = 0,00 e valor crítico = 3,84).

DISCUSSÃO

A busca da menor morbidade na amigdalectomia beneficia o paciente, diminuindo custos hospitalares e farmacêuticos1, 23, 7, 11. Objeções para amigdalectocnia pela técnica de Sluder foram tantas, que elas levaram à impopularidade da técnica nos últimos tempos2, 12, não havendo, conseqüentemente, Serviços de residência médica em Otorrinolaringologia nos dias atuais que formem especialistas aptos para o manejo do amigdalótomo de Sluder. As desvantagens que se relatam são a falta de controle da perda sangüínea, restos amigdalianos remanescentes, acidentes como uvulectomia, glossectomia acidental parcial e lesão de pilar, bem como aspiração de sangue para a árvore respiratória inferior10. Alguns autores, entretanto, relatam baixa incidência de hemorragia no pós-operatório e apresentam como uma das principais vantagens a velocidade com que ela é realizada13, deixando a impressão de que o cuidado com a aplicação correta desta técnica propicia que as amígdalas sejam removidas com segurança, sem lesar qualquer estrutura. O hábito arriscado e condenável de se aplicar a guilhotina de Sluder sem intubação orotraqueal não deve invalidar a técnica operatória que nos parece boa, mas que se torna arriscada e de fato Perigosa apenas pela forma da anestesia empregada. A cirurgia para amigdalectomia pela técnica de Sluder pode ser considerada uma boa opção, desde que seja bem empregada, e realizada por cirurgiões experientes e sob intubação orotraqueal. Com o paciente intubado, monitorizado e com todos os cuidados técnicos adequados, qualquer um dos procedimentos é seguro, apresentando alguma vantagem a guilhotina de Sluder para o cirurgião e para ó paciente, como se constatou neste estudo.



TABELA 7 - Dor no 1°, 7° e 14° dia de pós-operatório.



CONCLUSÃO

Com base nos nossos resultados, podemos concluir que:

o ambos os procedimentos são igualmente bons e resolutivos;

o a técnica de amigdalectomia pela guilhotina de Sluder é estatisticamente mais rápida, necessitando de um menor número de ligaduras no intra-operatório;

o a análise da morbidade foi semelhante nos dois grupos estudados.

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* Médico Otorrinolaringologista, Coordenador do Curso de Aperfeiçoamento em ORL da CLINORL - Instituto de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, de São Paulo/SP
** Médica Residente - R3 da CLINORL - Instituto de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, de São Paulo/SP
*** Médica Otorrinolaringologista da CLINORL - Instituto de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, de São Paulo/SP
**** Médica Otorrinolaringologista, Ex-Residente da CLINORL - Instituto de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, de São Paulo/SP

Trabalho realizado na CLINORL - Instituto de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, de São Paulo/SP, e apresentado no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia em 22 de novembro de 1998, em Porto Alegre /RS.
Endereço para correspondência: Edson Carlos Miranda Monteiro - Av. Leôncio de Magalhães, 750 - 02042-000 São Paulo/SP - Telefone: (0xx11) 6950-2339.
E-mail: clin_orl@uol.com.br
Artigo recebido em 26 de junho de 2000. Artigo aceito em 18 de janeiro de 2001.

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