Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 3  - Maio - Junho - (14º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 301 a 304

 

Deficiência Auditiva Retrococlear por Cisto Epidermóide: Apresentação de Um Caso.

Retrocochlear Hearing Loos by Epidermid Cist: Case Report.

Autor(es): Paulo R. Pialarissi* ;
Alexandre C. S. Hauram ** ,
Fábio Kawamura***,
Gilberto Gattaz****.

Palavras-chave: cisto epidermóide, perda auditiva retro-coclear, tumores retrococleares

Keywords: epidermoid cist, retrocochlear hearing loss, retrocochlear tumors

Resumo:
Os autores apresentam caso clínico de um paciente com 16 anos de idade, cuja única queixa era deficiência auditiva profunda à esquerda, há aproximadamente sete anos. O exame por ressonância magnética (MRI) mostrou massa cística ocupando o Meato Acústico Interno e a Fossa Posterior, com deslocamento do Tronco Cerebral. A avaliação eletrofisiológica da audição (Emissões -Otoacústicas EOA, Potenciais Auditivos Evocados do Tronco Cerebral BERA) pôde comprovar o comprometimento retro-coclear. Após remoção cirúrgica, o diagnóstico anátomo-patológico foi de cisto epidermóide. Os cistos epidermóides são tumores raros, de origem ectodérmica, que devem ser considerados no diagnóstico diferencial de perdas auditivas retrococleares.

Abstract:
The case presented is of a 16-year-old pacient that had as unique complaint a profound left hearing loss for about seven years. The M.R.I. showed a cistic mass on the Internal Acoustic Meatus and Posterior Fossa with displacement of the Brain Stem. The electrophysiologic evaluation of the hearing (BERA, OAE) had established the retrocochlear involvement. After the surgery procedure, the histogical finding was an Epidermoid Cist. Those cists are rare tumors from ectodermic nature that must be considered as a differential diagnosis of thé retrocochlear hearing loss.

INTRODUÇÃO

Os cistos epidermóides são tumores de origem ectodérmica, raros, surgindo de restos celulares epiblásticos fetais, benignos, encapsulados, de crescimento lento', podendo ser císticos4. A cápsula consiste de epitélio escamoso sobre uma camada de tecido conjuntivo e o seu componente cístico é composto de material caseoso.

Acredita-se que resultem de inclusões de elementos epiteliais dentro do sulco neural, na época do seu fechamento (formação do tubo neural), entre a terceira e a quinta semanas de vida embrionária. São lesões do desenvolvimento e não neoplasias verdadeiras. O aumento de tamanho ocorre por descamação de células normais dentro de uma cavidade cística 4,5.

De acordo com Bailey, a primeira descrição de tumores perolados foi de Dumeril, em 1807, seguido por Cruveilhier, em 1829. Mas foi o próprio Baíley quem fez a primeira descrição histológica detalhada destes tumores 1,4. A incidência de cistos epidermóides intracranianos é de 0,3% a 1,8% entre todos os tumores cerebrais, mas sua localização no meato acústico interno é muito rara'.

Desde sua descrição, várias designações têm sido dadas a este tipo de tumor, com certa discordância na literatura científica. Denominações como cisto epidermóide, adamantinoma, colesteatoma, tumor perolado e tumor epidermóide têm sido encontradas na literatura, referindo-se à mesma entidade nosológica.

Sua localização preferencial varia segundo os autores pesquisados; porém, o ângulo ponto-cerebelar é citado como um dos mais freqüentes sítios, levando aos sintomas de deficiência auditiva, zumbidos, cefaléia e desequilíbrio.

À tomodensitometria, sua densidade radiológica é igual ou inferior ao liquor. É avascular, lobular, com cápsula aderente ao tecido nervoso circunjacente, serpiginoso, com cristais de colesterina no seu interior, não se impregnando pelo contraste e, geralmente, levando à erosão óssea'.

O melhor tratamento para cisto epidermóide é sua total remoção, a qual, por vezes, é de difícil realização em razão de sua aderência com estruturas neurovasculares vitais. Isto é particularmente verdadeiro para o cisto epidermóide da região do ângulo ponto-cerebelars,9.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente com 16 anos de idade, do sexo masculino, natural e procedente de São Paulo /SP, apresentou queixa de deficiência auditiva à esquerda há sete anos, de caráter não progressivo. O paciente não referia otorréia, vertigem, zumbido ou alteração do equilíbrio. O exame físico otorrinolaringológico e o exame neurológico foram normais.

À avaliação audiológica, constatou-se surdez neurossensorial profunda à esquerda.

A pesquisa de Potenciais Auditivos Evocados do Tronco Cerebral (BERA) resultou em aumento das latências das ondas 111 e V do lado esquerdo, com conseqüente aumento dos intervalos interpicos I - III e IV, isto a 90 dB (Figura 1).

A pesquisa das emissões otoacústicas (produto de distorção) revelou respostas presentes, significando função coclear normal à esquerda (Figura 2).

Foi realizada então tomografia computadorizada do osso temporal, a qual revelou alargamento acentuado do meato acústico interno à esquerda (Figura 3). O exame por ressonância magnética evidenciou lesão expansiva hipodensa em ângulo ponto-cerebelar à esquerda, com desvio do tronco cerebral para o lado oposto (Figuras 4 e 5).

O paciente foi submetido a cirurgia, com abordagem pela fossa posterior, tendo sido totalmente retirado um tumor perolado de aproximadamente 2,5 x 0,5 x 0,3 cm, em cujo exame anâtomo-patológico observou-se a presença de fragmentos de estrutura cística, constituída por tecido conjuntivo denso, formado por fibras colágenos, em grande parte hialinizadas e intercaladas por focos de calcificação. Existiam também áreas de hemorragia intersticial e presença de material amorfo e lamelar, levemente eosinofilico, o qual estava em um dos lados do cisto. Em outras áreas, o epitélio era cubóide, formado por células preservadas e dispostas em fileira única. O diagnóstico anátomo-patológico foi cisto epidernzóide.



Figura 1. BERA mostrando aumento das latências das ondas III e V, à esquerda, indicando comprometimento da transmissão nervosa no nível do nervo auditivo.




Figura 2. Pesquisa de EOAs - Produto de Distorção - dentro da faixa da normalidade, indicando integridade coclear, à esquerda.




Os exames eletro-fisiológicos da audição, realizados após o ato cirúrgico, permaneceram inalterados.

DISCUSSÃO

Deve se ressaltar, neste caso, o quadro sintomatológico inicial que motivou o paciente à busca de orientação médica. A deficiência auditiva unilateral foi a única queixa deste paciente, embora apresentasse ainda, como achado radiológico, o desvio do tronco cerebral assintomático neurologicamente.

De acordo com a literatura, sintomas como zumbido, vertigem, ataxia, cefaléia, diplopia, dismetria, paralisia facial, disartria, oftalmoplegia, nistagmo, disfonias, náusea e vômito podem estar presentes, conforme o tamanho e a localização do tumor'.

Entre os exames realizados, a audiometria não se mostrou útil no topo diagnóstico da lesão, mas levantou a suspeita de patologia neural e levou o médico a investigar melhor a sua origem.

Os exames eletro-fisiológicos foram importantes para que se levantasse a hipótese de patologia retrococlear. As emissões otoacústicas (produto de distorção) evidenciaram integridade coclear e o BERA complementou o diagnóstico topográfico.

Neste caso, a tomografia computadorizada evidenciou apenas alargamento do meato acústico interno, mas foi necessária a ressonância magnética para que se pudesse constatar a natureza do tumor, além de delimitar melhor a sua localização e extensão. No sentido de poupar tempo e diminuir custos, teria sido melhor a realização precoce desta última, logo após a suspeita de patologia retrococlear.

Não encontramos, na literatura pesquisada, qualquer relato sobre cisto epidermóide da região do ângulo ponto-Cerebelar, tendo como único sintoma, por vários anos, apenas a deficiência auditiva. Isto nos leva a assinalar a importância do otorrinolaringologista no diagnóstico desta doença. Além disto, em decorrência da deficiência auditiva ter se iniciado na infância, o mal deve ser considerado entre as hipóteses diagnosticas de surdez nesta faixa etária.




Figura 3. Meato Acústico Interno à esquerda, muito alargado, em decorrência de processo expansivo.



Figura 4. Imagem hipodensa em região de Meato Acústico Interno e de Ângulo Ponto-Cerebelar, à esquerda, evidenciada através de estudo por Ressonância Magnética.




Devemos salientar também que, no paciente em questão, o desvio de tronco cerebral existente, pelo crescimento do tumor, certamente traria, em fases posteriores, complicações mais sérias, inclusive com risco de óbito.



Figura 5. Observou-se, através da ressonância magnética, nítido desvio do tronco cerebral para a direita, por causa do processo expansivo do lado esquerdo.



A investigação audiológica completa deve ser realizada em todos os casos de deficiência auditiva, especialmente naqueles com deficiências unilaterais ou assimétricas. O cisto epidermóide do ângulo ponto-cerebelar deve estar presente no diagnóstico diferencial das doenças retrococleares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - SP e Professor Assistente - Mestre da Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo.
** Professor- Auxiliar de Ensino da PUC de São Paulo.
*** Médico Otorrinolaringologista.
**** Professor Assistente - Doutor da PUC de São Paulo.

Trabalho realizado no Instituto de Otorrinolaringologia de São Paulo - Hospital dos Defeitos da Face. Endereço para correspondência: Avenida Moreira Guimarães, 699 - São Paulo /SP - CEP 04074-031 - Telefone (011) 536-0100 - Fax (011) 246-2581. Artigo recebido em 26 de janeiro de 1998. Artigo aceito em 12 de fevereiro de 1998.

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