INTRODUÇÃOOs cistos epidermóides são tumores de origem ectodérmica, raros, surgindo de restos celulares epiblásticos fetais, benignos, encapsulados, de crescimento lento', podendo ser císticos4. A cápsula consiste de epitélio escamoso sobre uma camada de tecido conjuntivo e o seu componente cístico é composto de material caseoso.
Acredita-se que resultem de inclusões de elementos epiteliais dentro do sulco neural, na época do seu fechamento (formação do tubo neural), entre a terceira e a quinta semanas de vida embrionária. São lesões do desenvolvimento e não neoplasias verdadeiras. O aumento de tamanho ocorre por descamação de células normais dentro de uma cavidade cística 4,5.
De acordo com Bailey, a primeira descrição de tumores perolados foi de Dumeril, em 1807, seguido por Cruveilhier, em 1829. Mas foi o próprio Baíley quem fez a primeira descrição histológica detalhada destes tumores 1,4. A incidência de cistos epidermóides intracranianos é de 0,3% a 1,8% entre todos os tumores cerebrais, mas sua localização no meato acústico interno é muito rara'.
Desde sua descrição, várias designações têm sido dadas a este tipo de tumor, com certa discordância na literatura científica. Denominações como cisto epidermóide, adamantinoma, colesteatoma, tumor perolado e tumor epidermóide têm sido encontradas na literatura, referindo-se à mesma entidade nosológica.
Sua localização preferencial varia segundo os autores pesquisados; porém, o ângulo ponto-cerebelar é citado como um dos mais freqüentes sítios, levando aos sintomas de deficiência auditiva, zumbidos, cefaléia e desequilíbrio.
À tomodensitometria, sua densidade radiológica é igual ou inferior ao liquor. É avascular, lobular, com cápsula aderente ao tecido nervoso circunjacente, serpiginoso, com cristais de colesterina no seu interior, não se impregnando pelo contraste e, geralmente, levando à erosão óssea'.
O melhor tratamento para cisto epidermóide é sua total remoção, a qual, por vezes, é de difícil realização em razão de sua aderência com estruturas neurovasculares vitais. Isto é particularmente verdadeiro para o cisto epidermóide da região do ângulo ponto-cerebelars,9.
APRESENTAÇÃO DO CASOPaciente com 16 anos de idade, do sexo masculino, natural e procedente de São Paulo /SP, apresentou queixa de deficiência auditiva à esquerda há sete anos, de caráter não progressivo. O paciente não referia otorréia, vertigem, zumbido ou alteração do equilíbrio. O exame físico otorrinolaringológico e o exame neurológico foram normais.
À avaliação audiológica, constatou-se surdez neurossensorial profunda à esquerda.
A pesquisa de Potenciais Auditivos Evocados do Tronco Cerebral (BERA) resultou em aumento das latências das ondas 111 e V do lado esquerdo, com conseqüente aumento dos intervalos interpicos I - III e IV, isto a 90 dB (Figura 1).
A pesquisa das emissões otoacústicas (produto de distorção) revelou respostas presentes, significando função coclear normal à esquerda (Figura 2).
Foi realizada então tomografia computadorizada do osso temporal, a qual revelou alargamento acentuado do meato acústico interno à esquerda (Figura 3). O exame por ressonância magnética evidenciou lesão expansiva hipodensa em ângulo ponto-cerebelar à esquerda, com desvio do tronco cerebral para o lado oposto (Figuras 4 e 5).
O paciente foi submetido a cirurgia, com abordagem pela fossa posterior, tendo sido totalmente retirado um tumor perolado de aproximadamente 2,5 x 0,5 x 0,3 cm, em cujo exame anâtomo-patológico observou-se a presença de fragmentos de estrutura cística, constituída por tecido conjuntivo denso, formado por fibras colágenos, em grande parte hialinizadas e intercaladas por focos de calcificação. Existiam também áreas de hemorragia intersticial e presença de material amorfo e lamelar, levemente eosinofilico, o qual estava em um dos lados do cisto. Em outras áreas, o epitélio era cubóide, formado por células preservadas e dispostas em fileira única. O diagnóstico anátomo-patológico foi cisto epidernzóide.
Figura 1. BERA mostrando aumento das latências das ondas III e V, à esquerda, indicando comprometimento da transmissão nervosa no nível do nervo auditivo.
Figura 2. Pesquisa de EOAs - Produto de Distorção - dentro da faixa da normalidade, indicando integridade coclear, à esquerda.
Os exames eletro-fisiológicos da audição, realizados após o ato cirúrgico, permaneceram inalterados.
DISCUSSÃODeve se ressaltar, neste caso, o quadro sintomatológico inicial que motivou o paciente à busca de orientação médica. A deficiência auditiva unilateral foi a única queixa deste paciente, embora apresentasse ainda, como achado radiológico, o desvio do tronco cerebral assintomático neurologicamente.
De acordo com a literatura, sintomas como zumbido, vertigem, ataxia, cefaléia, diplopia, dismetria, paralisia facial, disartria, oftalmoplegia, nistagmo, disfonias, náusea e vômito podem estar presentes, conforme o tamanho e a localização do tumor'.
Entre os exames realizados, a audiometria não se mostrou útil no topo diagnóstico da lesão, mas levantou a suspeita de patologia neural e levou o médico a investigar melhor a sua origem.
Os exames eletro-fisiológicos foram importantes para que se levantasse a hipótese de patologia retrococlear. As emissões otoacústicas (produto de distorção) evidenciaram integridade coclear e o BERA complementou o diagnóstico topográfico.
Neste caso, a tomografia computadorizada evidenciou apenas alargamento do meato acústico interno, mas foi necessária a ressonância magnética para que se pudesse constatar a natureza do tumor, além de delimitar melhor a sua localização e extensão. No sentido de poupar tempo e diminuir custos, teria sido melhor a realização precoce desta última, logo após a suspeita de patologia retrococlear.
Não encontramos, na literatura pesquisada, qualquer relato sobre cisto epidermóide da região do ângulo ponto-Cerebelar, tendo como único sintoma, por vários anos, apenas a deficiência auditiva. Isto nos leva a assinalar a importância do otorrinolaringologista no diagnóstico desta doença. Além disto, em decorrência da deficiência auditiva ter se iniciado na infância, o mal deve ser considerado entre as hipóteses diagnosticas de surdez nesta faixa etária.
Figura 3. Meato Acústico Interno à esquerda, muito alargado, em decorrência de processo expansivo.
Figura 4. Imagem hipodensa em região de Meato Acústico Interno e de Ângulo Ponto-Cerebelar, à esquerda, evidenciada através de estudo por Ressonância Magnética.
Devemos salientar também que, no paciente em questão, o desvio de tronco cerebral existente, pelo crescimento do tumor, certamente traria, em fases posteriores, complicações mais sérias, inclusive com risco de óbito.
Figura 5. Observou-se, através da ressonância magnética, nítido desvio do tronco cerebral para a direita, por causa do processo expansivo do lado esquerdo.
A investigação audiológica completa deve ser realizada em todos os casos de deficiência auditiva, especialmente naqueles com deficiências unilaterais ou assimétricas. O cisto epidermóide do ângulo ponto-cerebelar deve estar presente no diagnóstico diferencial das doenças retrococleares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. YAMAKAWA, K.; SHITARA, N.; GENKA, S. - Clinical course and surgical prognosis of 33 cases of intracranial epidermoid tumors. Neurosurgery, 24: 568-573, 1989.
2. ROSEMBLUTH, P. R.; LICHTENSTEIN, B. W. - Pearly Tumor Epidermoid (Epidermoid Cholesteatoma) of the Brain: Clinicopathology study of two cases. J. Neurosurg, 17: 35-42, 1989.
3. PANAGOPOULOS, K. P.; EL-AZOUZI, M.; CHISHOLM, H. L; JOLESST, F. A; BLACK P. M. - Intracranial Epidermoid Tumors: A continuing diagnostic challenge. Arch. Neurol., 47: 813-816, 1990.
4. OBANA, W. G.; WILSON, L. O. - Epidermoid cysts of the brain stem. J. Neurosurg., 74: 123-128, 1991.
5. ABRANSON, R. C.; MORAWETZ, R. B.; SCHLITT, M. - Multiple complications from are Intracranial Epidermoid Cyst: Case report and literature review. Neurosurgery, 24: 574-578, 1989.
6. MISRA, A. -K.; MISHRA, S. K.; ORTIZ, W. - Differential involvement of brainstem pathways due to fourth ventricular epidermoid cyst: a case study. Clinical Neurology and Neurosurgery, 96: 170-173, 1994.
7. VIGNAUD, J.; FISCH-PONSOT, C. et AUBIN, M. L. - Imagerie des tumeurs de 1'angle ponto-cérébelleux et du eonduit auditif interne. Encycl. Méd. Chir. (Paris -France), Oto-rhino-laryngologie, 20047A", 9 - 1988, 24p.
8. IIHARA, K.; KIKUCHI, H.; ISHIKAWA, M. - Epidermoid cyst transversing the pores finto the fourth ventricule: Case report. Surg. Neurol., 32: 377-381, 1989.
9. WEAVER, E. N; COULON, R. A. - Excision of a brain stem epidermoid cyst. f. Neurosurg., Sl: 254-257, 1979.
* Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - SP e Professor Assistente - Mestre da Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo.
** Professor- Auxiliar de Ensino da PUC de São Paulo.
*** Médico Otorrinolaringologista.
**** Professor Assistente - Doutor da PUC de São Paulo.
Trabalho realizado no Instituto de Otorrinolaringologia de São Paulo - Hospital dos Defeitos da Face. Endereço para correspondência: Avenida Moreira Guimarães, 699 - São Paulo /SP - CEP 04074-031 - Telefone (011) 536-0100 - Fax (011) 246-2581. Artigo recebido em 26 de janeiro de 1998. Artigo aceito em 12 de fevereiro de 1998.