Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 267 a 270

 

Manifestações Otorrinolaringológicas em Pacientes HIV Soropositivo.

Otorrhinolaringological Manifestation in HIV-Soropositive Patients.

Autor(es): Denise Utsch Gonçalves*,
Antônio Carlos Toledo Júnior **,
Celso Gonçalves Becker`,
Tânia Mara Lima Gonçalves****,
Dirceu Bartolomeu Greco*****.

Palavras-chave: Síndrome de imunodeficiêncía adquirida, otorrinolaringologia

Keywords: Adquired immunodeficiency syndrome, otolaryngology

Resumo:
0 objetivo deste estudo é avaliaras manifestações otorrinolaringológicas em 57 pacientes infectados pelo vírus HIV. Todos apresentavam algum sintoma otorrinolaringológico e foram examinados por um esmo especialista. A idade foi entre 21 e 49 anos, sendo 50 (80% )homens. Os pacientes foram divididos em grupos II e IV de acordo com critérios do CDC. No grupo II, linfadenomegalia cervical ocorreu em 27,3% dos casos. Hipertrofia da glândula parótida em 18,2% , hipertrofia de adenóide em 9,1% e leucoplasia pilosa em 18,2% dos pacientes deste grupo. As infecções predominaram no grupo TV Sinusite ocorreu em 47, 2% , candidíase oral em 23,9% e otite média em 13,0%. Sarcoma de Kaposi esteve presente em 6 (13,0%) casos. Os autores concluem que doenças relacionadas a hiperplasia linfóide são freqüentes nos estágios iniciais da infecção pelo HIV, enquanto as infecções dominam os estágios avançados.

Abstract:
The objetive is evaluate the otolaryngological manifestations in 57 patients iu various grades of HIV infection. All patients presented any otolaryngological symptom and were examinated by only one specialist. The age were between 21 and 49 years and 50 (80%) were male. The patients were separated in groups II and group IV according to CDC critéria. In group II cervical lymphadenomegaly occured in 27,3% of the cases. Parotidgland enlargement in 18,2%, adenoidal hypertrophy in 9,1% and hairy leukoplakia in 18,2% of the patients of this group. The infections disease predominatedin group IV. Sinusites occuredin 47,8%, oral candidiasis in 23,9% andotitis media in 13,0%. Kaposi's Syndrome was present in 6 cases. The autorrs concluded that diseases related to lymphoid hyperplasia is frequent during theear lystagesof HIV infection, white infections dominate the advanced stages.

INTRODUÇÃO

Estudos retrospectivos têm demonstrado prevalências de doenças otorrinolaringológicas em pacientes com AID variando de 41 %'a 71% z. Entretanto, a literatura é falha n descrição da freqüência e características destas doença nos estágios iniciais de infecção pelo HIV. Alguma enfermidades otorrino laringológicas estariam ligadas à presença intrínseca do vírus e irregularidades no sistema imune causadas pela presença deste, enquanto outras seriam conseqüências da imunodeficiência que se desenvolve com o decorrer da infecção 3,4,5.

O conhecimento prévio das manifestações otorrinolaringológicas em pacientes infectados pelo HIV tem sido cada vez mais importante para o profissional especialista, visando um diagnóstico precoce, a melhor conduta terapêutica e a previsão de sua disseminação. A maioria destas moléstias são tratadas com sucesso, embora as recorrências sejam comuns. O diagnóstico e tratamento precoces podem aumentar a sobrevida do paciente e possibilitar melhor qualidade de vida.

O objetivo deste estudo é avaliar a incidência das lesões otorrinolaringológicas em pacientes com AIDS ou ARC e em pacientes HIV+ assintomáticos. Os resultados serão comparados àqueles já apresentados na literatura e as enfermidades características de cada grupo serão discutidas.


TABELA I - Estágios de Infecção pelo HIV de acordo com CDC, 1986.



TABELA II - Manifestações ORL em 57 pacientes infectados pelo HIV



MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi realizado a partir do exame otorrinolaringológico de 57 pacientes infectados pelo vírus HIV, durante o período de março a dezembro de 1993. Todos os pacientes foram encaminhados do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFMG e atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia da referida faculdade. Os pacientes foram consultados sobre sua participação neste estudo, sendo a autorização dada por escrita. Foram incluídos os pacientes que apresentavam sintoma otorrinolaringológico. Foram excluídos casos de transmissão vertical (mãe - filho), pacientes pertencentes aos estágios de linfadenomegalia generalizada persistente (LGP) da classificação do Centers for Disease Control, CDC de 1986 para a infecção pelo HIV (tabela 1) 6. Os pacientes foram examinados por um mesmo médico otorrinolaringologista que inicialmente não conhecia o estágio da infecção no qual se encontravam os participantes. Foi indicada propedêutica adequada para as lesões otorrino laringológicas e posterior tratamento. A presença de dois ou mais linfonodos maiores que 1 centímetro, sem sinais flogísticos, em localização cervical diferente, foi definida neste trabalho como linfadenomegalia cervical difusa. Na análise dos resultados os pacientes foram divididos a partir da classificação do CDC em "grupo II" e "grupo IV". A população foi caracterizada quanto aos dados epidemiológicos mais importantes e comparada a incidência das lesões otorrinolaringológicas em cada grupo.

RESULTADOS

A idade dos pacientes variou de 21 a 49 anos. A distribuição por sexo mostrou que 7 (12,3%) eram mulheres e 50 (87,7%) eram homens. Considerando as manifestações otorrinolaringológicas (tabela 2), no grupo IV a sinusite foi a enfermidade mais comum, presente em 22 (47,8%) casos, seguida pela candidíase oral ( figura 1 ), presente em 11 (23,9%) casos. O Sarcoma de Kaposi esteve presente em 6 (13,0%) casos, sendo que em 1 caso o tumor acometeu o conduto auditivo externo; em outro a laringe e nos demais o palato duro. No grupo II , a alteração mais comum foi a linfadenomegalia cervical difusa, presente em 3 (27,3%) casos. A hipertrofia de glândula parótida ocorreu em 2 (18,2%) casos, leucoplasia pilosa ( figura 2 ) esteve presente em 2 (18,2%) e a hipertrofia de tecido linfóide no cavum ocorreu em 1 caso (9,1%). Exame otorrinolaringológico normal ocorreu em 5 ( 45,5 %) pacientes deste grupo.



FIGURA 1 - Candidíase oral em paciente com AIDS



FIGURA 2 - Leucoplasia pilosa em paciente HIV + assintomático do ponto de vista clínico.



DISCUSSÃO

No presente estudo, a linfadenomegalia cervical difusa predominou no grupo de pacientes assintomáticos (grupo II), enquanto as doenças infecciosas foram mais freqüentes no grupo com ARC ou AIDS (grupo IV). A hiperplasia difusa do tecido linfóide ou a leucoplasia pilosa ocorrem nos estágios iniciais da infecção pelo HIV, precedendo as infecções oportunistas, conforme foi demonstrado neste trabalho e em várias publicações 5,11,15,16,17. Trabalhos retrospectivos apontam a candidíase oral como a enfermidade otorrinolaringológica mais comum em pacientes com AIDS, com incidência de até 80%'.z. Neste trabalho a freqüência foi de 24%. A principal causa desta diferença é que vários pacientes foram avaliados pelo otorrinolaringologista após ter sido realizado o tratamento para candidíase oral. Por outro lado, este estudo apresenta ao médico especialista quaís as principais enfermidades cervico - faciais que serão encontradas nos serviços públicos e privados de otorrinolaringologia, seja nas fases iniciais, seja nas fases finais da infecção pelo HIV.

Neste estudo, a sinusite apresentou elevada incidência nos pacientes com AIDS, tal qual tem sido demonstrado na literatura mundial. Nos estágios avançados de imunodeficiência, infecções bacterianas e por germes oportunistas são comuns nos pacientes com AIDS. Alguns autores tem mostrado que concomitante a imunodepressão, ocorre elevação do anticorpo IgE, sabidamente ligado a Alergia 7,8. Desta forma, consideram que o elevado índice de infecções paranasais estaria relacionado não apenas ao distúrbio de imunidade, mas também a um estado de atopia generalizada, corroborando para a manutenção ou repetição da infecção. Dúvidas ainda existem sobre tratar o paciente com AIDS como um alérgico em potencial 9.

Nas fases iniciais da infecção pelo HIV, os linfonodos cervicais aumentam devido a uma disfunção imune que ocasiona uma hiperplasia generalizada do tecido linfóide 10 . Pacientes com linfonodos cervicais não dolorosos, móveis, múltiplos, localizados principalmente nas bordas anterior e posterior do músculo esternocleidomastóideo não necessitam de propedêutica invasiva. A melhor conduta é o acompanhamento clínico 11. Se qualquer destes torna-se flogístico, a punção é necessária 13,14. Este método diagnóstico tem se mostrado válido, com sensibilidade de 90% e especificidade variando de 87,5% a 93%, quando analisado por citopatologistas experientes 12,13 A biópsia está indicada quando o paciente apresenta sinais clínicos de determinada enfermidade ou crescimento rápido de determinado linfonodo e a punção com agulha fina não define o diagnóstico 14. Outras regiões em que ocorre a hiperplasia linfóide são o anel de Waldeyer e as glândulas salivares maiores. A hípertrofia de adenóide em pacientes adultos tem sido considerado como sinal sugestivo de infecção pelo HIV 15,16,17. A glândula parótida apresenta tecido linfóide em sua cápsula , assim como em seu interior 18,19. A hiperplasia deste provoca aumento clínico da glândula e obstrução intraparotidiana dos ductos de drenagem por compressão extrínseca, com consequente formação de cistos benignos linfoepiteliais, que outrora raros, hoje sugerem infecção pelo HIV 20. O aumento de glândula geralmente é simétrico, com exacerbação de u lado em caso de infecção secundária. O diagnóstico baseia se na história e exame clínico, tomografia computadorizada e punção com agulha fina. Este procedimento invasivo está indicado para afastar a possibilidade de um linfoma 18.

O tratamento é conservador com calor local e antibióticos em caso de infecções secundárias.

A leucoplasia pilosa apresenta-se corno transversais brancas nas bordas laterais da língua e m raramente na sua superfície inferior. Esta alteração te sido observada em pacientes imunosuprimidos por outras
causas que não o H IV, embora a sua prevalência em pacientes HIV+ seja muito maior que aquela encontrada em imunodeficiência por outras causas. Estudos baseados em microscopia eletrônica tem mostrado que o agente efológico é o vírus Epstein barr 21. Estas lesões raramente causam sintomas.

A incidência de Sarcoma de Kaposi concordou com dados já publicados, inclusive no que se refere ao local mais comum, que é o palato duro 22.

Analisando a freqüência de exame ORL normal em cada grupo é fácil observar que no grupo IV 87% dos pacientes apresentavam exame ORL alterado, predominando as infecções. No grupo 11, 45,5% dos pacientes não apresentavam qualquer alteração ao exame ORL, embora todos tivessem alguma queixa. Interessante ressaltar que as manifestações observadas neste grupo (com exceção de 1 caso de otite e 1 caso de sinusite) são importantes, pois geralmente não ocorrem em pacientes HIV-, podendo ser a primeira pista para o diagnóstico de infecção pelo HIV.

CONCLUSÕES

Pacientes HIV+ assintomáticos apresentam alterações ORL devido a hiperplasia linfóide generalizada que ocorre nas fases iniciais da infecção pelo vírus HIV. Leucoplasia pilosa predomina neste grupo de pacientes. O otorrinolaringologista deve estar atento para estas alterações. Infecções bacterianas são freqüentes nos estágios avançados de imunodeficiência. Estudos prospectivos são necessários para uma definição segura sobre a prevalência das alterações ORL observadas nos pacientes HIV + assintomáticos e com AIDS.

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* Médica otorrinolaringologista e mestranda do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFMG
** Médico generalista e Mestrando do Departamento de Saúde Pública Epidemiologia da Faculdade de Medicina da UFMG
*** Professor Assistente em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina UFMG.
**** Professora Adjunto em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG.
***** Professor Titular em Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Setor de Imunodeficiências da UFMG. Endereço: Faculdade de Medicina, terceiro andar, sala 2, Av. Alfredo Balena, 190, CEP: 30130-100
Trabalho apresentado ao V Congresso Brasileiro e Latino-Americano de Rinologia, em Setembro de 1993, São Paulo, Brasil.

Endereço para correspondência: Rua Cristina, 1120, apto 201, bairro Santo Antônio, Belo Horizonte, MG - CEP 30330-130.

Artigo recebido em OS de maio de 1994. Artigo aceito em 07 de junho de 1994.

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