INTRODUÇÃOEstudos retrospectivos têm demonstrado prevalências de doenças otorrinolaringológicas em pacientes com AID variando de 41 %'a 71% z. Entretanto, a literatura é falha n descrição da freqüência e características destas doença nos estágios iniciais de infecção pelo HIV. Alguma enfermidades otorrino laringológicas estariam ligadas à presença intrínseca do vírus e irregularidades no sistema imune causadas pela presença deste, enquanto outras seriam conseqüências da imunodeficiência que se desenvolve com o decorrer da infecção 3,4,5.
O conhecimento prévio das manifestações otorrinolaringológicas em pacientes infectados pelo HIV tem sido cada vez mais importante para o profissional especialista, visando um diagnóstico precoce, a melhor conduta terapêutica e a previsão de sua disseminação. A maioria destas moléstias são tratadas com sucesso, embora as recorrências sejam comuns. O diagnóstico e tratamento precoces podem aumentar a sobrevida do paciente e possibilitar melhor qualidade de vida.
O objetivo deste estudo é avaliar a incidência das lesões otorrinolaringológicas em pacientes com AIDS ou ARC e em pacientes HIV+ assintomáticos. Os resultados serão comparados àqueles já apresentados na literatura e as enfermidades características de cada grupo serão discutidas.
TABELA I - Estágios de Infecção pelo HIV de acordo com CDC, 1986.
TABELA II - Manifestações ORL em 57 pacientes infectados pelo HIV
MATERIAL E MÉTODOSEste estudo foi realizado a partir do exame otorrinolaringológico de 57 pacientes infectados pelo vírus HIV, durante o período de março a dezembro de 1993. Todos os pacientes foram encaminhados do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFMG e atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia da referida faculdade. Os pacientes foram consultados sobre sua participação neste estudo, sendo a autorização dada por escrita. Foram incluídos os pacientes que apresentavam sintoma otorrinolaringológico. Foram excluídos casos de transmissão vertical (mãe - filho), pacientes pertencentes aos estágios de linfadenomegalia generalizada persistente (LGP) da classificação do Centers for Disease Control, CDC de 1986 para a infecção pelo HIV (tabela 1) 6. Os pacientes foram examinados por um mesmo médico otorrinolaringologista que inicialmente não conhecia o estágio da infecção no qual se encontravam os participantes. Foi indicada propedêutica adequada para as lesões otorrino laringológicas e posterior tratamento. A presença de dois ou mais linfonodos maiores que 1 centímetro, sem sinais flogísticos, em localização cervical diferente, foi definida neste trabalho como linfadenomegalia cervical difusa. Na análise dos resultados os pacientes foram divididos a partir da classificação do CDC em "grupo II" e "grupo IV". A população foi caracterizada quanto aos dados epidemiológicos mais importantes e comparada a incidência das lesões otorrinolaringológicas em cada grupo.
RESULTADOSA idade dos pacientes variou de 21 a 49 anos. A distribuição por sexo mostrou que 7 (12,3%) eram mulheres e 50 (87,7%) eram homens. Considerando as manifestações otorrinolaringológicas (tabela 2), no grupo IV a sinusite foi a enfermidade mais comum, presente em 22 (47,8%) casos, seguida pela candidíase oral ( figura 1 ), presente em 11 (23,9%) casos. O Sarcoma de Kaposi esteve presente em 6 (13,0%) casos, sendo que em 1 caso o tumor acometeu o conduto auditivo externo; em outro a laringe e nos demais o palato duro. No grupo II , a alteração mais comum foi a linfadenomegalia cervical difusa, presente em 3 (27,3%) casos. A hipertrofia de glândula parótida ocorreu em 2 (18,2%) casos, leucoplasia pilosa ( figura 2 ) esteve presente em 2 (18,2%) e a hipertrofia de tecido linfóide no cavum ocorreu em 1 caso (9,1%). Exame otorrinolaringológico normal ocorreu em 5 ( 45,5 %) pacientes deste grupo.
FIGURA 1 - Candidíase oral em paciente com AIDS
FIGURA 2 - Leucoplasia pilosa em paciente HIV + assintomático do ponto de vista clínico.
DISCUSSÃONo presente estudo, a linfadenomegalia cervical difusa predominou no grupo de pacientes assintomáticos (grupo II), enquanto as doenças infecciosas foram mais freqüentes no grupo com ARC ou AIDS (grupo IV). A hiperplasia difusa do tecido linfóide ou a leucoplasia pilosa ocorrem nos estágios iniciais da infecção pelo HIV, precedendo as infecções oportunistas, conforme foi demonstrado neste trabalho e em várias publicações 5,11,15,16,17. Trabalhos retrospectivos apontam a candidíase oral como a enfermidade otorrinolaringológica mais comum em pacientes com AIDS, com incidência de até 80%'.z. Neste trabalho a freqüência foi de 24%. A principal causa desta diferença é que vários pacientes foram avaliados pelo otorrinolaringologista após ter sido realizado o tratamento para candidíase oral. Por outro lado, este estudo apresenta ao médico especialista quaís as principais enfermidades cervico - faciais que serão encontradas nos serviços públicos e privados de otorrinolaringologia, seja nas fases iniciais, seja nas fases finais da infecção pelo HIV.
Neste estudo, a sinusite apresentou elevada incidência nos pacientes com AIDS, tal qual tem sido demonstrado na literatura mundial. Nos estágios avançados de imunodeficiência, infecções bacterianas e por germes oportunistas são comuns nos pacientes com AIDS. Alguns autores tem mostrado que concomitante a imunodepressão, ocorre elevação do anticorpo IgE, sabidamente ligado a Alergia 7,8. Desta forma, consideram que o elevado índice de infecções paranasais estaria relacionado não apenas ao distúrbio de imunidade, mas também a um estado de atopia generalizada, corroborando para a manutenção ou repetição da infecção. Dúvidas ainda existem sobre tratar o paciente com AIDS como um alérgico em potencial 9.
Nas fases iniciais da infecção pelo HIV, os linfonodos cervicais aumentam devido a uma disfunção imune que ocasiona uma hiperplasia generalizada do tecido linfóide 10 . Pacientes com linfonodos cervicais não dolorosos, móveis, múltiplos, localizados principalmente nas bordas anterior e posterior do músculo esternocleidomastóideo não necessitam de propedêutica invasiva. A melhor conduta é o acompanhamento clínico 11. Se qualquer destes torna-se flogístico, a punção é necessária 13,14. Este método diagnóstico tem se mostrado válido, com sensibilidade de 90% e especificidade variando de 87,5% a 93%, quando analisado por citopatologistas experientes 12,13 A biópsia está indicada quando o paciente apresenta sinais clínicos de determinada enfermidade ou crescimento rápido de determinado linfonodo e a punção com agulha fina não define o diagnóstico 14. Outras regiões em que ocorre a hiperplasia linfóide são o anel de Waldeyer e as glândulas salivares maiores. A hípertrofia de adenóide em pacientes adultos tem sido considerado como sinal sugestivo de infecção pelo HIV 15,16,17. A glândula parótida apresenta tecido linfóide em sua cápsula , assim como em seu interior 18,19. A hiperplasia deste provoca aumento clínico da glândula e obstrução intraparotidiana dos ductos de drenagem por compressão extrínseca, com consequente formação de cistos benignos linfoepiteliais, que outrora raros, hoje sugerem infecção pelo HIV 20. O aumento de glândula geralmente é simétrico, com exacerbação de u lado em caso de infecção secundária. O diagnóstico baseia se na história e exame clínico, tomografia computadorizada e punção com agulha fina. Este procedimento invasivo está indicado para afastar a possibilidade de um linfoma 18.
O tratamento é conservador com calor local e antibióticos em caso de infecções secundárias.
A leucoplasia pilosa apresenta-se corno transversais brancas nas bordas laterais da língua e m raramente na sua superfície inferior. Esta alteração te sido observada em pacientes imunosuprimidos por outras
causas que não o H IV, embora a sua prevalência em pacientes HIV+ seja muito maior que aquela encontrada em imunodeficiência por outras causas. Estudos baseados em microscopia eletrônica tem mostrado que o agente efológico é o vírus Epstein barr 21. Estas lesões raramente causam sintomas.
A incidência de Sarcoma de Kaposi concordou com dados já publicados, inclusive no que se refere ao local mais comum, que é o palato duro 22.
Analisando a freqüência de exame ORL normal em cada grupo é fácil observar que no grupo IV 87% dos pacientes apresentavam exame ORL alterado, predominando as infecções. No grupo 11, 45,5% dos pacientes não apresentavam qualquer alteração ao exame ORL, embora todos tivessem alguma queixa. Interessante ressaltar que as manifestações observadas neste grupo (com exceção de 1 caso de otite e 1 caso de sinusite) são importantes, pois geralmente não ocorrem em pacientes HIV-, podendo ser a primeira pista para o diagnóstico de infecção pelo HIV.
CONCLUSÕESPacientes HIV+ assintomáticos apresentam alterações ORL devido a hiperplasia linfóide generalizada que ocorre nas fases iniciais da infecção pelo vírus HIV. Leucoplasia pilosa predomina neste grupo de pacientes. O otorrinolaringologista deve estar atento para estas alterações. Infecções bacterianas são freqüentes nos estágios avançados de imunodeficiência. Estudos prospectivos são necessários para uma definição segura sobre a prevalência das alterações ORL observadas nos pacientes HIV + assintomáticos e com AIDS.
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* Médica otorrinolaringologista e mestranda do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFMG
** Médico generalista e Mestrando do Departamento de Saúde Pública Epidemiologia da Faculdade de Medicina da UFMG
*** Professor Assistente em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina UFMG.
**** Professora Adjunto em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG.
***** Professor Titular em Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Setor de Imunodeficiências da UFMG. Endereço: Faculdade de Medicina, terceiro andar, sala 2, Av. Alfredo Balena, 190, CEP: 30130-100
Trabalho apresentado ao V Congresso Brasileiro e Latino-Americano de Rinologia, em Setembro de 1993, São Paulo, Brasil.
Endereço para correspondência: Rua Cristina, 1120, apto 201, bairro Santo Antônio, Belo Horizonte, MG - CEP 30330-130.
Artigo recebido em OS de maio de 1994. Artigo aceito em 07 de junho de 1994.