Ano: 1993 Vol. 59 Ed. 4 - Outubro - Dezembro - (15º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 295 a 297
Histiocitose-X: Relato de dois casos com comprometimento otológico.
Histiocitosis-X: Report of 2 cases with otologic component.
Autor(es):
Alfredo Rafael Dell' Aringa *
César de Carvalho Stocco **
José Carlos Nardi ***
Kazue Kobari ****
Silvio Augusto P. Castro *****
Palavras-chave: histiocitose-x, otopatias
Keywords: histiocytosis-x, ear/diseases
Resumo:
Os autores apresentam dois casos de HISTIOCITOSE-X tratados na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marília. O diagnóstico é comprovado através de estudo radiológico e anatomopatológico. Chamam a atenção para o diagnóstico diferencial em caso de otorréia rebelde, de difícil tratamento. Discutem aspectos gerais sobre a doença, classificação e tratamento.
Abstract:
The authors presents two cases of Histiocytosis-X, treated at Oto-Laryngology clinic of Faculdade de Medicina de Marília. The diagnoses is confirmed through radiologic and Pathologic study.
Appoints attention to differential diagnosis in chronic othorrhea, of difficult treatment, discuss aspects about the disease, classification and treatment.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é a apresentação de dois casos de Granulomatose de células de Langerhans, doença rara, presente em 1:2 milhões da população. A principal manifestação e causa da procura de Assistência Médica nesses dois casos foi um quadro de comprometimento otológico; otite média crônica unilateral, de difícil tratamento.
O granuloma de células de Lagerhans é uma doença Ganuomatosa rara, que afeta principalmente os ossos, inclusive podendo afetar o osso temporal. Essa moléstia pode apresentarem alguns casos, no início ou durante o curso da doença, sintomas otológicos, mais freqüentemente em crianças e adultos jovens. Essas lesões quase sempre se infectam secundariamente, sendo facilmente confundidos com otomastoídites crônicas.
Segundo levantamento feito por McCaffey e McDonald, na Clínica Mayo nos U.S.A., de 1926 a 1978, verificou-se que 22 pacientes com a doença apresentavam evidências de envolvimento do osso temporal ou ouvido durante o curso da doença. Esses pacientes representavam 15% de todos os pacientes com a doença diagnosticados neste período.
Os sintomas mais freqüentes, ainda segundo os mesmo autores eram:
SINTOMAS INICIAIS
45% - otorréia.
41% - intumescimento da região temporal.
DURANTE O CURSO DA DOENÇA
68% - otorréia.
50% - intumescimento da região temporal.
Geralmente a lesão era clinicamente indistinguível da otite média crônica supurativa.
45% apresentavam ainda, otite externa semelhante à bacteriana, e 23% apresentavam queixas de hipoacusia.
Na literatura nacional são relatados poucos casos, sendo há pelo menos quatro trabalhos publicados na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia: Santos, S.P. e cols. relatam um caso com paralisia facial (1970); Pires de Mello e cols., relatam três casos (1972); Rudolf Lang e cols., relatam um caso (1975) e Ivo Bussoloti Filho e cols., relatam dois casos da doença (1984).
Em nosso hospital, segundo o arquivo do Laboratório de Anatomia Patológica, no período de 1986 a 1990, foram diagnosticados sete casos da doença, sendo que destes, três apresentavam quadro otológico, representando cerca de 43% dos casos. Dois desses casos foram atendidos no ambulatório do Serviço de O.R.L. da Instituição, e serão relatados a seguir.
CASUÍSTICA
Apresentamos dois casos atendidos no ambulatório da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marilia, cuja queixa principal era o comprometimento otológico, apresentando-se um deles com paralisia facial periférica.
FIGURA 1
FIGURA 2
FIGURA 3
CASO 1 - C.F., 02 anos, sexo feminino, branca.
Procurou o ambulatório de O.R.L. do Hospital das Clínicas de Marilia em abril de 1989, com queixa de otorréia purulenta e fétida em ouvido esquerdo há dois meses, associado a vários episódios febris de até 40 graus centígrados. Trinta dias após início dos sintomas, começou a apresentar concomitante, quadro de paralisia facial periférica esquerda. Procurou assistência médica, sendo tratada com vários antibióticos orais sem melhora. Há 2 dias, iniciou quadro de comprometimento do estado geral, quando procurou o Serviço. Ao exame O.R.L., paciente apresentava paralisia facial periférica esquerda, ouvido esquerdo com otorréia abundante, de coloração achocolatada e extremamente fétida. Paciente foi internada para investigação sendo solicitados exames laboratoriais, todos com resultado dentro da normalidade. O estudo radiológico do ouvido, mostrava lesão osteolítica em mastóide do tipo colesteatomatosa à esquerda.
Optamos por tratamento cirúrgico, sendo realizado mastoidectomia radical com plástica de conduto, em 04 de maio de 1989. Durante a cirurgia, notamos presença de processo infiltrativo com erosão óssea importante, inclusive com comprometimento da dura-máter e invasão do parênquima cerebral. Enviado o material para estudo anatomopatológico, cuja diagnóstico revelou tratar-se de Granulomatose de células de Langerhans (Histiocitose-X) (Figura 1 e 2).
Em maio de 1989 solicitamos estudo radiológico para avaliado da extensão da lesão. Após discussão do caso com a Disciplina de Onco-Hematologiae Pediatria, optamos por tratar o caso como Granuloma de Células de Lagerhans disseminado. O paciente foi encaminhado à quimioterapia ambulatorial, mantendo-se o acompanhamento semanal. Houve regressão total da otontia após a cirurgia, e a regressão da paralisia facial periférica após as primeiras seções de quimioterapia, mantendo-se a paciente bem até a presente data.
CASO 2 - J.M.N., 02 anos, sexo masculino.
Procurou o Serviço em 1989 com queixa de lesão gengival associado a febre. Após 3 meses do início desse quadro, começou a apresentar tumoração em região temporal esquerda, com dor local, otorréia achocolatada de odor fétido.
Desde o início do quadro o paciente apresentava hiporexia, quedado estado geral e emagrecimento. Como hipótese diagnóstico, pensamos inicialmente em otite média crônica. Solicitamos estudo radiológico, que mostrou apenas redução da aeração de mastoíde à esquerda, e lesões osteolíticas em crânio. Suspeitando-se de doença de Langerhans, foi realizado investigação radiológica mais abrangente, onde foram constatadas lesões osteolíticas semelhantes em terço distal do úmero e bacia óssea. (foto 3)
Diante de tal quadro foi solicitado planigrafia de mastóides, que mostrou lesão osteolítica ao nível de antro mastóideo e grande lesão osteolítica em região de ramo direito da mandíbula. O diagnóstico foi confirmado através de biópsia de mandíbula.
O paciente foi encaminhado para tratamento quimioterápico, evoluindo para a remissão total da otorréia, permanecendo assintomático até presente data.
DISCUSSÃO
O termo HISTIOCITOSE-X é muito discutido, sendo que, atualmente considera-se mais correta, a denominação Granuloma de Células de Langerhans e Síndromes relacionadas.
É uma doença caracterizada por infiltrado de eosinófilos e células de Langerhans. São moléstias não neoplásicas, de etiologia desconhecida. Não é moléstia familiar, porém já foram citados casos de grupos de irmãos acometidos (Leavell, Byrd, Stuart). São considerados a etiologia viral, porém nada foi comprovado. Evidências de disfunção metabólica é uma causa não bem explicada, assim como a hereditária.
Doença rara, sendo referidos um caso diagnosticado por ano, para cada 2 milhões de habitantes dos Estados Unidos. Há predomínio do sexo masculino, afetando principalmente crianças.
68% - são menores de 10 anos.
59% - são menores de 04 anos.
CLASSIFICAÇÃO
Apresentamos aqui, uma classificação simplificada da doença.
1. Granuloma Eosinofílico
QUADRO 1- Diagnóstico. Sinais e Sintomas.
1. Otorrinolaringológicos
- otorréia
- instumescimento em região temporal
- dor em região temporal
- vertigem
- hipoacusia
- paralisia facial periférica (rara)
2. Não otorrinolaringol6gicas
- gerais: febre, perda de peso
- ósseas: lesões osteolfticas (crânio, ossos chatos, ossos longos), dor óssea, fraturas patológicas
- oculares: exoftalmia-endócrino: Diabetes Insipidus
- pele: dermatite seborréica, granulomas de pele
- outros: anemia, eosinofilia, trombocitopenia, agranulomas pulmonares, linfoadenomegalia.
É uma doença em sua forma unifocal, benigna, e com bom prognóstico. A doença é caracterizada por lesão osteolítica única, que afeta principalmente ossos chatos.
A queixa principal é a de dor e sensibilidade na região do osso afetado. O diagnóstico definitivo é obtido através da biópsia. O estudo radiológico é útil para determinar a extensão da doença.
2. Doença de Hand-Schuller-Christian
É a doença em sua forma multifocal. Além da lesão óssea característica, podem estar comprometidas as partes moles, sendo freqüentes, associação com lesões dermatológicas inespecíficas, como a dermatite seborréia, adenopatia, lesões pulmonares. É citado na literatura, a tríade clássica da doença: Exoftalmia, Diabetes Insipidus e lesões ósseas, porém qualquer delas podem ocorrer isoladamente.
O diagnóstico é também confirmado pela biopsia. Outros exames úteis são: estudo radiológico, para localização e definição da extensão da lesão; o hemograma pode mostrar eosinofilia. Quando existir suspeita de Diabetes Insipidus, devemos solicitar pesquisa de densidade urinária.
3. Doença de Letterer-Siwe
Doença multissistêmica grave, afetando pele, fígado, baço, ossos, sistema linfo-hemato-poiético. de curso irreversível, exclusiva de crianças pequenas, início agudo.
Alguns autores consideram a doença de Letterer-Siwe como uma doença independente das duas anteriores, sendo inclusive classificados como doença neoplásica.
PATOLOGIA
A lesão típica da Histiocitose é a lesão óssea com agregado de eosinófilosmaduros e células de Lagerhans. Sua origem, provavelmente seja do Sistema Mononuclear Fagocitário.
CLÍNICA
Os sinais e sirvas da doença no presente trabalho, são divididos em gerais e otorrinolaringológicos, e estão relacionados no quadro 1. A manifestação clínica otorrinolaringológica mais freqüente, é sem dúvida, a otorréia. Cinquenta e nove por cento dos pacientes pesquisados por McCaffrey e cola. apresentavam otorréia indistinguível com otite média crônica simples.
Algumas doenças que fazem diagnóstico diferencial com a Histiocitose são citados no quadro 2.
QUADRO 2- Diagnóstico diferencial.
1. Anomalias congênitas: veia emissária gigante. Células aéreas do antro alargadas.
2. Alterações Iatrogênicas pós-operatórios.
3. Necrose pós radiação.
4. Infecções crônicas: osteomielite cística, tuberculose, sífilis.
5. Outros: colesteatorna, cisto ósseo solitário, plasmocitoma, mieloma múltiplo, meningeoma, linfoma, sarcoma, tumores metastáticos.
TRATAMENTO
O tratamento dependera muito da extensão da lesão. Se a lesão é óssea, e única, a primeira opção (e pelo tratamento cirúrgico, com ampla ressecção da lesão.
Outras opções são: Radioterapia em baixas doses, e a quimioterapia. Os quimioterápicos de escolha são o Metrotrexate é a Vimblastina.
Após escolha do tratamento adequado, devemos fazer o controle das infecções.
CONCLUSÃO
No presente trabalho constatamos que os casos encontrados na Faculdade de Medicina de Marília estão de acordo com as estatísticas citadas - 43% dos casos apresentam quadro de otorréia. Chamam a atenção para a nova nomenclatura proposta - a de se englobar todas as doenças da Síndrome como "Granuloma de células de Langerhans e síndromes relacionadas". Finalmente chamam atenção diante da raridade da doença, para o diagnóstico diferencial das otites de difícil tratamento. O diagnóstico precoce é de fundamental importância no tratamento e prognóstico, devendo sempre ser realizado o tratamento específico, complementando com quimioterapia sistêmica e/ou radioterapia, apresentando evolução satisfatória com regressão dos sinais e sintomas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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5. PIRES DE MELLO, L.R. e/ou, Histiocitose-X ou Idiopática. Revista Brasileira de O.R.L., 38: 1972.
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7. SANTOS, S.P. e mls.: Granuloma eosinófilo e Paralisia Facial Periférica. Anais do XX Congresso Bras. de O.R.L. Revista Brasileira de O.R.L, 37:1971.
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10. MACHAY, M.C.B. e/ou: Relato de um caso de Histiocitose internado no Serviço de doenças Infecciosas e Parasitárias. Pediatria Moderna, 23(5): 299-302, jun 1988.
* Assistente Responsável pelo Serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília, Pbs Graduando (Doutorado) em Otorrinolaringologia pela FMUSP.
** Assistente Licenciado da Disciplina de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília.
*** Assistente da Disciplina de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília.
**** Residente do Segundo ano do Serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília.
***** Residente do Primeiro ano do Serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marilia.
Faculdade de Medicina de Marília - Fundação Municipal de Ensino Superior de Marília. - Rua Ariz Atallah s/n - Marília - S.P.
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia como Tema Livre.