INTRODUÇÃOO objetivo deste trabalho é a apresentação de dois casos de Granulomatose de células de Langerhans, doença rara, presente em 1:2 milhões da população. A principal manifestação e causa da procura de Assistência Médica nesses dois casos foi um quadro de comprometimento otológico; otite média crônica unilateral, de difícil tratamento.
O granuloma de células de Lagerhans é uma doença Ganuomatosa rara, que afeta principalmente os ossos, inclusive podendo afetar o osso temporal. Essa moléstia pode apresentarem alguns casos, no início ou durante o curso da doença, sintomas otológicos, mais freqüentemente em crianças e adultos jovens. Essas lesões quase sempre se infectam secundariamente, sendo facilmente confundidos com otomastoídites crônicas.
Segundo levantamento feito por McCaffey e McDonald, na Clínica Mayo nos U.S.A., de 1926 a 1978, verificou-se que 22 pacientes com a doença apresentavam evidências de envolvimento do osso temporal ou ouvido durante o curso da doença. Esses pacientes representavam 15% de todos os pacientes com a doença diagnosticados neste período.
Os sintomas mais freqüentes, ainda segundo os mesmo autores eram:
SINTOMAS INICIAIS
45% - otorréia.
41% - intumescimento da região temporal.
DURANTE O CURSO DA DOENÇA
68% - otorréia.
50% - intumescimento da região temporal.
Geralmente a lesão era clinicamente indistinguível da otite média crônica supurativa.
45% apresentavam ainda, otite externa semelhante à bacteriana, e 23% apresentavam queixas de hipoacusia.
Na literatura nacional são relatados poucos casos, sendo há pelo menos quatro trabalhos publicados na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia: Santos, S.P. e cols. relatam um caso com paralisia facial (1970); Pires de Mello e cols., relatam três casos (1972); Rudolf Lang e cols., relatam um caso (1975) e Ivo Bussoloti Filho e cols., relatam dois casos da doença (1984).
Em nosso hospital, segundo o arquivo do Laboratório de Anatomia Patológica, no período de 1986 a 1990, foram diagnosticados sete casos da doença, sendo que destes, três apresentavam quadro otológico, representando cerca de 43% dos casos. Dois desses casos foram atendidos no ambulatório do Serviço de O.R.L. da Instituição, e serão relatados a seguir.
CASUÍSTICAApresentamos dois casos atendidos no ambulatório da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marilia, cuja queixa principal era o comprometimento otológico, apresentando-se um deles com paralisia facial periférica.
CASO 1 - C.F., 02 anos, sexo feminino, branca.
Procurou o ambulatório de O.R.L. do Hospital das Clínicas de Marilia em abril de 1989, com queixa de otorréia purulenta e fétida em ouvido esquerdo há dois meses, associado a vários episódios febris de até 40 graus centígrados. Trinta dias após início dos sintomas, começou a apresentar concomitante, quadro de paralisia facial periférica esquerda. Procurou assistência médica, sendo tratada com vários antibióticos orais sem melhora. Há 2 dias, iniciou quadro de comprometimento do estado geral, quando procurou o Serviço. Ao exame O.R.L., paciente apresentava paralisia facial periférica esquerda, ouvido esquerdo com otorréia abundante, de coloração achocolatada e extremamente fétida. Paciente foi internada para investigação sendo solicitados exames laboratoriais, todos com resultado dentro da normalidade. O estudo radiológico do ouvido, mostrava lesão osteolítica em mastóide do tipo colesteatomatosa à esquerda.
Optamos por tratamento cirúrgico, sendo realizado mastoidectomia radical com plástica de conduto, em 04 de maio de 1989. Durante a cirurgia, notamos presença de processo infiltrativo com erosão óssea importante, inclusive com comprometimento da dura-máter e invasão do parênquima cerebral. Enviado o material para estudo anatomopatológico, cuja diagnóstico revelou tratar-se de Granulomatose de células de Langerhans (Histiocitose-X) (Figura 1 e 2).
Em maio de 1989 solicitamos estudo radiológico para avaliado da extensão da lesão. Após discussão do caso com a Disciplina de Onco-Hematologiae Pediatria, optamos por tratar o caso como Granuloma de Células de Lagerhans disseminado. O paciente foi encaminhado à quimioterapia ambulatorial, mantendo-se o acompanhamento semanal. Houve regressão total da otontia após a cirurgia, e a regressão da paralisia facial periférica após as primeiras seções de quimioterapia, mantendo-se a paciente bem até a presente data.
CASO 2 - J.M.N., 02 anos, sexo masculino.
Procurou o Serviço em 1989 com queixa de lesão gengival associado a febre. Após 3 meses do início desse quadro, começou a apresentar tumoração em região temporal esquerda, com dor local, otorréia achocolatada de odor fétido.
Desde o início do quadro o paciente apresentava hiporexia, quedado estado geral e emagrecimento. Como hipótese diagnóstico, pensamos inicialmente em otite média crônica. Solicitamos estudo radiológico, que mostrou apenas redução da aeração de mastoíde à esquerda, e lesões osteolíticas em crânio. Suspeitando-se de doença de Langerhans, foi realizado investigação radiológica mais abrangente, onde foram constatadas lesões osteolíticas semelhantes em terço distal do úmero e bacia óssea. (foto 3)
Diante de tal quadro foi solicitado planigrafia de mastóides, que mostrou lesão osteolítica ao nível de antro mastóideo e grande lesão osteolítica em região de ramo direito da mandíbula. O diagnóstico foi confirmado através de biópsia de mandíbula.
O paciente foi encaminhado para tratamento quimioterápico, evoluindo para a remissão total da otorréia, permanecendo assintomático até presente data.
DISCUSSÃOO termo HISTIOCITOSE-X é muito discutido, sendo que, atualmente considera-se mais correta, a denominação Granuloma de Células de Langerhans e Síndromes relacionadas.
É uma doença caracterizada por infiltrado de eosinófilos e células de Langerhans. São moléstias não neoplásicas, de etiologia desconhecida. Não é moléstia familiar, porém já foram citados casos de grupos de irmãos acometidos (Leavell, Byrd, Stuart). São considerados a etiologia viral, porém nada foi comprovado. Evidências de disfunção metabólica é uma causa não bem explicada, assim como a hereditária.
Doença rara, sendo referidos um caso diagnosticado por ano, para cada 2 milhões de habitantes dos Estados Unidos. Há predomínio do sexo masculino, afetando principalmente crianças.
68% - são menores de 10 anos.
59% - são menores de 04 anos.
CLASSIFICAÇÃOApresentamos aqui, uma classificação simplificada da doença.
1. Granuloma Eosinofílico
QUADRO 1- Diagnóstico. Sinais e Sintomas.
1. Otorrinolaringológicos - otorréia - instumescimento em região temporal - dor em região temporal - vertigem - hipoacusia - paralisia facial periférica (rara)
2. Não otorrinolaringol6gicas - gerais: febre, perda de peso - ósseas: lesões osteolfticas (crânio, ossos chatos, ossos longos), dor óssea, fraturas patológicas - oculares: exoftalmia-endócrino: Diabetes Insipidus - pele: dermatite seborréica, granulomas de pele - outros: anemia, eosinofilia, trombocitopenia, agranulomas pulmonares, linfoadenomegalia. |
É uma doença em sua forma unifocal, benigna, e com bom prognóstico. A doença é caracterizada por lesão osteolítica única, que afeta principalmente ossos chatos.
A queixa principal é a de dor e sensibilidade na região do osso afetado. O diagnóstico definitivo é obtido através da biópsia. O estudo radiológico é útil para determinar a extensão da doença.
2. Doença de Hand-Schuller-Christian
É a doença em sua forma multifocal. Além da lesão óssea característica, podem estar comprometidas as partes moles, sendo freqüentes, associação com lesões dermatológicas inespecíficas, como a dermatite seborréia, adenopatia, lesões pulmonares. É citado na literatura, a tríade clássica da doença: Exoftalmia, Diabetes Insipidus e lesões ósseas, porém qualquer delas podem ocorrer isoladamente.
O diagnóstico é também confirmado pela biopsia. Outros exames úteis são: estudo radiológico, para localização e definição da extensão da lesão; o hemograma pode mostrar eosinofilia. Quando existir suspeita de Diabetes Insipidus, devemos solicitar pesquisa de densidade urinária.
3. Doença de Letterer-Siwe
Doença multissistêmica grave, afetando pele, fígado, baço, ossos, sistema linfo-hemato-poiético. de curso irreversível, exclusiva de crianças pequenas, início agudo.
Alguns autores consideram a doença de Letterer-Siwe como uma doença independente das duas anteriores, sendo inclusive classificados como doença neoplásica.
PATOLOGIAA lesão típica da Histiocitose é a lesão óssea com agregado de eosinófilosmaduros e células de Lagerhans. Sua origem, provavelmente seja do Sistema Mononuclear Fagocitário.
CLÍNICA
Os sinais e sirvas da doença no presente trabalho, são divididos em gerais e otorrinolaringológicos, e estão relacionados no quadro 1. A manifestação clínica otorrinolaringológica mais freqüente, é sem dúvida, a otorréia. Cinquenta e nove por cento dos pacientes pesquisados por McCaffrey e cola. apresentavam otorréia indistinguível com otite média crônica simples.
Algumas doenças que fazem diagnóstico diferencial com a Histiocitose são citados no quadro 2.
QUADRO 2- Diagnóstico diferencial.
1. Anomalias congênitas: veia emissária gigante. Células aéreas do antro alargadas. 2. Alterações Iatrogênicas pós-operatórios. 3. Necrose pós radiação. 4. Infecções crônicas: osteomielite cística, tuberculose, sífilis. 5. Outros: colesteatorna, cisto ósseo solitário, plasmocitoma, mieloma múltiplo, meningeoma, linfoma, sarcoma, tumores metastáticos. |
TRATAMENTOO tratamento dependera muito da extensão da lesão. Se a lesão é óssea, e única, a primeira opção (e pelo tratamento cirúrgico, com ampla ressecção da lesão.
Outras opções são: Radioterapia em baixas doses, e a quimioterapia. Os quimioterápicos de escolha são o Metrotrexate é a Vimblastina.
Após escolha do tratamento adequado, devemos fazer o controle das infecções.
CONCLUSÃONo presente trabalho constatamos que os casos encontrados na Faculdade de Medicina de Marília estão de acordo com as estatísticas citadas - 43% dos casos apresentam quadro de otorréia. Chamam a atenção para a nova nomenclatura proposta - a de se englobar todas as doenças da Síndrome como "Granuloma de células de Langerhans e síndromes relacionadas". Finalmente chamam atenção diante da raridade da doença, para o diagnóstico diferencial das otites de difícil tratamento. O diagnóstico precoce é de fundamental importância no tratamento e prognóstico, devendo sempre ser realizado o tratamento específico, complementando com quimioterapia sistêmica e/ou radioterapia, apresentando evolução satisfatória com regressão dos sinais e sintomas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. SWEET, R.M. et al.: Eosinophilic granuloma in the temporal bone. Laryngoscope, 89: 1545-52, 1979.
2. McCAFFREY, T.V. & McDONALD, T.J.: Histiocytoses-X of the ear and temporal bone: Review of 22 cases. Laryngoscope, 89: 1735-42, 1979.
3. ARMOSY, C.S.; MOLOY, P.J.: Letterer-Siwe disease: presentation as an othologicproblem. Laryngoscope, 88:1343-7,1978.
4. LANG, R. e/ou: Granuloma eosinofllico isolado do osso temporal. Revista Brasileira de O.R.L 41: 1975.
5. PIRES DE MELLO, L.R. e/ou, Histiocitose-X ou Idiopática. Revista Brasileira de O.R.L., 38: 1972.
6. BUSSOLOTI FILHO, I. e cola.: Granuloma eosinófilo de osso temporal. Revista Brasileira de O.R.L, 50: 1984.
7. SANTOS, S.P. e mls.: Granuloma eosinófilo e Paralisia Facial Periférica. Anais do XX Congresso Bras. de O.R.L. Revista Brasileira de O.R.L, 37:1971.
8. RAPPAPORT, A. dou: Granuloma eosinófilo de mandíbula - relato de 2 casos. Rev. do Colégio Bras. Cirurgiões, 14 (5/6): 184-8, set/dez. 1987.
9. RAMALHO, A.C.F. e/ou: Histiocitose sinusal com linfadenopatia maciça (revisão e apresentação de um caso). C.C.S., 9(3): 37-41 - jul/set 1987.
10. MACHAY, M.C.B. e/ou: Relato de um caso de Histiocitose internado no Serviço de doenças Infecciosas e Parasitárias. Pediatria Moderna, 23(5): 299-302, jun 1988.
* Assistente Responsável pelo Serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília, Pbs Graduando (Doutorado) em Otorrinolaringologia pela FMUSP.
** Assistente Licenciado da Disciplina de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília.
*** Assistente da Disciplina de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília.
**** Residente do Segundo ano do Serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marília.
***** Residente do Primeiro ano do Serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Marilia.
Faculdade de Medicina de Marília - Fundação Municipal de Ensino Superior de Marília. - Rua Ariz Atallah s/n - Marília - S.P.
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia como Tema Livre.