Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 65 a 71

 

Reoperação da Estapedectomia: A Propósito de 63 Casos.

Revision Stapedectomy: A Review of 63 Cases.

Autor(es): Noisio Guilherme Moraes Ferreira *
Michel Portmann **
Didier Portmann ***
Guy Lacher ***

Palavras-chave: Estapedotomia, Estapedectomia, Otosclerose

Keywords: Stapedotomy, Stapedectomy, Otosclerosis

Resumo:
Os autores apresentam experiência pessoal sobre a reoperação da estapedectomia, abordando os seguintes aspectos : os motivos da reoperação, intervalo de tempo entre a primeira cirurgia e a reoperação, o diagnóstico per-operatório, a cirurgia realizada na reoperação e os resultados obtidos com a reoperação sobre os sintomas (hipoacusia, acúfenos e vertigens). A seguir, fazem revisão da literatura sobre o assunto.

Abstract:
The authors present their experiences with revision Stapedectomy procedures focusing the following aspects: the purpose of second surgery; the interval between the first and second surgery; the diagnostic consideration, the type of the second-surgery and the results about the symtoms (hearing loss, dizzines or vertigo). They also make a wide bibliografica review about the second-surgery of stapes otosclerosis.

INTRODUÇÃO

Em todos os centros de otologia do mundo, o tratamento cirúrgico da otosclerose,a estapedectomia,apresenta taxas de 85-95% de bons resultados auditivos funcionais, 1% de piora da audição e 2-5% de complicações cócleo-vestibulares. Por outro lado, o sucesso da reoperação da estapedectomia é muito variável segundo os autores consultados. Todos estão de acordo que os benefícios funcionais da reoperação são muito inferiores aos da cirurgia inicial.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Nós observamos 51 pacientes que foram submetidos reoperação de estapedectomia no serviço de O.R.L. do Prol Michel Portmann em Bordeaux-França, no período, compreendido entre 1982-1993. Seis enfermos foram submetidos a 2 reoperações e 3 outros foram reoperados pc 3 vezes. Desta forma, nós analisamos 63 casos de reoperação de estapedectomia, 38 do sexo feminino (60,3%) e 25 do sexo masculino (39,7%), com idade variando de 23 a 71 anos (idade média de 45 anos).

Neste estudo retrospectivo, nós avaliamos os seguintes fatores:

1- os motivos da reoperação da estapedectomia
2- o intervalo de tempo entre a estapedectomia inicial e a reoperação
3- os diagnósticos per-operatório (causas do insucesso da estapedectomia inicial)
4- o tipo de intervenção realizada na reoperação
5- os resultados da reoperação em relação à audição, os acúfenos e as vertigens

RESULTADOS

Os resultados obtidos são resumidos nas tabelas abaixo:

I- MOTIVO DA REOPERAÇÃO

I.A. Motivo Principal

Motivos / Número de casos

1 - Hipoacusia 56 (88,9%)

Tipo 1* 14 (22,2%)
Tipo 2 ** 42 (66,7%)
Mista 23 (36,5%)
Transmissão 33 (52,4%)

* Hipoacusia tipo1: persistência ou agravamento da hípoacusia pré-operatória logo após a estapedectomia inicial.
**Hipoacusia tipo 2: após período de melhora da audição no pós-operatório da estapedectomia inicial, reaparecimento de hipoacusia.

2 - Vertigens 5 ( 7,9%)
3 - Acúfenos 2 (3,2%)

I.B. Motivo Secundário

Motivos / Número de casos / %
Hipoacusia 6 9,5
Vertigens 5 7,9
Acúfenos 29 46

II- INTERVALO ENTRE A ESTAPEDECTOMIA INICIAL E A REOPERAÇÃO

Intervalo (anos) / Número de casos / %
< 1 ano 13 20,6
> 1 a < 10 35 55,6
> 10 15 23,9

III- DIAGNÓSTICOS (PER-OPERATÓRIO) DA REOPERAÇÃO
( *Em alguns casos, observa-se mais de uma causa )

Diagnóstico / Número de casos / %

Prótese não-funcional 29 46
*deslocada 20 31,7
*curta 8 12,7
*longa 1 1,6

Problemas com a bigorna 21 33,31
*necrosada 12 19,0
*fixada 6 9,5
*luxada 3 4,8

Sinéquias 13 20,6
Anquilose martelo 7 11,1
Recrudescimento do foco 5 7,9
otosclerótico
Fístula perilinfática 4 6,3
Perfuração timpânica 2 3,2
Timpanosclerose 1 1,6
Indeterminado 1 1,6


IV- INTERVENÇÃO REALIZADA NA REOPERAÇÃO

Intervenção Realizada Número de casos %

Recolocação de nova prótese(piston) 44 69,8
*tipo Portrnann(clip-teflon) 22 34,9
*teflon 20 31,7
*fio de aço 2 3,2

Reabertura da platina 22 34,9

Cobertura da janela oval 14 22,2
*com veia 13 20,6
*com gordura 1 1,6

Interposição tipo III (martelo-platina) 14 22,2
*com piston de martelo 4 6,3
*com ossículo 10 15,9
*homólogo 7 11,1
*de banco 3 4,8

Secção das sinéquias 13 20,6
Fechamento de fístula perilinfática 4 6,3
Miringoplastia 2 3,2
Ressecção da cabeça do martelo 1 1,6
Nenhuma 1 1,6

V- RESULTADOS DA REOPERAÇÃO

V.I. Em Relação à Audição
A- Da primeira reoperação:
Resultados na audição Número de casos(63) %

Sucesso (Rinne < 10dB) 29 46,0
Ganho Parcial (Rinne > 10dB) 22 34,9
Nulo 4 6,4
Agravação 8 12,7
*sem labirintização 6 9,5
*com labirintização 1 1,6
(piora da via óssea > 10dB)
*cofose 1 1,6

B - De reoperações múltiplas:

Resultado Número de casos %
Sucesso 2 22,2
Ganho Parcial 4 44,4
Nulo 2 22,2
Labirintização 1 11,2
Cofose - -
TOTAL 9 100

C- Relacionado ao diagnóstico principal: - PAG. 70


V.II.- Em relação à vertigens (10 casos)

Resultado Número de casos %
Bom 6 60
Nulo 4 40
Agravação 0 0

VIII- Em relação aos acúfeos (31 casos)

Resultado Número de casos %
Bom 9 29
Nulo 21 67,8
Agravação 1 3,2

DISCUSSÃO

Em nossa casuística, o motivo principal da reoperação da estapedectomia foi a hipoacusia (88%), principalmente a condutiva (52%) e do tipo 2 (66%), isto é, aquela em que após período de melhora da audição no pós-operatório da estapedectomia inicial reaparece a hipoacusia. Na bibliografia consultada, a hipoacusia como causa principal da reoperação variou de 60% à 100% (1-12). Raramente, as vertigens ou os acúfenos são as causas determinantes da reoperação, embora frequentemente sejam sintomas secundários à hipoacusia.

Na análise do intervalo de tempo entre a estapedectomia inicial e a reoperação, encontramos predominância de casos (55%) no período entre 1 à 10 anos, resultados consoantes com os de SHAH (95%) (13), mas discordantes com Sheehy (11), que realizou a maioria das reoperações (36%) após 10 anos, e também diferentes de Glasscosk 3, que reoperou a maior parte de seus pacientes antes de 1 ano.

As causas mais frequentes do insucesso da estapedectomia inicial foram prótese não-funcional (sobretudo prótese deslocada da microfenestra da janela oval) e problemas com a bigorna (sobretudo lise do ramo longo). Encontramos, também, com alta freqüência, sinéquias na caixa timpânica e anquilose do martelo. Há consenso na literatura mundial sobre a principal causa de reoperação da estapedectomia estar relacionada à prótese não-funcional e, em segundo plano, a problemas com a bigorna (1-7, 9-15). Entretanto, com exceção de Bardwaj (1) e Mawson (7), a sinéquia não foi considerada causa frequente, como na nossa casuística. Para Sheehy (11) e Smyth (12) , achado de fístula perilinfática é frequente ( 15%). Pere (10) e Bardwaj (1) encontraram elevada incidência de reproliferação da otosclerose ( 14% dos casos). Derlacky (14) e Feldman (15) descobriram altos índices de platina residual. Lippy (5), Dawes (2) e Hawson (7), em mais de 15% dos casos, não identificaram causa específica para o insucesso da estapedectomia inicial.

Quanto à intervenção na reoperação, nossa conduta está de acordo com os autores consultados: diante de prótese não-funcional ou de problema com os ossículos (lise, luxação, fratura, sinéquia), está indicada a reparação desses problemas com a recolação de prótese-piston na fenestra da janela oval, para recuperação do efeito columelar. Diante de suspeita de fístula perilinfática, seguindo a tendência mundial, o Serviço de Bordeaux preconiza timpanotomia exploradora imediata para colocação sobre a janela oval de enxerto de veia sobre o qual coloca o piston.

Os nossos resultados da primeira reoperação em relação a audição foram bons em 81% dos casos, nulos em 6% e ruins em 13%. Apresentamos 2 casos de labirintização, sendo que em um deles houve cofose (1,6%). Nossos resultados são semelhantes a maioria dos diversos centros de otologia mundiais (1-5, 8-11, 14-18). Apenas Birt (19) e Crabte (20) apresentam índices elevadíssimos de cofose, respectivamente 26% e 14%.

Já nas reoperações múltiplas, obtivemos índices superiores aos de outros centros (1, 2, 9, 11), da ordem de 67% de resultados bons, nulo em 22% e ruins em 11% dos casos. Entretanto, estamos de acordo em que os resultados da primeira reoperação são superiores aos das reoperações seguintes.

Não encontramos diferenças significativas nos resultados da reoperação em relação à causa principal, embora nossos índices de insucesso tenham sido mais elevados nos casos de fistula perilinfática , reproliferação da otosclerose e quando as causas não foram determinadas.

Os resultados nas fístulas perinlinfáticas são divergentes: Líppy (6), Sheehy (1) e Smyth (12) apresentam elevados índices de bons resultados, ao contrário de Derlacks (14), Glasscock (3) e Lesinsky (4).

Na reproliferação da otosclerose, Pearman (9) apresenta apenas 25% de sucesso cirúrgico, muito distante dos 67% de Glasscock (3).

Os altos índices de sucesso cirúrgico nos casos de prótese ou bigorna não-funcional são praticamente unaminidade.

Nos casos de causa não-identificável Pearmann (9) tem 50% de sucesso.

Os nossos resultados, em relação à vertigem, foram bons em 60% e indiferentes em 40%, mas não tivemos nenhum caso de piora do quadro. Lippy (6) publicou que as vertigens ocorrem sobretudo quando a cirurgia inicial utiliza prótese de fio metálico.

Quanto aos acúfenos, obtivemos bons resultados em apenas 29% dos casos, e agravação do sintoma em 3% dos pacientes. A literatura é pobre nesta questão.

CONCLUSÃO

O motivo principal da reoperação de estapedectomia é a hipoacusia.

As causas mais comuns de insucesso da estapedectomia inicial são as próteses não-funcionais (curtas, longas, deslocadas) ou problemas com a bigorna (líse, sinéquias). Outras causas não raras são a reproliferação da otosclerose e as fístulas perilinfáticas. Algumas vezes, não se identifica a causa.

A conduta cirúrgica diante de prótese ou bigorna não funcional deve ser a reparação destes problemas com a recolocação de nova prótese na fenestra da janela oval para recuperação do efeito columelar.

Na suspeita do diagnóstico de fístula perilinfática, a maioria dos estudiosos preconizam a exploração cirúrgica imediata do ouvido médio, argumentando que estariam diminuindo os riscos de degradação irreverssível da audição, de vertigens e de meningites, e alegando ainda que os riscos de timpanotomia exploradora são desprezíveis em mãos experientes. A minoria dos otorrinos assume atitude expectante ( tratamento clínico) até que o diagnóstico de fístula perilinfática seja confirmado.

O sucesso sobre a audição ( definido como Rinne < 10dB) das reoperações de estapedectomia são da ordem de 50% e, portanto, muito inferiores aqueles obtidos na estapedectomia inicial, que são de aproximadamente 90%. Já está bem definido que, quanto maior o número de reoperações, piores os resultados funcionais. Os índices de sucesso variam de acordo com o tipo de surdez pré-operatória: são mais elevados na hipoacusia de transmissão e praticamente nulo nas orelhas com labirintização prévia, avendo, nestes últimos, risco de agravar a labirintização em 25% dos casos.

De acordo com o diagnóstico trans-operatório, o cirurgião otológico pode prever o índice de sucesso auditivo da eoperação: índices elevados nos casos de prótese não-funcional ou nos problemas funcionais dos ossículos; índices razoáveis nos casos de fístulas perilinfáticas e índices baixos quando a causa não é identificada.

Os resultados satisfatórios da reoperação sobre as vertigens são razoáveis (60%), porém o mesmo não se pode afirmar sobre o tinitus (30%).


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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* Doutorando da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Professor Assistente de ORL da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ex-bolsista (92-93) do Institut Georges Portmann (Bordeaux-França) Otorrinolaringologista do Hospital São Vicente de Paulo - RJ
** Professor Emérito da Universidade de Bordeaux II (Bordeaux - França)
*** Professor da Escola de Ensino Pós-Universitário do Institut Georges Portmann (Bordeaux - França)

Trabalho realizado no Serviço de ORL do Institut Georges Portman (Bordeaux-França) e concluído no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Endereço para correspondência: Noisio Guilherme Moraes Ferreira. Rua Domingos Ferreira 15/1202 - Copacabana - RJ - CEP: 22050-010

Artigo recebido em 20 de maio de 1995.
Artigo aceito em 27 de julho de 1995.

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