INTRODUÇÃO
Em todos os centros de otologia do mundo, o tratamento cirúrgico da otosclerose,a estapedectomia,apresenta taxas de 85-95% de bons resultados auditivos funcionais, 1% de piora da audição e 2-5% de complicações cócleo-vestibulares. Por outro lado, o sucesso da reoperação da estapedectomia é muito variável segundo os autores consultados. Todos estão de acordo que os benefícios funcionais da reoperação são muito inferiores aos da cirurgia inicial.
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
Nós observamos 51 pacientes que foram submetidos reoperação de estapedectomia no serviço de O.R.L. do Prol Michel Portmann em Bordeaux-França, no período, compreendido entre 1982-1993. Seis enfermos foram submetidos a 2 reoperações e 3 outros foram reoperados pc 3 vezes. Desta forma, nós analisamos 63 casos de reoperação de estapedectomia, 38 do sexo feminino (60,3%) e 25 do sexo masculino (39,7%), com idade variando de 23 a 71 anos (idade média de 45 anos).
Neste estudo retrospectivo, nós avaliamos os seguintes fatores:
1- os motivos da reoperação da estapedectomia 2- o intervalo de tempo entre a estapedectomia inicial e a reoperação 3- os diagnósticos per-operatório (causas do insucesso da estapedectomia inicial) 4- o tipo de intervenção realizada na reoperação 5- os resultados da reoperação em relação à audição, os acúfenos e as vertigens
RESULTADOS
Os resultados obtidos são resumidos nas tabelas abaixo:
I- MOTIVO DA REOPERAÇÃO
I.A. Motivo Principal
Motivos / Número de casos
1 - Hipoacusia 56 (88,9%)
Tipo 1* 14 (22,2%) Tipo 2 ** 42 (66,7%) Mista 23 (36,5%) Transmissão 33 (52,4%)
* Hipoacusia tipo1: persistência ou agravamento da hípoacusia pré-operatória logo após a estapedectomia inicial. **Hipoacusia tipo 2: após período de melhora da audição no pós-operatório da estapedectomia inicial, reaparecimento de hipoacusia.
2 - Vertigens 5 ( 7,9%) 3 - Acúfenos 2 (3,2%)
I.B. Motivo Secundário
Motivos / Número de casos / % Hipoacusia 6 9,5 Vertigens 5 7,9 Acúfenos 29 46
II- INTERVALO ENTRE A ESTAPEDECTOMIA INICIAL E A REOPERAÇÃO
Intervalo (anos) / Número de casos / % < 1 ano 13 20,6 > 1 a < 10 35 55,6 > 10 15 23,9
III- DIAGNÓSTICOS (PER-OPERATÓRIO) DA REOPERAÇÃO ( *Em alguns casos, observa-se mais de uma causa )
Diagnóstico / Número de casos / %
Prótese não-funcional 29 46 *deslocada 20 31,7 *curta 8 12,7 *longa 1 1,6 Problemas com a bigorna 21 33,31 *necrosada 12 19,0 *fixada 6 9,5 *luxada 3 4,8
Sinéquias 13 20,6 Anquilose martelo 7 11,1 Recrudescimento do foco 5 7,9 otosclerótico Fístula perilinfática 4 6,3 Perfuração timpânica 2 3,2 Timpanosclerose 1 1,6 Indeterminado 1 1,6
IV- INTERVENÇÃO REALIZADA NA REOPERAÇÃO
Intervenção Realizada Número de casos %
Recolocação de nova prótese(piston) 44 69,8 *tipo Portrnann(clip-teflon) 22 34,9 *teflon 20 31,7 *fio de aço 2 3,2
Reabertura da platina 22 34,9
Cobertura da janela oval 14 22,2 *com veia 13 20,6 *com gordura 1 1,6
Interposição tipo III (martelo-platina) 14 22,2 *com piston de martelo 4 6,3 *com ossículo 10 15,9 *homólogo 7 11,1 *de banco 3 4,8
Secção das sinéquias 13 20,6 Fechamento de fístula perilinfática 4 6,3 Miringoplastia 2 3,2 Ressecção da cabeça do martelo 1 1,6 Nenhuma 1 1,6
V- RESULTADOS DA REOPERAÇÃO
V.I. Em Relação à Audição A- Da primeira reoperação: Resultados na audição Número de casos(63) %
Sucesso (Rinne < 10dB) 29 46,0 Ganho Parcial (Rinne > 10dB) 22 34,9 Nulo 4 6,4 Agravação 8 12,7 *sem labirintização 6 9,5 *com labirintização 1 1,6 (piora da via óssea > 10dB) *cofose 1 1,6
B - De reoperações múltiplas:
Resultado Número de casos % Sucesso 2 22,2 Ganho Parcial 4 44,4 Nulo 2 22,2 Labirintização 1 11,2 Cofose - - TOTAL 9 100
C- Relacionado ao diagnóstico principal: - PAG. 70
V.II.- Em relação à vertigens (10 casos)
Resultado Número de casos % Bom 6 60 Nulo 4 40 Agravação 0 0
VIII- Em relação aos acúfeos (31 casos)
Resultado Número de casos % Bom 9 29 Nulo 21 67,8 Agravação 1 3,2
DISCUSSÃO
Em nossa casuística, o motivo principal da reoperação da estapedectomia foi a hipoacusia (88%), principalmente a condutiva (52%) e do tipo 2 (66%), isto é, aquela em que após período de melhora da audição no pós-operatório da estapedectomia inicial reaparece a hipoacusia. Na bibliografia consultada, a hipoacusia como causa principal da reoperação variou de 60% à 100% (1-12). Raramente, as vertigens ou os acúfenos são as causas determinantes da reoperação, embora frequentemente sejam sintomas secundários à hipoacusia.
Na análise do intervalo de tempo entre a estapedectomia inicial e a reoperação, encontramos predominância de casos (55%) no período entre 1 à 10 anos, resultados consoantes com os de SHAH (95%) (13), mas discordantes com Sheehy (11), que realizou a maioria das reoperações (36%) após 10 anos, e também diferentes de Glasscosk 3, que reoperou a maior parte de seus pacientes antes de 1 ano.
As causas mais frequentes do insucesso da estapedectomia inicial foram prótese não-funcional (sobretudo prótese deslocada da microfenestra da janela oval) e problemas com a bigorna (sobretudo lise do ramo longo). Encontramos, também, com alta freqüência, sinéquias na caixa timpânica e anquilose do martelo. Há consenso na literatura mundial sobre a principal causa de reoperação da estapedectomia estar relacionada à prótese não-funcional e, em segundo plano, a problemas com a bigorna (1-7, 9-15). Entretanto, com exceção de Bardwaj (1) e Mawson (7), a sinéquia não foi considerada causa frequente, como na nossa casuística. Para Sheehy (11) e Smyth (12) , achado de fístula perilinfática é frequente ( 15%). Pere (10) e Bardwaj (1) encontraram elevada incidência de reproliferação da otosclerose ( 14% dos casos). Derlacky (14) e Feldman (15) descobriram altos índices de platina residual. Lippy (5), Dawes (2) e Hawson (7), em mais de 15% dos casos, não identificaram causa específica para o insucesso da estapedectomia inicial.
Quanto à intervenção na reoperação, nossa conduta está de acordo com os autores consultados: diante de prótese não-funcional ou de problema com os ossículos (lise, luxação, fratura, sinéquia), está indicada a reparação desses problemas com a recolação de prótese-piston na fenestra da janela oval, para recuperação do efeito columelar. Diante de suspeita de fístula perilinfática, seguindo a tendência mundial, o Serviço de Bordeaux preconiza timpanotomia exploradora imediata para colocação sobre a janela oval de enxerto de veia sobre o qual coloca o piston.
Os nossos resultados da primeira reoperação em relação a audição foram bons em 81% dos casos, nulos em 6% e ruins em 13%. Apresentamos 2 casos de labirintização, sendo que em um deles houve cofose (1,6%). Nossos resultados são semelhantes a maioria dos diversos centros de otologia mundiais (1-5, 8-11, 14-18). Apenas Birt (19) e Crabte (20) apresentam índices elevadíssimos de cofose, respectivamente 26% e 14%.
Já nas reoperações múltiplas, obtivemos índices superiores aos de outros centros (1, 2, 9, 11), da ordem de 67% de resultados bons, nulo em 22% e ruins em 11% dos casos. Entretanto, estamos de acordo em que os resultados da primeira reoperação são superiores aos das reoperações seguintes.
Não encontramos diferenças significativas nos resultados da reoperação em relação à causa principal, embora nossos índices de insucesso tenham sido mais elevados nos casos de fistula perilinfática , reproliferação da otosclerose e quando as causas não foram determinadas.
Os resultados nas fístulas perinlinfáticas são divergentes: Líppy (6), Sheehy (1) e Smyth (12) apresentam elevados índices de bons resultados, ao contrário de Derlacks (14), Glasscock (3) e Lesinsky (4).
Na reproliferação da otosclerose, Pearman (9) apresenta apenas 25% de sucesso cirúrgico, muito distante dos 67% de Glasscock (3).
Os altos índices de sucesso cirúrgico nos casos de prótese ou bigorna não-funcional são praticamente unaminidade.
Nos casos de causa não-identificável Pearmann (9) tem 50% de sucesso.
Os nossos resultados, em relação à vertigem, foram bons em 60% e indiferentes em 40%, mas não tivemos nenhum caso de piora do quadro. Lippy (6) publicou que as vertigens ocorrem sobretudo quando a cirurgia inicial utiliza prótese de fio metálico.
Quanto aos acúfenos, obtivemos bons resultados em apenas 29% dos casos, e agravação do sintoma em 3% dos pacientes. A literatura é pobre nesta questão.
CONCLUSÃO
O motivo principal da reoperação de estapedectomia é a hipoacusia.
As causas mais comuns de insucesso da estapedectomia inicial são as próteses não-funcionais (curtas, longas, deslocadas) ou problemas com a bigorna (líse, sinéquias). Outras causas não raras são a reproliferação da otosclerose e as fístulas perilinfáticas. Algumas vezes, não se identifica a causa.
A conduta cirúrgica diante de prótese ou bigorna não funcional deve ser a reparação destes problemas com a recolocação de nova prótese na fenestra da janela oval para recuperação do efeito columelar.
Na suspeita do diagnóstico de fístula perilinfática, a maioria dos estudiosos preconizam a exploração cirúrgica imediata do ouvido médio, argumentando que estariam diminuindo os riscos de degradação irreverssível da audição, de vertigens e de meningites, e alegando ainda que os riscos de timpanotomia exploradora são desprezíveis em mãos experientes. A minoria dos otorrinos assume atitude expectante ( tratamento clínico) até que o diagnóstico de fístula perilinfática seja confirmado.
O sucesso sobre a audição ( definido como Rinne < 10dB) das reoperações de estapedectomia são da ordem de 50% e, portanto, muito inferiores aqueles obtidos na estapedectomia inicial, que são de aproximadamente 90%. Já está bem definido que, quanto maior o número de reoperações, piores os resultados funcionais. Os índices de sucesso variam de acordo com o tipo de surdez pré-operatória: são mais elevados na hipoacusia de transmissão e praticamente nulo nas orelhas com labirintização prévia, avendo, nestes últimos, risco de agravar a labirintização em 25% dos casos.
De acordo com o diagnóstico trans-operatório, o cirurgião otológico pode prever o índice de sucesso auditivo da eoperação: índices elevados nos casos de prótese não-funcional ou nos problemas funcionais dos ossículos; índices razoáveis nos casos de fístulas perilinfáticas e índices baixos quando a causa não é identificada.
Os resultados satisfatórios da reoperação sobre as vertigens são razoáveis (60%), porém o mesmo não se pode afirmar sobre o tinitus (30%).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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* Doutorando da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor Assistente de ORL da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ex-bolsista (92-93) do Institut Georges Portmann (Bordeaux-França) Otorrinolaringologista do Hospital São Vicente de Paulo - RJ ** Professor Emérito da Universidade de Bordeaux II (Bordeaux - França) *** Professor da Escola de Ensino Pós-Universitário do Institut Georges Portmann (Bordeaux - França)
Trabalho realizado no Serviço de ORL do Institut Georges Portman (Bordeaux-França) e concluído no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Noisio Guilherme Moraes Ferreira. Rua Domingos Ferreira 15/1202 - Copacabana - RJ - CEP: 22050-010
Artigo recebido em 20 de maio de 1995. Artigo aceito em 27 de julho de 1995.
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