Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 48 a 52

 

Coccidioidomycosis Laríngea: Relato de Caso.

Coccioidoide Immitis in the Larynx: Case Report.

Autor(es): Ivo Adolfo Kuhl *
Gabriel Kuhl **
Alberto Londero ***
Maria José Nogueira Diogenes ****
Maria Francisca Ferreira *****

Palavras-chave: Laringe, coccidioidomicose

Keywords: Larynx, coccidioidomycosis

Resumo:
É o primeiro caso de coccidioidomicose laríngea diagnosticada no sul do Brasil, em paciente procedente do interiordo Ceará. É um alerta para possíveis infestações no Brasil. É um caso raro de localização na laringe, e de tratamento difícil. Chama-se atenção para a importância desta patologia laríngea, afim de evitar erros nas indicações de cirurgia radical da laringe.

Abstract:
It is the first diagnosís of coccidioidomycosis of the larynx in South Brasil in a patient refered from North. It is an advise about the possibility to have disseminated cases of coccidioidomycosis in Brasil. The rare case of localization in the larynx with some difficulties in the treatment, call attention for the importante of the pathology to avoid mistakes in this indication of radical surgery of the larynx.

INTRODUÇÃO

A coccidioidomicose é comumente chamada febre do deserto ou febre do vale de São Joaquim pelos americanos do norte. É doença endêmica não só do sul da Califórnia, se estende pelas áreas áridas de Nevada, Arizona, Texas e Norte do México. Na América do Sul, a doença é encontrada na Venezuela, Colômbia, Bolívia e Norte da Argentina. Rara no Brasil, parece ser o primeiro caso de Cocciodioidomicose immitis na laringe.

A doença apresenta forma granulomatosa no aparelho respiratório e secundária disseminativa no organismo em geral. A localização primária na laringe é muito rara e facilmente confundida com o carcinoma laríngeo.

A descrição inicial da cocciodiomicose é creditada a um internista argentino: A. Posada em 1892. Só mais tarde, em 1896 é que Rixford e Yilchist classificam este fungo imperfeito como um hipomicete e agente etiológico responsável pela doença. Este organismo desenvolve-se em zonas áridas onde o verão é longo e quente, e o inverno curto, com limitado índice pluvial (Interior do Estado do Ceará, onde reside o paciente). A fase saprofítica ou vegetativa da vida do fungo é caracterizada pela formação de dois tipos especializados de micélios: o clamidosporo e o artrosporo, qualquer um destes tipos especializados são inalados, vão ao pulmão e transformam-se em esferas espongiais ou coccidiais. Muitos endosporos se desenvolvem, e as esférulas são capazes de produzir novas esférulas que constituem a fase saprofítica da doença. Endosporos e esférulas são encontrados no escarro do paciente com doença ativa pulmonar. Somente a forma saprofítica é que infecta o homem.

No Brasil, existem vários trabalhos de coccidioidomicoses de pulmão, entre eles: H. Viana, H. V. Passos e A. V. Santana, em 1979, apresentando os primeiros casos clínicos ocorridos em nativos do Brasil.

Otoni M. Gomes e colaboradores narraram o primeiro caso nacional de Coccidioidomicose pulmonar.

INCIDÊNCIA

Foram observadas coccidioímicoses em todas as idades, de 3 a 70 anos.



Figura 1.



Figura 2.



O sexo masculino é quatro vezes mais atingido pela forma disseminativa da lesão.

A raça branca é mais resistente; a raça morena é quatro vezes mais fácil; a raça negra é quatorze vezes e a raça amarela (filipinos), cento e setenta e cinco vezes mais fácil de desenvolver a disseminação.

O paciente que apresenta larga disseminação tem sua ocupação no campo, com hábitos de mascar fragmentos vegetais.

APRESENTAÇÃO DO CASO: MANIFESTAÇÃO LARINGOLÓGICA

O paciente: Z. S. L., com 74 anos, mulato, masculino, agricultor, casado e residente no interior do Estado do Ceará, zona árida.

Em ótimo estado geral e nutrido, apresentando boas condições psíquicas, procurou os nossos serviços no dia 24.01.89, com queixa de disfonia progressiva nos últimos seis meses. Não fuma, nunca foi alcoólatra e não apresenta na anamnesse familiar casos de tumores malignos. Radiografias de pulmão normal e exame histopatológico de tumor de prega vocal, com diagnóstico de carcinoma espinocelular ceratinizante.

É portador de gastrite e discreta hipertensão arterial. Com a indicação de cirurgia radical da laringe (laringectomia total), é solicitado nosso exame e a confirmação terapêutica.

O exame otorrinolaringológico mostrou, na laríngosopia indireta, uma formação polipóide no terço anterior da prega vocal E, móvel, com extensão até a comissura anterior.

A microscopia da laringe, sob anestesia geral, mostrou grande edema com formação polipóide na prega vocal E, próxima à comissura anterior. Ao toque com o aspirador, o edema não mostrava infiltração e, no momento em que a anestesia geral tornava-se superficial, as pregas vocais apresentavam a mesma motilidade. Na intenção de confirmar o diagnóstico e a indicação de laringectomia parcial, nova biópsia foi realizada. Chamou atenção de início, que o tumor edematoso e polipóide desprendia-se "in totum" numa única apreensão da pinça. Não era duro e nem mostrava infiltrações, comum nas biópsias de alguns tipos de sarcoma laríngeo. Foram retirados também alguns fragmentos da periferia do tumor para melhor apreciação de sua extensão (Fotos 1 e 2).

DIAGNÓSTICO HISTOPATOLÓGICO

Realizado exame histopatológico em 30/01/89 de prega vocal E.

EXAME MACROSCÓPICO: Fragmento laminar de tecido pardoclaro, de consistência firme e elástica, medindo 1,5x0,6x0,4 cm. Uma de suas extremidades exibia tecido de aspecto fungoso.

Acompanha cinco fragmentos irregulares e pardacentos, medindo entre 0,4 e 0,2 cm.

DESCRIÇÃO MICROSCÓPICA: Secções histológicas do espécime maior demonstram acentuada hiperplasia pseudo-epiteliomatosa, associada a processo inflamatório supurativo do estroma, ricamente histíocitário. Imersas, neste tecido, observam-se estruturas esféricas, com cápsula rígida (espoângios) vazias ou contendo inúmeros endosporos com multibrotamentos. Estas estruturas mostram-se fortemente positivas aos PAS e Grocott.

Dos espécimes menores, três mostram cpitélio sem alterações e em dois verifica-se hiperplasia epitelial com hiperceratose e focos de displasia leve.

DIAGNÓSTICO: Os aspectos histo patológicos são compatíveis com infecção por fungo Coccidioides immítís, entretanto é necessário exame de cultura para confirmação da espécie.

-Hiperplasia pseudo-epiteliomatosa com marcada hiperceratose e focos de displasia epitelial.
Novos fragmentos foram estudados, já que os esfregaços peosteriores para exame de cultura, não confirmavam a espécie. Novos cortes e colorações foram realizadas, as quais confirmaram o diagnóstico: Coctiodioides immitis (Foto 3).

A visão panorâmica da lesão apresenta ninhos de células epiteliais infiltrando a lâmina própria que pode ser considerada hiperplasia pseudo-carcinomatosa. Visão de PAS, (sacaride) ácido periódico de Schiff (Foto 4).

O aspecto histopatológico afirmava tratar-se de uma infecção por fungo Cocciodioides immitis, embora os exames radiológicos do pulmão fossem normais, assim como impossível a confirmação da espécie em exames de cultura.



Figura 3.



Figura 4.



O diagnóstico histopatológico inicial de carcinoma epidermóide celular ceratimizante, realizado no estado natal do paciente, corria por conta da hiperplasia pseudo-epiteliomatosa, com marcada hiperceratose e focos de displasia epitelial, encontrada também nos exames aqui realizados.

TRATAMENTO E EVOLUÇÃO

O tratamento foi iniciado pelo cetaconazol (Nizoral) 400 mg/dia. Em fins de maio de 1989, volta para novos exames, com grande melhora da voz, mas apresentando na prega vocal direita edema com exsudato e na prega esquerda processo cicatricial da biópsia realizada em janeiro. Novas biópsias confirmaram a presença do fungo em ambas as pregas vocais. O exame de cultura da biópsia e do exsudato mostrou-se negativo. Com a extensão da lesão para as duas pregas vocais, o paciente foi internado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e, sob os cuidados da disciplina de Nefrologia, iniciou tratamento com amfotericina B.

Com ausência de infecção sistêmica e a bioquímica sangüínea perfeita, iniciou-se o tratamento com amfotericina B em doses pequenas e crescentes. Infelizmente, o tratamento teve que ser suspenso no quinto dia, com índice de creatinina muito elevado. Alta hospitalar e reinicio do tratamento com cetaconazol.

Em fins de 1989, controlado por médicos de sua cidade natal, permanecia somente com disfonia. Ficava difícil mantê-lo em observação em vista da distância de sua residência. Em novembro de 1989, nova microlaringoscopia foi realizada em seu estado natal e acrescentou-se a radioterapia ao tratamento. Com a continuidade do tratamento com cetaconazol, e quem sabe o efeito da radioterapia sobre as regiões de hiperplasia epitelial pseudocarcinomatosa com alterações displásicas, os sintomas desapareceram e a mucosa laríngea mostrou-se normal já no início de 1990.

Com as dificuldades de observação mais rígida e de intolerância clínica medicamentosa, sobreveio uma lesão extralaríngea infiltrativa a E, com êxito letal em 02/02/1992.

CONCLUSÕES

1 - Infestação pelo Cocciodioides immites num paciente residente no interior do Estado do Ceará;

2 - As dificuldades de tratamento clínico, especialmente com amfotericina B;

3 - A possibilidade de ação benéfica da radioterapia, especialmente nas regiões de irritação do fungo na mucosa laríngea;

4 - A importância da hiperplasia da microscopia e patologia da mucosa laríngea.

5 - A preocupação cada vez maior do otorrinolaringologista em evitar erros na indicação cirúrgica radical nos tumores da laringe.

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* Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
*** Professor Titular de Microbiologia da Universidade Federal de Santa Maria Rio Grande do Sul.
**** Professora Adjunta de Dermatologia da Universidade Federal do Ceará.
***** Médica Patologista do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre.

Endereço para correspondência: Rua Alberto de Campos 60 apart. 302, CEP 22471-020 - Rio de Janeiro - RJ.

Artigo recebido em 20 de junho de 1995.
Artigo aceito em 10 de agosto de 1995.

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