INTRODUÇÃOA coccidioidomicose é comumente chamada febre do deserto ou febre do vale de São Joaquim pelos americanos do norte. É doença endêmica não só do sul da Califórnia, se estende pelas áreas áridas de Nevada, Arizona, Texas e Norte do México. Na América do Sul, a doença é encontrada na Venezuela, Colômbia, Bolívia e Norte da Argentina. Rara no Brasil, parece ser o primeiro caso de Cocciodioidomicose immitis na laringe.
A doença apresenta forma granulomatosa no aparelho respiratório e secundária disseminativa no organismo em geral. A localização primária na laringe é muito rara e facilmente confundida com o carcinoma laríngeo.
A descrição inicial da cocciodiomicose é creditada a um internista argentino: A. Posada em 1892. Só mais tarde, em 1896 é que Rixford e Yilchist classificam este fungo imperfeito como um hipomicete e agente etiológico responsável pela doença. Este organismo desenvolve-se em zonas áridas onde o verão é longo e quente, e o inverno curto, com limitado índice pluvial (Interior do Estado do Ceará, onde reside o paciente). A fase saprofítica ou vegetativa da vida do fungo é caracterizada pela formação de dois tipos especializados de micélios: o clamidosporo e o artrosporo, qualquer um destes tipos especializados são inalados, vão ao pulmão e transformam-se em esferas espongiais ou coccidiais. Muitos endosporos se desenvolvem, e as esférulas são capazes de produzir novas esférulas que constituem a fase saprofítica da doença. Endosporos e esférulas são encontrados no escarro do paciente com doença ativa pulmonar. Somente a forma saprofítica é que infecta o homem.
No Brasil, existem vários trabalhos de coccidioidomicoses de pulmão, entre eles: H. Viana, H. V. Passos e A. V. Santana, em 1979, apresentando os primeiros casos clínicos ocorridos em nativos do Brasil.
Otoni M. Gomes e colaboradores narraram o primeiro caso nacional de Coccidioidomicose pulmonar.
INCIDÊNCIA
Foram observadas coccidioímicoses em todas as idades, de 3 a 70 anos.
Figura 1.
Figura 2.
O sexo masculino é quatro vezes mais atingido pela forma disseminativa da lesão.
A raça branca é mais resistente; a raça morena é quatro vezes mais fácil; a raça negra é quatorze vezes e a raça amarela (filipinos), cento e setenta e cinco vezes mais fácil de desenvolver a disseminação.
O paciente que apresenta larga disseminação tem sua ocupação no campo, com hábitos de mascar fragmentos vegetais.
APRESENTAÇÃO DO CASO: MANIFESTAÇÃO LARINGOLÓGICAO paciente: Z. S. L., com 74 anos, mulato, masculino, agricultor, casado e residente no interior do Estado do Ceará, zona árida.
Em ótimo estado geral e nutrido, apresentando boas condições psíquicas, procurou os nossos serviços no dia 24.01.89, com queixa de disfonia progressiva nos últimos seis meses. Não fuma, nunca foi alcoólatra e não apresenta na anamnesse familiar casos de tumores malignos. Radiografias de pulmão normal e exame histopatológico de tumor de prega vocal, com diagnóstico de carcinoma espinocelular ceratinizante.
É portador de gastrite e discreta hipertensão arterial. Com a indicação de cirurgia radical da laringe (laringectomia total), é solicitado nosso exame e a confirmação terapêutica.
O exame otorrinolaringológico mostrou, na laríngosopia indireta, uma formação polipóide no terço anterior da prega vocal E, móvel, com extensão até a comissura anterior.
A microscopia da laringe, sob anestesia geral, mostrou grande edema com formação polipóide na prega vocal E, próxima à comissura anterior. Ao toque com o aspirador, o edema não mostrava infiltração e, no momento em que a anestesia geral tornava-se superficial, as pregas vocais apresentavam a mesma motilidade. Na intenção de confirmar o diagnóstico e a indicação de laringectomia parcial, nova biópsia foi realizada. Chamou atenção de início, que o tumor edematoso e polipóide desprendia-se "in totum" numa única apreensão da pinça. Não era duro e nem mostrava infiltrações, comum nas biópsias de alguns tipos de sarcoma laríngeo. Foram retirados também alguns fragmentos da periferia do tumor para melhor apreciação de sua extensão (Fotos 1 e 2).
DIAGNÓSTICO HISTOPATOLÓGICORealizado exame histopatológico em 30/01/89 de prega vocal E.
EXAME MACROSCÓPICO: Fragmento laminar de tecido pardoclaro, de consistência firme e elástica, medindo 1,5x0,6x0,4 cm. Uma de suas extremidades exibia tecido de aspecto fungoso.
Acompanha cinco fragmentos irregulares e pardacentos, medindo entre 0,4 e 0,2 cm.
DESCRIÇÃO MICROSCÓPICA: Secções histológicas do espécime maior demonstram acentuada hiperplasia pseudo-epiteliomatosa, associada a processo inflamatório supurativo do estroma, ricamente histíocitário. Imersas, neste tecido, observam-se estruturas esféricas, com cápsula rígida (espoângios) vazias ou contendo inúmeros endosporos com multibrotamentos. Estas estruturas mostram-se fortemente positivas aos PAS e Grocott.
Dos espécimes menores, três mostram cpitélio sem alterações e em dois verifica-se hiperplasia epitelial com hiperceratose e focos de displasia leve.
DIAGNÓSTICO: Os aspectos histo patológicos são compatíveis com infecção por fungo Coccidioides immítís, entretanto é necessário exame de cultura para confirmação da espécie.
-Hiperplasia pseudo-epiteliomatosa com marcada hiperceratose e focos de displasia epitelial.
Novos fragmentos foram estudados, já que os esfregaços peosteriores para exame de cultura, não confirmavam a espécie. Novos cortes e colorações foram realizadas, as quais confirmaram o diagnóstico: Coctiodioides immitis (Foto 3).
A visão panorâmica da lesão apresenta ninhos de células epiteliais infiltrando a lâmina própria que pode ser considerada hiperplasia pseudo-carcinomatosa. Visão de PAS, (sacaride) ácido periódico de Schiff (Foto 4).
O aspecto histopatológico afirmava tratar-se de uma infecção por fungo Cocciodioides immitis, embora os exames radiológicos do pulmão fossem normais, assim como impossível a confirmação da espécie em exames de cultura.
Figura 3.
Figura 4.
O diagnóstico histopatológico inicial de carcinoma epidermóide celular ceratimizante, realizado no estado natal do paciente, corria por conta da hiperplasia pseudo-epiteliomatosa, com marcada hiperceratose e focos de displasia epitelial, encontrada também nos exames aqui realizados.
TRATAMENTO E EVOLUÇÃOO tratamento foi iniciado pelo cetaconazol (Nizoral) 400 mg/dia. Em fins de maio de 1989, volta para novos exames, com grande melhora da voz, mas apresentando na prega vocal direita edema com exsudato e na prega esquerda processo cicatricial da biópsia realizada em janeiro. Novas biópsias confirmaram a presença do fungo em ambas as pregas vocais. O exame de cultura da biópsia e do exsudato mostrou-se negativo. Com a extensão da lesão para as duas pregas vocais, o paciente foi internado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e, sob os cuidados da disciplina de Nefrologia, iniciou tratamento com amfotericina B.
Com ausência de infecção sistêmica e a bioquímica sangüínea perfeita, iniciou-se o tratamento com amfotericina B em doses pequenas e crescentes. Infelizmente, o tratamento teve que ser suspenso no quinto dia, com índice de creatinina muito elevado. Alta hospitalar e reinicio do tratamento com cetaconazol.
Em fins de 1989, controlado por médicos de sua cidade natal, permanecia somente com disfonia. Ficava difícil mantê-lo em observação em vista da distância de sua residência. Em novembro de 1989, nova microlaringoscopia foi realizada em seu estado natal e acrescentou-se a radioterapia ao tratamento. Com a continuidade do tratamento com cetaconazol, e quem sabe o efeito da radioterapia sobre as regiões de hiperplasia epitelial pseudocarcinomatosa com alterações displásicas, os sintomas desapareceram e a mucosa laríngea mostrou-se normal já no início de 1990.
Com as dificuldades de observação mais rígida e de intolerância clínica medicamentosa, sobreveio uma lesão extralaríngea infiltrativa a E, com êxito letal em 02/02/1992.
CONCLUSÕES1 - Infestação pelo Cocciodioides immites num paciente residente no interior do Estado do Ceará;
2 - As dificuldades de tratamento clínico, especialmente com amfotericina B;
3 - A possibilidade de ação benéfica da radioterapia, especialmente nas regiões de irritação do fungo na mucosa laríngea;
4 - A importância da hiperplasia da microscopia e patologia da mucosa laríngea.
5 - A preocupação cada vez maior do otorrinolaringologista em evitar erros na indicação cirúrgica radical nos tumores da laringe.
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* Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
*** Professor Titular de Microbiologia da Universidade Federal de Santa Maria Rio Grande do Sul.
**** Professora Adjunta de Dermatologia da Universidade Federal do Ceará.
***** Médica Patologista do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre.
Endereço para correspondência: Rua Alberto de Campos 60 apart. 302, CEP 22471-020 - Rio de Janeiro - RJ.
Artigo recebido em 20 de junho de 1995.
Artigo aceito em 10 de agosto de 1995.