Ano: 1995 Vol. 61 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (7º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 45 a 48
Otoplastia com Anestesia Tópica - Estudo de Dez Casos.
Topical Anaesthesia in Otoplasty - Study of Ten Cases.
Autor(es):
Paulo Henrique Facchina Nunes*,
Ricardo Gomes Andrade**,
Agnaldo Elon Disarz***
Palavras-chave: Anestesia, cirurgia do ouvido
Keywords: anesthesia, ear surgery
Resumo:
Foram estudados 10 casos consecutivos ( 06 do sexo masculino e 04 do sexo feminino) de pacientes portadores de orelha de abano, que foram submetidos a otoplastia pela técnica da Mustardé modificada utilizando-se a anestesia tópica com lidocaína associada à prilocaína em mistura eutética. A faixa etária dos pacientes variou de 06 a 26 (X = 16,5 anos). A duração média do procedimento cirúrgico foi de 70 minutos (40 a 100 minutos). O tempo de espera entre a aplicação do anestésico e o início da cirurgia variou de 90a 120 minutos. Não foram observadas reações adversas que contra indicassem a realização do procedimento. A mistura mostrou-se eficaz na produção de analgesia durante o procedimento.
Abstract:
We studied 10 patients (06 female and 04 male patients) submited to aesthetic otoplasty for corretion of the protruding ear. The modified Mustardé techique was used in all cases. As the anesthetic procedure topic eutetic mixture of lidocaine and prilocaine was used. The patients age ranged from six to twenty six years old. (X=16,5). The anaesthetic mixture was initialy applied and ninety to on hundred twenty minutes after the surgical procedure was initied. The time spent in the surgical procedure ranged from forty to one hundred minutes (X=70 minutes). No adverse reactions were observed. The mixture procedure on efective analgesia during the surgical procedure.
INTRODUÇÃO
A correção cirúrgica das deformidades do pavilhão auricular, procurando dar a esta estrutura padrão estético aceitável, vem a muito despertando o interesse dos cirurgiães.
Por ser uma deformidade que se traduz num grande estigma, tem-se procurado realizar a correção da orelha de abano em pacientes abaixo da idade escolar, devido as necessidades de interação social cada vez mais precoce.
Nestes torna-se necessário, muitas vezes, a utilização de anestesia geral ou sedação associada à anestesia local, com os riscos que estas acarretam.
Nos pacientes adultos, a anestesia local infiltrativa tem sido muitas vezes desmotivante, devido ao receio que a introdução da agulha e a própria infiltração anestésica sejam dolorosas.
Procurando evitar este receio da anestesia, os autores propõe a utilização de anestesia tópica com lidocaína associada à prilocaína e demonstram a sua avaliação inicial.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A mistura eutética dos anestésicos locais lidocaína e prilocaína foi introduzida na década passada para a analgesia prévia à venopunção ¹ ².
A lidocaína e prilocaína, quando misturados, formam uma mistura eutética, ou seja, o ponto de fusão da mistura é mais baixo (na razão 1:1, diminui para 18.C) do que o de cada substância na forma isolada (lidocaína 67.Ceprilocaína37.C). Forma-se então uma solução oleosa em temperatura ambiente³.
Atualmente a mistura é utilizada em numerosos procedimentos. Como cirugias otológicas (inserção de tubos na membrana timpânica 4), manipulação de fraturas nasais, bem como na retirada de enxertos de pele 6, entre outros.
Figura 1. Demarcação do local de aplicação do anestésico.
Figura 2. Anestésico aplicado na superfície, na forma de uma película uniforme.
Figura 3. Cobertura da área após a aplicação com bandagem própria do anestésico.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram estudados dez caso consecutivos (06 do sexo feminino e 04 do sexo masculino) de pacientes portadores de orelha de abano, utilizando-se anestesia tópica com lidocaína associada à prilocaína em solução eutética.
A faixa etária variou de 06 a 26 anos (X = 16,5 anos).
A colocação do anestésico tópico deu-se 1:30 a 2:00 horas antes do procedimento cirúrgico, espalhando-se uma película fina e uniforme em toda superfície lateral e medial do pavilhão auricular, bem como na pele circunvizinha (ilustrações 1, 2 e 3), que foi coberta após por bandagem própria do anestésico. A dose utilizada foi de 5,0 gramas/ orelha em adultos e 2,0 g/ orelha em crianças.
Imediatamente antes do procedimento retirava-se a bandagem do lado a ser operado primeiro, mantendo a do lado contralateral até o final da cirurgia do lado inicial.
A técnica utilizada foi a de Mustardé modificada.
RESULTADOS
A duração média do procedimento cirúrgico foi de 70 minutos (40 a 100 minutos).
O tempo de espera entre a aplicação do anestésico e o início da cirurgia variou de 90 a 120 minutos, com tempo médio de 100 minutos (Tabela 1 e 2).
A mistura mostrou-se eficaz na produção de analgesia durante o procedimento. Dois pacientes apresentaram dor leve (20%) sem necessidade de complementação anestésica, devido em parte a utilização de eletrocauterização.
Em um paciente (10%) a dor foi moderada no momento da confecção do ponto de fixação na mastóide da cartilagem auricular, necessitando de complementação anestésica (infiltração com lidocaína 1% com adrenalina 1:200.000 - 1,8 ml), sendo que devido a prévia utilização da anestesia tópica com creme o paciente não referiu dor à infiltração.
DISCUSSÃO
Este estudo mostrou a possibilidade de realização de otoplastia com anestesia tópica utilizando a mistura eutética de lidocaína associada à prilocaína na correção cirúrgica da orelha de abano. Cada grama do creme contém 25 mg de prilocaína e 25 mg de lidocaína. Este tipo de formulação permite uma alta concentração da substância ativa (80%) comparado comas outras formulações disponíveis no mercado (20%)².
A mistura produz uma resposta vascular bifásica com uma vasoconstrição inicial máxima após 1,5 h da aplicação. Com prolongada aplicação (13h) ocorre vasodilatação, presumivelmente devido ao efeito relaxante do anestésico sobre o músculo liso da parede vascular ¹.
Este efeito circulatório local deve-se à inicial palidez cutânea observada, seguido de eritema e edema leve, estas manifestações foram observadas em 06 pacientes de nossa casuística.
Há necessidade de que durante o procedimento seja dada especial atenção à hemostasia devido a estes fatores circulatórios iniciais.
A anestesia cutânea depende da dose e do tempo de aplicação. Nos estudos de Bjerning e colaboradores observou se que mesmo após a remoção do creme há aumento da anestesia, em parte devido ao acúmulo do anestésico no estrato córneo, que se difunde para as camadas mais profundas da pele 7. Assim, a anestesia é obtida após um período de pelo menos 45 minutos e pode perdurar por até 2 a 5 horas.TABELA 1
TABELA 2
Não se observam reações adversas nos pacientes estudados como: reação cutânea urticariforme, bem como complicações sistêmicas 8.
A concentração plasmática, a absorção do creme e o risco deformação de mete-hemoglobina em crianças após a aplicação do creme anestésico foi estudada por Engberg e cols 9.
O local de aplicação, bem como o estada da pele influenciam na absorção e tempo do efeito, estando estabelecido que há uma absorção mais rápida na face e em pacientes com dermatite atópica ¹°.
O creme mostrou-se eficaz na produção de analgesia, permitindo a realização da otoplastia na maioria absoluta dos pacientes sem intercorrências.
CONCLUSÃO
A utilização da anestesia tópica permitiu a realização do procedimento cirúrgico sem intercorrências, á nível ambulatorial.
Mostrou-se um método efetivo, de fácil aplicação, baixo custo e muito bem tolerado pelos pacientes, apesar de alguns casos terem apenas 6 a 10 anos.
O fato de não haver introdução de agulhas para a analgesia permitiu a realização sem sobressalto da cirurgia em pacientes pediátricos e facilitou a aceitação do procedimento por todas as faixas etárias.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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* Professor Assistente Disciplina Cirurgia Plástica.
** Médico Residente em Cirurgia Plástica.
*** Médico Residente em Cirurgia Plástica.
Disciplina Cirurgia Plástica- F. C. M. UNICAMP - Campinas - S. P. - Brasil.
Artigo recebido em 06 de junho de 1994.
Artigo aceito em 13 de outubro de 1994.