INTRODUÇÃOA correção cirúrgica das deformidades do pavilhão auricular, procurando dar a esta estrutura padrão estético aceitável, vem a muito despertando o interesse dos cirurgiães.
Por ser uma deformidade que se traduz num grande estigma, tem-se procurado realizar a correção da orelha de abano em pacientes abaixo da idade escolar, devido as necessidades de interação social cada vez mais precoce.
Nestes torna-se necessário, muitas vezes, a utilização de anestesia geral ou sedação associada à anestesia local, com os riscos que estas acarretam.
Nos pacientes adultos, a anestesia local infiltrativa tem sido muitas vezes desmotivante, devido ao receio que a introdução da agulha e a própria infiltração anestésica sejam dolorosas.
Procurando evitar este receio da anestesia, os autores propõe a utilização de anestesia tópica com lidocaína associada à prilocaína e demonstram a sua avaliação inicial.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICAA mistura eutética dos anestésicos locais lidocaína e prilocaína foi introduzida na década passada para a analgesia prévia à venopunção ¹ ².
A lidocaína e prilocaína, quando misturados, formam uma mistura eutética, ou seja, o ponto de fusão da mistura é mais baixo (na razão 1:1, diminui para 18.C) do que o de cada substância na forma isolada (lidocaína 67.Ceprilocaína37.C). Forma-se então uma solução oleosa em temperatura ambiente³.
Atualmente a mistura é utilizada em numerosos procedimentos. Como cirugias otológicas (inserção de tubos na membrana timpânica 4), manipulação de fraturas nasais, bem como na retirada de enxertos de pele 6, entre outros.
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Figura 1. Demarcação do local de aplicação do anestésico.
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Figura 2. Anestésico aplicado na superfície, na forma de uma película uniforme.
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Figura 3. Cobertura da área após a aplicação com bandagem própria do anestésico.
MATERIAL E MÉTODOSForam estudados dez caso consecutivos (06 do sexo feminino e 04 do sexo masculino) de pacientes portadores de orelha de abano, utilizando-se anestesia tópica com lidocaína associada à prilocaína em solução eutética.
A faixa etária variou de 06 a 26 anos (X = 16,5 anos).
A colocação do anestésico tópico deu-se 1:30 a 2:00 horas antes do procedimento cirúrgico, espalhando-se uma película fina e uniforme em toda superfície lateral e medial do pavilhão auricular, bem como na pele circunvizinha (ilustrações 1, 2 e 3), que foi coberta após por bandagem própria do anestésico. A dose utilizada foi de 5,0 gramas/ orelha em adultos e 2,0 g/ orelha em crianças.
Imediatamente antes do procedimento retirava-se a bandagem do lado a ser operado primeiro, mantendo a do lado contralateral até o final da cirurgia do lado inicial.
A técnica utilizada foi a de Mustardé modificada.
RESULTADOSA duração média do procedimento cirúrgico foi de 70 minutos (40 a 100 minutos).
O tempo de espera entre a aplicação do anestésico e o início da cirurgia variou de 90 a 120 minutos, com tempo médio de 100 minutos (Tabela 1 e 2).
A mistura mostrou-se eficaz na produção de analgesia durante o procedimento. Dois pacientes apresentaram dor leve (20%) sem necessidade de complementação anestésica, devido em parte a utilização de eletrocauterização.
Em um paciente (10%) a dor foi moderada no momento da confecção do ponto de fixação na mastóide da cartilagem auricular, necessitando de complementação anestésica (infiltração com lidocaína 1% com adrenalina 1:200.000 - 1,8 ml), sendo que devido a prévia utilização da anestesia tópica com creme o paciente não referiu dor à infiltração.
DISCUSSÃOEste estudo mostrou a possibilidade de realização de otoplastia com anestesia tópica utilizando a mistura eutética de lidocaína associada à prilocaína na correção cirúrgica da orelha de abano. Cada grama do creme contém 25 mg de prilocaína e 25 mg de lidocaína. Este tipo de formulação permite uma alta concentração da substância ativa (80%) comparado comas outras formulações disponíveis no mercado (20%)².
A mistura produz uma resposta vascular bifásica com uma vasoconstrição inicial máxima após 1,5 h da aplicação. Com prolongada aplicação (13h) ocorre vasodilatação, presumivelmente devido ao efeito relaxante do anestésico sobre o músculo liso da parede vascular ¹.
Este efeito circulatório local deve-se à inicial palidez cutânea observada, seguido de eritema e edema leve, estas manifestações foram observadas em 06 pacientes de nossa casuística.
Há necessidade de que durante o procedimento seja dada especial atenção à hemostasia devido a estes fatores circulatórios iniciais.
A anestesia cutânea depende da dose e do tempo de aplicação. Nos estudos de Bjerning e colaboradores observou se que mesmo após a remoção do creme há aumento da anestesia, em parte devido ao acúmulo do anestésico no estrato córneo, que se difunde para as camadas mais profundas da pele 7. Assim, a anestesia é obtida após um período de pelo menos 45 minutos e pode perdurar por até 2 a 5 horas.
TABELA 1
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TABELA 2
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Não se observam reações adversas nos pacientes estudados como: reação cutânea urticariforme, bem como complicações sistêmicas 8.
A concentração plasmática, a absorção do creme e o risco deformação de mete-hemoglobina em crianças após a aplicação do creme anestésico foi estudada por Engberg e cols 9.
O local de aplicação, bem como o estada da pele influenciam na absorção e tempo do efeito, estando estabelecido que há uma absorção mais rápida na face e em pacientes com dermatite atópica ¹°.
O creme mostrou-se eficaz na produção de analgesia, permitindo a realização da otoplastia na maioria absoluta dos pacientes sem intercorrências.
CONCLUSÃOA utilização da anestesia tópica permitiu a realização do procedimento cirúrgico sem intercorrências, á nível ambulatorial.
Mostrou-se um método efetivo, de fácil aplicação, baixo custo e muito bem tolerado pelos pacientes, apesar de alguns casos terem apenas 6 a 10 anos.
O fato de não haver introdução de agulhas para a analgesia permitiu a realização sem sobressalto da cirurgia em pacientes pediátricos e facilitou a aceitação do procedimento por todas as faixas etárias.
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* Professor Assistente Disciplina Cirurgia Plástica.
** Médico Residente em Cirurgia Plástica.
*** Médico Residente em Cirurgia Plástica.
Disciplina Cirurgia Plástica- F. C. M. UNICAMP - Campinas - S. P. - Brasil.
Artigo recebido em 06 de junho de 1994.
Artigo aceito em 13 de outubro de 1994.