Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (16º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 707 a 714

 

Reabilitação vocal de laringectomizados com prótese traqueoesofágica

Vocal reabilitation of patients with laringectomy using tracheoesofogeal proteses

Autor(es): Claudiney C. Costa 1,
Abrão Rapoport 2,
José Francisco S. Chagas 3,
Iara B. Oliveira 4,
Pedro de Castro 5,
Luiz Alberto Magna 6

Palavras-chave: laringectomizado, reabilitação vocal, prótese

Keywords: laryngectomy, voice rehabilitation, prosthesis

Resumo:
Material: No período de 23 de fevereiro de 1999 a junho de 2000 foram estudados 23 pacientes submetidos à laringectomia total que receberam a prótese traqueoesofágica do tipo Blom-Singer Indeweling Low Presure, sendo 22 pacientes do sexo masculino, com faixa etária variando de 40 a 80 anos. O tempo de acompanhamento variou de 150 a 462 dias. Um paciente era do estádio clínico I, com comprometimento da comissura posterior; um, do estádio II, com lesão na subglote; 13, do estádio III; e sete do IV. Forma de estudo: Prospectivo clínico não randomizado. Método: A prótese foi locada concomitante à laringectomia em sete pacientes; secundariamente, com anestesia geral, em cinco; e, por endoscopia digestiva alta, sob sedação e anestesia local, em quatorze. Foram estudadas as complicações decorrentes da colocação e uso da prótese vocal, avaliação da qualidade da voz e da inteligibilidade de fala, utilizando parâmetro perceptivo-auditivo, antes e depois da fonoterapia e do tempo necessário para reabilitação vocal. Resultados: Houve três complicações pós-operatórias relacionadas com procedimento cirúrgico terapêutico, que impossibilitaram a reabilitação vocal; dos vinte possíveis de serem reabilitados com a prótese, dezoito se reabilitaram com índice de 90% de sucesso. O tempo médio para reabilitação variou de um a 65 dias. Conclusão: Concluímos que as complicações decorrentes da colocação e uso da prótese não inviabilizaram o sucesso do método; o tempo médio para aquisição da voz foi de sete dias; a qualidade vocal e a inteligibilidade de fala apresentaram melhora após a realização da fonoterapia, sem diferença estatística significativa; e a colocação secundária da prótese vocal, utilizando nova técnica, por endoscopia digestiva alta, mostrou-se mais eficaz em relação às técnicas convencionais.

Abstract:
We studied the complications resulting from the placement and use of the vocal prosthesis, assessment of voice quality and speech intelligibility using perceptive-auditory parameters before and after speech therapy and the period needed for vocal rehabilitation. From February 1999 to June 2000, a study was conducted on 23 patients who underwent total laryngectomy and were given a tracheoesophageal prosthesis like the Blom-Singer Indwelling Low Pressure. Study design: Prospective clinical not randomized. Material and method: The study consisted of 22 males and their ages ranged from 40 years to 80 years. The follow up period varied between 150 days to 462 days. One patient with the posterior commissure affected was at stadium I; stadium II had one patient with a lesion in the subglottic region; stadium III had 13 patients; stadium IV had four patients. The prosthesis was placed in seven patients concomitantly with the laryngectomy, while the placement was secondary in the remaining group. Aim: We studied the complications resulting from the placement and use of the vocal prosthesis, assessment of voice quality and speech intelligibility using perceptive-auditory parameters before and after speech therapy and the period needed for vocal rehabilitation impossible. The success rating was 90% with 18 patients rehabilitated with the help of the prosthesis. The rehabilitation period varied between one day to 65 days. Conclusions: the complications resulted from placement and use of this prosthesis did not hamper its success; the average time taken for voice acquisition was seven days, vocal quality and intelligibility of speech showed improvement after the phonoterapy without significant statistics difference and the secondary placement through new surgical technique by digestive endoscopy is better than the conventional technique.

INTRODUÇÃO

A fala desempenha papel fundamental na comunicação humana; e, em determinados momentos, por circunstâncias adversas, a perda da capacidade de falar impõe ao homem a necessidade de procurar resolver essa limitação. Nesse contexto, o câncer da laringe é um dos principais responsáveis pela perda, ameaçando a vida e o bem-estar do homem, por interferir no relacionamento interpessoal.

Os tumores malignos da laringe apresentam alta incidência no Brasil, sendo o sexto sítio mais comum dos tumores malignos no sexo masculino, com 2.300 óbitos registrados em 1996. Segundo a American Cancer Society, no ano de 1999 foram registrados 10.600 novos casos de câncer da laringe e hipofaringe nos Estados Unidos, com 4.200 óbitos(10).

A primeira laringectomia total data de 1873, realizada por Theodore Billroth e apresentada por seu assistente, Carl Gussenbauer, no Terceiro Congresso de Cirurgiões da Alemanha, com o título de A Primeira Laringectomia Realizada em Humanos Feita por Theodore Billroth e a Utilização da Laringe Artificial. A primeira laringectomia e a tentativa de reabilitação vocal surgiram simultaneamente8.

Uma nova modalidade de reabilitação nos pacientes laringectomizados foi desenvolvida por Singer e Blom, em 1980, através de uma prótese que permitia a passagem unidirecional do ar impulsionado pelos pulmões para o esôfago, fazendo vibrar o esfíncter esofageano superior e a mucosa das estruturas localizadas acima deste, produzindo uma voz de boa qualidade e com pequeno tempo de aprendizado19.

No Brasil, o uso da prótese traqueoesofágica é pouco difundido, em decorrência, principalmente, de seu custo, do desconhecimento do procedimento cirúrgico e dos cuidados pós-operatórios pelos profissionais da área, além da falta de informações quanto às vantagens que estas podem oferecer quando bem indicado3.

O objetivo deste estudo é realizar a avaliação da reabilitação vocal após laringectomia total ou faringolaringectomia, com a prótese traqueoesofágica do tipo Blom-Singer, considerando: complicações decorrentes da colocação e uso da prótese; tempo necessário para a aquisição da voz; análise perceptivo-auditiva da qualidade vocal e inteligibilidade de fala antes e depois da fonoterapia.

CASUÍSTICA

Foram estudados 23 pacientes submetidos à laringectomomia total ou faringolaringectomia, com ou sem esvaziamento cervical e reconstrução do trânsito digestivo superior com retalho quando necessário, em decorrência de câncer de laringe ou hipofaringe. A laringectomia total foi indicada em um paciente queapresentou pneumonias aspirativas após hemiglossectomia e bucofaringectomia. Todos os pacientes eram provenientes do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (HMCP/ PUC-CAMP) /SP, e foram reabilitados do ponto de vista vocal pela colocação de prótese traqueoesofágica do tipo Blom-Singer Indwelling Low Pressure Voice Prosthesis, após esclarecimento sobre vantagens e desvantagens em relação às outras formas de reabilitação vocal. Esses pacientes foram acompanhados pela equipe de fonoaudiólogas e os médicos do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HMCP/PUC-CAMP, de fevereiro de 1999 a junho de 2000, com média de 273 dias, mediana de 230 dias, variando de 10 a 462 dias, sendo 150 dias o menor tempo de acompanhamento nos pacientes que permaneceram com a prótese. A população estudada foi composta por: um paciente do sexo feminino; e 22, do masculino.

Em relação à faixa etária, os pacientes foram distribuídos em quatro grupos, com variação de dez anos por grupo, sendo que o paciente mais jovem tinha 40 anos e o mais idoso 80, com média de 57,6 anos e mediana de 57 anos.

Os procedimentos cirúrgicos realizados nesse grupo de pacientes foram: laringectomia total em oito; faringolaringectomia total, com esvaziamento cervical unilateral, em seis; faringolaringectomia total, com esvaziamento cervical bilateral, em quatro; faringolaringectomia total, com esvaziamento cervical bilateral e reconstrução do trânsito digestivo superior, com rotação de tubo isoperistáltico de grande curvatura gástrica, em três; faringolaringectomia total, com esvaziamento cervical bilateral e reconstrução com rotação de retalho miofascial do músculo grande peitoral, em um; hemiglossectomia, com esvaziamento cervical unilateral, seguido, em um segundo tempo de bucofaringectomia e, em um terceiro tempo, de laringectomia total, em um paciente. Em 10 pacientes foi realizada radioterapia, sendo seis anterior à colocação da prótese vocal e quatro após sua inserção.

Entre os 23 pacientes estudados, 20 (87%) eram de estádio avançado (III e IV); um (4,3%), do estádio II; e um (4,3%), do estádio I - segundo a International Union Against Cancer de 199711. O paciente do estádio I apresentava lesão na comissura posterior da laringe; e o do estádio II apresentava lesão primária na região subglótica - o que inviabilizou a realização de laringectomias parciais.

MÉTODO

Métodos de inserção das próteses.

Na colocação secundária da prótese vocal o paciente internava-se 24 horas antes da cirurgia, recebendo alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório. Na colocaçãosecundária da prótese, utilizando a técnica de endoscopia digestiva alta, não havia necessidade de internação.
Os pacientes deste estudo assinaram Termo de Consentimento Informado, aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa do HMCP/PUC-CAMP, após receberem todas as informações referentes ao custo da prótese, outras técnicas de reabilitação vocal (voz esofágica) e laringe artificial e as vantagens e desvantagens em relação à prótese traqueoesofágica.

Em sete pacientes, a colocação da prótese vocal foi realizada de forma primária, ou seja: concomitante à laringectomia ou faringolaringectomia. Em 16 pacientes, esta colocação foi feita após esses procedimentos cirúrgicos, e denominada de colocação secundária. Entre os pacientes que receberam a prótese por colocação secundária, utilizou-se técnica cirúrgica com endoscopia digestiva alta em 11 casos. A colocação da prótese vocal com esofagoscópio rígido foi realizada em cinco pacientes, sendo que, destes, três foram posteriormente submetidos a endoscopia digestiva alta, para nova inserção da prótese.

A colocação primária foi realizada com os pacientes sob anestesia geral e após a retirada da laringe, com ou sem outros procedimentos associados, segundo princípios estabelecidos por Singer e Blom, em 198019 (Figura 1).

A técnica de colocação secundária com esofagoscópio rígido também foi realizada com o paciente sob anestesia geral, seguida da técnica clássica proposta por Maves e Lingeman, em 198214 (Figura 2).

A colocação secundária por endoscopia digestiva alta foi realizada com equipamento vídeogastroendoscópio Fujinon Eve Série 400 e monitor Sony Triniton Color. O paciente era sedado com 5 miligramas de midazolan endovenoso e recebia alta da sala de endoscopia após se recuperar da sedação promovida pela medicação (Figura 3).

Os pacientes eram orientados a realizar limpeza da prótese traqueoesofágica com solução resultante da diluição de 3 ml de nistatina oral em 10 ml de soro fisiológico, instilada através do lúmen da prótese três vezes ao dia.

Fonoterapia

Os pacientes deste estudo foram acompanhados pelos fonoaudiólogos do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP, para treinamento e avaliação da qualidade da voz e da inteligibilidade da fala produzida a partir da prótese traqueoesofágica, através da análise perceptivo-auditiva.

I - Procedimento para coleta de material

Os recursos de gravação utilizados foram um gravador da marca Sanyo, com fita cassete Basf CE II crome extra e microfone interno que foi colocado a 30 centímetros da boca dos pacientes. A filmagem dos pacientes foi realizada com uma filmadora marca JVC.

II - Treinamento vocal

Consistiu em quatro sessões de 30 minutos cada, uma vez por semana, para aprimoramento da produção vocal e articulatória dos pacientes.

As sessões abordaram as seguintes etapas:

a) Coordenação pneumofônica e digital para a fala.
b) Treino da coordenação pneumofônico-articulatória.
c) Treino articulatório e da prosódia em fala distensa.
d) Revisão dos aspectos trabalhados e coleta de fala para avaliação pós-treinamento.

III- Avaliação pós-fonoterapia

Preparo das amostras de voz e fala para análise perceptivo-auditiva.

Para análise das amostras de fala dos períodos pré e pós-treinamento fonoterápico, foi utilizado o método de análise perceptivo-auditiva. Todas as amostras foram analisadas por três fonoaudiólogas que atribuíram notas de 3 (boa), 2 (regular) e 1 (ruim).

Critérios para análise

As fonoaudiólogas aplicaram o protocolo de avaliação da voz e fala nas 34 amostras obtidas nas fases pré e pós-treinamento fonoterápico. Os itens estudados foram:
Item I - Entonação e prosódia - Foram comparadas auditivamente as duas formas de emissão de frases do sujeito, de forma afirmativa e interrogativa, havendo uma conceituação a partir de três possibilidades:

   Boa - distinção consistente entre a afirmação e a interrogação.
   Regular - distinção inconsistente entre a afirmação e a interrogação.
   Ruim - impossibilidade de distinguir as curvas melódicas de afirmação e interrogação.
Item II - Análise da inteligibilidade de fala, considerando a produção de frases:
   Boa- inteligibilidade suficiente de fala.
   Regular - inteligibilidade razoável de fala.
   Ruim - inteligibilidade de difícil compreensão.
Item III - Análise da inteligibilidade de fala espontânea (conversação):
   Boa - inteligibilidade suficiente de fala na maioria das vezes.
   Regular - compreensão de parte das emissões não comprometendo o sentido geral da comunicação.
   Ruim - comprometimento na grande maioria das emissões.
Item IV - Análise da melodia na voz cantada:
   Boa - canto com melodia e ritmo próximos da normalidade.
   Regular - canto com certas variações de melodia e ritmo.
   Ruim - canto em que não se percebem variações de melodia e ritmo.

A qualidade da voz e a da fala foram consideradas boas se apresentassem escore entre 10 e 12; regulares entre 7 e 9, e ruins entre 4 e 6. Dessa forma, para cada um dos itens descritos, os sujeitos obtiveram duas notas (pré e pós-treino), que foram comparadas para avaliar a eficácia da fonoterapia nos pacientes reabilitados com prótese traqueoesofágica.

Método estatístico

O teste de Qui-quadrado foi aplicado para estudar a significância estatística entre a técnica de colocação da prótese traqueoesofágica e a reabilitação vocal.

Na análise estatística para determinar significância entre qualidade vocal, antes e após a realização de fonoterapia, foi utilizado o teste Qui-quadrado com dois graus de liberdade.

A relação entre a qualidade vocal, após a fonoterapia, e realização ou não de radioterapia, foi estudada com a aplicação do teste de Fisher.


Figura 1. Confecção da fístula traqueoesofágica, na colocação primária da prótese vocal.



Figura 2. Colocação secundária da prótese com esofagoscópio rígido paciente sob anestesia geral).



Figura 3. Colocação da prótese por endoscopia digestiva alta sem a utilização de anestesia geral (seqüência da esquerda para direita).



RESULTADOS

Em sete pacientes, a prótese vocal foi colocada no mesmo tempo cirúrgico da laringectomia, sendo que, destes, seis desenvolveram voz num tempo que variou de cinco a 65 dias. Nesse paciente que levou 65 dias para utilizar a prótese, o motivo foi a presença de uma fístula faringocutânea. Na sua evolução clínica houve recidiva tumoral local com perda da utilização da prótese, antes de realizar fonoterapia.

A colocação secundária com esofagoscópio rígido foi realizada em cinco pacientes, e dois apresentaram produção vocal no primeiro e no quarto dia após locação da prótese. Um desses pacientes evoluiu com celulite no local da punção traqueoesofágica e extrusão parcial da prótese no sexto dia pós-operatório, que foi recolocada posteriormente pela técnica de endoscopia digestiva alta. Nos outros três pacientes, as causas de insucesso foram um episódio de hemorragia digestiva alta no pós-operatório imediato, com extrusão parcial da prótese, após passagem do balão esofágico de Singstalhen-Blacmore, um quadro de broncopneumonia com infecção no local da punção traqueoesofágica e um quadro de extrusão parcial.

A colocação da prótese utilizando-se a endoscopia digestiva alta foi realizada em 14 pacientes, sendo que, destes, três haviam recebido a prótese pela técnica de colocação secundária com esofagoscópio rígido sem sucesso. Utilizando o teste de Qui-quadrado, obtivemos diferença estatística significativa quando a prótese foi colocada por endoscopia digestiva alta (Tabela 1).

As complicações decorrentes do tratamento cirúrgico para o câncer da laringe e hipofaringe foram: cinco estenoses de traqueostoma; três fístulas cutâneas pós-operatórias; duas recidivas tumorais com perda das próteses; uma estenose faringoesofágica; um caso de broncopneumonia com acidente vascular cerebral, seguido de óbito.

A qualidade vocal nos dezessete pacientes estudados foi avaliada antes e após a fonoterapia sem diferença estatística signicativa (Tabela 2).

Em cinco pacientes, ocorreu falha na produção vocal utilizando prótese traqueoesofágica, sendo que em apenas dois o encerramento da fístula traqueoesofágica estava relacionado à colocação e o uso da prótese; e em três o fechamento da fístula decorreu do procedimento cirúrgico terapêutico, representado por dois casos de fístulas faringocutâneas com recidiva tumoral e um óbito.

Pacientes em número de 20 (90,9%) eram de estádio clínico avançado (III e IV) segundo a UICC10, sendo que todos os pacientes que não chegaram a utilizar a prótese na comunicação oral eram do estádio IV. O paciente restante foi submetido a laringectomia por apresentar pneumonia aspirativa de repetição.

Não se demonstrou diferença estatística significativa, utilizando o teste de Fisher, quando relacionamos a qualidade da voz com prótese traqueoesofágica e a realização ou não de radioterapia (Tabela 3).


Tabela 1. Relação entre a reabilitação vocal e as técnicas de colocação das próteses vocais do tipo Blom Singer em 23 pacientes.

p= 0,0236 x²=1,49 2 graus de liberdade
* Três destes pacientes foram encaminhados para colocação por endoscopia digestiva alta, totalizando 26 próteses colocadas.
** EDA: endoscopia digestiva alta


Tabela 2. Qualidade vocal relacionada à fonoterapia.

p= 0,1431 x²=3,89 2 graus de liberdade


Tabela 3. Qualidade vocal relacionada à radioterapia.

p= 0,1534 Teste de Fisher



DISCUSSÃO

A laringectomia total promove um profundo impacto na vida dos pacientes, levando a ruptura abrupta da comunicação oral e da interação do paciente com outras pessoas, resultando em mudanças importantes em sua vida social, econômica, familiar e psicológica. Por essas razões, a reabilitação vocal se torna importante para melhorar a qualidade do laringectomizado. Nos últimos anos, vários estudos vêm demonstrando a eficácia da reabilitação vocal com próteses vocais. Contrastando com os índices de reabilitação por voz esofágica que variam de 14 a 76%, os sucessos obtidos com as próteses vocais estão acima de 80%4; 9; 15.

Nos tumores de estádio III e IV da faringe e laringe, embora o prognóstico seja grave, o tempo de sobrevida é freqüentemente prolongado para justificar uma terapêutica agressiva na tentativa de ablação do tumor e reconstrução dos defeitos advindos dessa conduta. A reconstrução deve ir além de um simples tubo que permita a passagem de saliva, permitindo a reabilitação vocal e a deglutição o mais próximo do alcançado no pós-operatório de uma laringectomia tradicional com fechamento primário2.

Entre nossos casos, três pacientes foram submetidos à faringolaringectomia total, com esvaziamento cervical bilateral e reconstrução do trato digestivo superior, com rotação de tubo isoperistáltico de grande curvatura gástrica.

O fechamento da fistula traqueoesofágica, em nosso estudo, ocorreu em cinco (21,7%) pacientes, sendo: quatro do estádio clínico IV, em decorrência de fistula faringocutânea com recidiva tumoral em dois pacientes (8,7%); hemorragia digestiva alta com extrusão parcial da prótese em um (4,4%); falta de motivação em um (4,4%); e óbito por acidente vascular cerebral e complicações pulmonares em um (4,4%). Essas complicações ocorreram em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de grande porte, que necessitaram da reconstrução do trânsito digestivo através da rotação de tubo isoperistáltico da grande curvatura gástrica e retalho miocutâneo do grande peitoral.

A falha na reabilitação vocal por falta de motivação ocorreu em um paciente (4,4%) que era analfabeto, residia na zona rural e apresentava vida social restrita ao ambiente familiar. O índice de insucesso na reabilitação vocal por falta de motivação varia entre 6,9 e 9,2%6; 17.

Em apenas dois pacientes as causas de insucesso na reabilitação vocal foram relacionadas com a prótese vocal: falta de motivação e hemorragia digestiva alta por varizes esofágicas, com extrusão parcial da prótese. Nos outros três pacientes a reabilitação vocal não ocorreu por motivos independentes das próteses, levando a índice de reabilitação de 90% dos pacientes, ou seja: 18 dos 20 possíveis, coincidindo com as taxas referidas por outros autores6; 9; 14; 19.

As complicações encontradas nos pacientes deste estudo, relacionadas com a prótese vocal em si ou com sua colocação, foram: três quadros de insuficiência valvular da prótese; duas infecções no local da punção traqueoesofágica com extrusão parcial; um granuloma ao redor da prótese; duas próteses colonizadas por fungo; uma hemorragia digestiva com extrusão parcial da prótese; um quadro de broncopneumonia com extrusão parcial; uma extrusão completa da prótese. Complicações semelhantes foram descritas por outros autores5; 6; 7; 9; 12; 13; 17; 18.

Em nossa casuística, as complicações com o uso da prótese traqueoesofágica ocorreram geralmente nos primeiros seis meses de acompanhamento, sendo que do total de 23, somente seis ocorreram após esse período. Essas foram representadas por vazamento através da prótese em três pacientes, colonização por fungos em dois pacientes e extrusão completa da prótese em um paciente. Todas essas complicações se relacionam com o desgaste da prótese e tiveram como solução a troca por outra prótese.

Singer e Blom20 encontraram uma incidência de espasmo faringoesofágico de 12% em seus pacientes, devido a estreitamento da luz faringoesofágica durante o fechamento da musculatura constrictora da faringe. Maves e Lingeman14 recomendaram fechamento apenas da mucosa e da submucosa da faringe durante a laringectomia, com o intuito de diminuir a incidência de estenose faringoesofágica. Nos pacientes desse trabalho não houve modificação no fechamento da faringe padronizado em nosso Serviço, que é realizado em dois planos, mucosa e muscular e sem realização da miotomia dos constritores da faringe. Como tivemos apenas um paciente com estreitamento do segmento faringoesofágico, não vemos relação entre a técnica de fechamento da faringe e a incidência deste estreitamento.

A importância da fonoterapia em pacientes com prótese vocal foi estudada por Mendelsohn e colaboradores16, os quais observaram que, durante a oclusão do traqueostoma, havia contração dos músculos cervicais por extensão ou flexão da cabeça e que podia ocorrer tração ou aumento da pressão do segmento vibratório, afetando o fluxo e a tensão do ar nesse segmento, comprometendo o resultado final da qualidade vocal. Durante as quatro sessões de fonoterapia, os pacientes foram orientados a aprimorar a coordenação entre a respiração, articulação e oclusão digital do traqueostoma (coordenação pneumofônica digital), melodia, entonação e diminuição da tensão da musculatura cervical.

Em relação à qualidade vocal, quando comparamos nossos pacientes com e sem radioterapia, não observamos diferença estatística significativa. Silverman e Black18, estudaram a qualidade vocal no primeiro, terceiro, sexto, e décimo segundo meses após a colocação da prótese traqueoesofágica do tipo Blom-Singer, em pacientes com e sem radioterapia e observaram que a qualidade da vozproduzida com a prótese é inferior apenas nos três primeiros meses após a radioterapia, sem diferença estatística quando avaliada no sexto mês após a radioterapia. Para esses autores, um dos parâmetros utilizados na indicação do uso da prótese traqueoesofágica é a idade do paciente abaixo de 65 anos. Esse critério não foi seguido em nosso estudo e, dos 17 pacientes que fizeram fonoterapia, sete tinham mais de 67 anos, sendo que, destes, cinco apresentavam idade entre 72 e 80 anos.

O tempo de reabilitação vocal com a colocação primária variou de 5 a 65 dias, com média de 25 dias. Maves e Lingeman14 apresentaram estudo que avaliou o tempo para o início da reabilitação vocal, na colocação primária, e obtiveram intervalo que variou de 14 a 84 dias após a cirurgia, com média de 36,4 dias. Na colocação secundária realizada por nós, a reabilitação iniciou-se entre o primeiro e o segundo dia.

A colocação por endoscopia digestiva foi realizada em 14 pacientes e todos foram reabilitados no primeiro dia, sendo esse, portanto, o método mais eficiente. O pequeno tempo entre a colocação da prótese e a reabilitação vocal é fator importante para motivação dos pacientes e familiares, facilitando o acompanhamento pelo médico e fonoaudiólogo. Assim como Blom, Singer e Hamaker1, acreditamos que o objetivo principal da reabilitação vocal é o retorno do paciente o mais rápido e o mais próximo possível, ao seu estado social e econômico anterior à cirurgia.

A qualidade da voz foi considerada ruim em cinco pacientes após a realização da fonoterapia, sendo que quatro destes não fizeram radioterapia. Os fatores que acreditamos terem influenciado na pior qualidade de voz foram a idade avançada de um paciente (76 anos), cirurgia para ressecção de tumor labial em um paciente, que alterou a articulação da fala, dificuldade para oclusão do traqueostoma em um paciente, e estenose do segmento faringoesofágico em outro.

Neste grupo de pacientes pudemos observar que as vantagens da reabilitação vocal utilizando prótese traqueoesofágica foram: o não comprometimento dos princípios oncológicos, pois não fizemos qualquer modificação na técnica cirúrgica necessária para tratamento oncológico radical; compatibilidade em paciente com ou em radioterapia; índice de sucesso acima de 80%; tempo pequeno para o aprendizado; utilização dos pulmões como fonte de ar para fonação, o que aumenta o tempo máximo desse processo, tornando as frases maiores e muito próximas das produzidas pela voz laríngea; volume de voz mais alto que o obtido com outras formas de reabilitação2,4,9,15,19. Em relação às desvantagens, observamos: custo da prótese, necessidade de acompanhamento com o cirurgião para manutenção e substituição da prótese, necessidade do uso de uma das mãos para oclusão do traqueostoma.

O cirurgião que se dispuser a realizar um procedimento agressivo, como a laringectomia, deve estar preparado para oferecer todas as formas possíveis de reabilitação vocal, esclarecendo de maneira simples e objetiva as vantagens e desvantagens de cada uma, cabendo ao paciente escolher a que julgar melhor.

CONCLUSÕES

Para os pacientes com prótese vocal do tipo Blom-Singer:
1. Não comprometimento dos princípios oncológicos.
2. Compatibilidade em paciente com ou em radioterapia.
3. Índice de sucesso acima de 80%.
4. Utilização dos pulmões como fonte de ar.
5. Complicações decorrentes da colocação e uso da prótese não inviabilizaram o sucesso do método.
6. O tempo médio obtido para aquisição da voz foi de sete dias.
7. A qualidade vocal e a inteligibilidade de fala apresentaram melhora após a realização da fonoterapia, sem diferença estatística significativa.
8. A colocação da prótese vocal utilizando endoscopia digestiva alta, sem a necessidade de anestesia geral ou internação do paciente, mostrou-se mais eficaz em relação aos métodos convencionais.

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1 Cirurgião do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Complexo Hospitalar Heliópolis /SP.
2 Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospital Heliópolis /SP.
3 Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
4 Fonoaudióloga da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
5 Endoscopista do Serviço de Endoscopia do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
6 Professor Titular do Departamento de Ciências Médica - UNICAMP (Tratamento estatístico do estudo). Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUC de Campinas e Complexo Hospitalar Heliópolis /SP.

Endereço para correspondência: Claudiney Candido Costa - Rua Antônio Rodrigues Moreira Neto, 106, Aptº. 11 - Jardim Paulicéia - 13060-063 Campinas /SP

Telefone: (0XX19) 227-5377 E-mail: claudineyorl@bestway.com.br

Tese de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação do Complexo Hospitalar Heliópolis de São Paulo /SP, em 25 de outubro de 2000.

Artigo recebido em 18 de abril de 2001. Artigo recebido em 18 de junho de 2001.

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