Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 636 a 642

 

Neuropatia auditiva: aspectos relevantes na investigação clínica

Auditory neuropathy: relevant aspects to clinical investigation

Autor(es): Osmar Mesquita Neto 1,
Maria C. Redondo 2,
Rosimeire C. Carlos 3,
Marina S. Figueiredo 4,
Otacílio C. Lopes Filho 5

Palavras-chave: clínica, neuropatia, auditiva

Keywords: clinic, neuropathy, auditive

Resumo:
Introdução: O termo neuropatia auditiva define grupo de alterações auditivas a partir do resultado de exames complementares na avaliação da audição17. Objetivo: Observar a ocorrência de sinais e sintomas auditivos em portadores de neuropatia auditiva. Forma de estudo: Retrospectivo clínico. Material e método: Análise de 30 casos de neuropatia auditiva diagnosticados entre junho de 1995 e junho de 1997, em que o desenvolvimento dos sintomas ocorreu após a aquisição da fala, enfatizando os achados na anamnese, exame físico, exames subsidiários e avaliação audiológica. Resultados: Ocorreu nessa série a prevalência de vários sintomas e sinais associados de forma peculiar. Conclusão: Existem vários sinais e sintomas que, associados ou não, podem sugerir a presença da neuropatia auditiva.

Abstract:
Introduction: The term auditory neuropathy defines a group of alterations based on the results of supplementary hearing tests. Aim: To observe the occurrence of hearing signs and symptoms in subjects with auditory neuropathy. Study design: Retrospective clinical. Material and Method: Analysis of 30 cases of auditory neuropathy diagnosed between June 1995 and June 1997, whose onset of symptoms took place after speech acquisition. We emphasized history, physical exam, supplementary tests and audiological assessment. Results: This series of patients showed the prevalence of various signs and symptoms peculiarly associated. Conclusion: There are a number of signs and symptoms, regardless of being associated or not, that may suggest the presence of auditory neuropathy.q

Introdução

A partir de 1995, passamos a conviver com a denominação neuropatia auditiva14, relacionada à alteração que se caracteriza por falha na obtenção dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico e presença de emissões otoacústicas dentro dos parâmetros de normalidade1. Entretanto, esta caracterização carece de uma pormenorização em relação à descrição do quadro clínico, mencionado algumas vezes como grande dificuldade ou dificuldade desproporcional à compreensão da fala, relacionando esta a um audiograma tonal com alteração apenas leve a moderada2,7,17.

A descrição de casos em que alteração auditiva semelhante ocorreu pode ser encontrada em relatos mais antigos6,8,11,13, geralmente associada a quadros neurológicos bem estabelecidos (ao menos clinicamente). É muito provável que pelo menos alguns desses pacientes seriam hoje diagnosticados como portadores de neuropatia auditiva, pelos instrumentos e conceitos atuais de avaliação auditiva.
Jerger10 comentou que o fato de serem encontrados muitos pacientes com desordem neurológica da função auditiva justifica-se na aplicação de testes específicos em alguns doentes selecionados; porém, sem mencionar quais seriam os critérios de seleção empregados.

O diagnóstico da neuropatia auditiva é resultante da aplicação de instrumentos de avaliação atuais em determinados indivíduos com alteração específica da audição (ou em crianças pertencentes a determinado grupo de risco)1,4,5,12.

O objetivo deste artigo é analisar os resultados da anamnese, exame físico e avaliação auditiva convencional (audiometria tonal, testes de fala e imitanciometria) em 30 pacientes portadores de neuropatia auditiva, diagnosticados através desta avaliação e estudo das emissões otoacústicas por produtos de distorção (EOAPD) e pesquisa dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico.

Material e Método

Foram avaliados 30 pacientes com diagnóstico de neuropatia auditiva, considerados aqueles em que a pesquisa dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico resultou em ausência ou presença parcial das ondas, em contradição com a presença de EOAPD com amplitudes dentro ou acima da faixa de normalidade, sendo 13 do sexo feminino e 17 do sexo masculino, com idade variando entre 11 e 61 anos (média de 32,95), atendidos entre junho de 1995 e junho de 1997, no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.

Os 30 pacientes incluídos neste estudo foram avaliados pelo mesmo examinador, sendo submetidos ao interrogatório médico de forma semelhante.

Os dados da anamnese estudados estão descritos no Quadro 1.

A avaliação laboratorial consistiu de exames séricos e do líquido cefalorraquídeo, descritos no Quadro 2.

Todos os pacientes (30) foram submetidos à tomografia computadorizada; e 10 à ressonância nuclear magnética (na época não dispúnhamos deste exame, sendo que agradecemos a colaboração do Hospital do Coração e ao Dr. Flávio Madureira Padula, que nos atendeu em 10 oportunidades).

A avaliação audiológica básica consistiu de audiometria tonal, testes de fala (índice de reconhecimento e limiar de recepção), além da timpanometria e pesquisa do reflexo do músculo do estribo contra-lateral.

Foi realizada pesquisa dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico e das emissões otoacústicas por produtos de distorção.

Resultados

Anamnese e exame físico

Todos os 30 pacientes relataram problema auditivo, caracterizado como dificuldade para compreender a fala. Apesar de outras alterações auditivas, que não a neuropatia, poderem produzir tal sintoma, este achado é consistente e deve ser valorizado.

A idade no início dos sintomas variou entre 8 e 38 anos, com média de 18,6 anos (Gráfico 1).
Os sintomas surgem geralmente nas duas primeiras décadas da vida.

O tipo de instalação da alteração auditiva foi descrito como progressivo por 24 pacientes; flutuante, por três; e súbito, por outros três (Gráfico 2). Nos casos de instalação progressiva ou flutuante, os pacientes informaram que a queixa se estabilizou após período que variou de semanasa três meses, não havendo qualquer paciente que referisse ainda sentir piora auditiva no momento da consulta.

O intervalo entre o início da queixa auditiva e a última consulta médica variou de 1 a 35 anos, com a média de 11,36 anos.


Tabelas 1.1 e 1.2. Distribuição da presença do reflexo do músculo do estribo nas diferentes freqüências, relacionada ao nível de sensação em dB nas orelhas direita e esquerda, respectivamente.



A presença de zumbidos foi referida por 28 pacientes. Este foi definido como grave (baixa freqüência) por 24 pacientes; agudo (alta freqüência), por dois; e mal definido, por outros dois pacientes (Gráfico 3). O ambiente ruidoso foi descrito como favorecedor para o surgimento do zumbido por 19 pacientes (Gráfico 3).

Apenas três pacientes queixaram-se de vertigens, eventuais e de leve intensidade.

Aparelhos de amplificação sonora individual haviam sido utilizados por 16 pacientes. Em nenhum caso houve descrição de melhora do desempenho social com o seu uso. Os aparelhos de amplificação sonora individuais procuram mimetizar as propriedades amplificadoras da cóclea, especificamente a função das células ciliadas externas. O fato de não haver benefício com o uso destes aparelhos leva o examinador a suspeitar de que os mecanismos de amplificação sonora do organismo possam estar íntegros (orelha média, células ciliadas externas) e questiona desde já a efetividade desta estratégia de reabilitação.

Apenas quatro pacientes relataram a existência de casos semelhantes na família, sendo que dois destes pertenciam à mesma (mãe e filho).

Sintomas e/ou alterações neurológicas foram identificados apenas em nove pacientes (Quadro 3).
A ocorrência de alterações neurológicas, não auditivas, não se relacionou com a presença de história familiar. Os sintomas neurológicos não auditivos iniciaram no período de seis a 36 meses após o início da queixa auditiva (média de 18 meses).

Três pacientes apresentaram quadro clínico compatível com neuropatia sensório-motora hereditária (doença de Charcot-Marie-Tooth), inclusive com redução da velocidade de condução neural na eletromiografia. Embora não haja história familiar, devemos manter esta hipótese até que se realize estudo genético.

A análise perceptual da voz foi realizada em 16 casos. Tal procedimento mostrou resultados muito interessantes e, posteriormente, será motivo de descrição detalhada.

A avaliação sérica não revelou alterações em qualquer paciente. A análise do líquido cefalorraquidiano foi anormal em um caso, com elevação do nível protéico pouco acima do limite máximo da normalidade.

A tomografia computadorizada de crânio e tronco encefálico evidenciou alteração do corpo caloso em uma paciente, com redução do volume de seu corpo, sugerindo atrofia (ressonância magnética mostrou a mesma anormalidade). Esta alteração não guarda relação direta com a alteração auditiva. Nenhuma anormalidade foi observada em exames por imagem nos outros 29 pacientes (29 por tomografia computadorizada e nove por ressonância magnética).



Quadro 1. Dados da anamnese estudados.



Quadro 2. Exames laboratoriais realizados.



Quadro 3. Ocorrência e tipo de alteração neurológica não auditiva.



Audiometria tonal e índice de reconhecimento de fala

Os 30 pacientes apresentaram elevação dos limiares auditivos sem configuração de gap aéreo-ósseo.
A alteração auditiva mostrou-se simétrica ou muito semelhante em todos os casos, sendo predominantemente leve ou moderada (Figuras 1.1 e 1.2).

Apesar da grande variação, o perfil da curva dos limiares tonais foi avaliado: em seis pacientes constatamos uma curva tonal plana, enquanto que nos outros 24 casoso perfil foi ascendente. Em nenhum exame foi observado perfil descendente.

A execução dos testes de fala foi muito difícil e a obtenção do limiar de recepção muitas vezes não foi possível. Apresentamos os resultados do índice de reconhecimento de fala com vocábulos dissílabos, divididos em três categorias: até 44%, de 48 a 84% e melhores que 88% (Gráficos 3.1 e 3.2).

Devemos lembrar que muitos pacientes já nos procuraram portando avaliações auditivas prévias, alguns com mais de duas, em que os resultados variavam significativamente. Em alguns, curiosamente, havia observações do examinador em relação à "falta de colaboração" do paciente, à sua "predisposição em não responder às perguntas" ou "não repetir as palavras".

O resultado obtido na audiometria tonal e testes de fala dependeu principalmente da forma com que se apresentou o estímulo auditivo, sendo geralmente necessário um espaçamento temporal maior entre os tons puros - e mantê-los por um período mais prolongado. Quando se realizava o teste na velocidade habitual, a resposta se tornava pior e inconsistente, com muitos falso-negativos. Outra peculiaridade encontrada durante a realização do exame foi uma dificuldade nitidamente maior em reconhecer os tons puros de baixa freqüência, enquanto que os limiares dos estímulos de média e alta freqüência eram obtidos mais facilmente.

Em 1995 foram realizados cerca de 2.360 exames audiométricos em pacientes com idade acima de sete anos, no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo. Deficiência auditiva neurossensorial foi detectada em 869 desses exames. No mesmo ano, foram diagnosticados 11 novos casos de neuropatia auditiva. Dessa forma, observamos que a ocorrência da neuropatia auditiva corresponde a cerca de 1,26% dos casos de deficiência auditiva neurossensorial em nosso meio. Este valor deve ser visto apenas como aproximação, pois alguns pacientes foram submetidos à avaliação audiológica mais de uma vez, e não relatamos os casos ocorridos em criançasmenores (onde não se realizou audiometria com fones). É rara a observação de estimativas sobre incidência da neuropatia auditiva na bibliografia consultada.

Imitanciometria

Todos os pacientes apresentaram curva timpanométrica do tipo A. Os resultados em relação à presença do reflexo do músculo do estribo contra-lateral estão ilustrados nos Gráficos 4.1 e 4.2. As Tabelas 1.1 e 1.2 mostram a relação entre a intensidade do estímulo (nível de sensação em dB) e a obtenção do reflexo contra-lateral.

A presença de reflexo do músculo do estribo foi mais freqüente em 500 e 1.000 Hz, em contraste com os limiares tonais, mais elevados, obtidos nestas freqüências.

O fenômeno do recrutamento auditivo, situação em que há uma recuperação da sensação auditiva conforme aumentamos a intensidade do estímulo em pacientes com alterações sensoriais da audição, é muitas vezes identificado pelo cálculo da diferença entre o limiar tonal e a intensidade sonora mínima necessária para a obtenção do reflexo do músculo do estribo. Pudemos observar que, em pelo menos 13 situações, a ocorrência do reflexo poderia ter essa conotação.

Entretanto, não encontramos os sinais e sintomas geralmente relacionados ao recrutamento; e, inclusive, pudemos observar que a maioria não referiu desconforto quando pesquisamos a presença do reflexo do músculo do estribo, mesmo em fortes intensidades. Além disso, muitos pacientes não conseguiram definir a melhor intensidade para a pesquisa do índice de reconhecimento de fala, contrastando com a pequena faixa de intensidade de conforto encontrada nos pacientes recrutantes.

Potenciais auditivos evocados de tronco encefálico

Todos os pacientes apresentaram alterações que variaram entre presença parcial e ausência de potenciais (Gráfico 5).

A pesquisa dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico usa cliques, ruídos situados em espectro de freqüências de 1 a 4 kHz3. Geralmente, os limiares obtidos estiveram menos alterados nesse intervalo de freqüências; entretanto, as respostas estiveram comprometidas em 100% dos pacientes.

Emissões otoacústicas por produtos de distorção

Todos os pacientes apresentaram respostas com amplitudes dentro dos parâmetros de normalidade nas freqüências pesquisadas. A presença de EOAPD é traduzida como presença de células ciliadas externas com função preservada.

Muitos autores sugerem que a disfunção auditiva tenha sua origem após as células ciliadas externas, nas células ciliadas internas, no nervo auditivo ou na sinapse entre esses elementos1,2,7,16,17.
Quando a diferença entre o limiar auditivo e o nível de reflexo contra-lateral obtido é igual ou menor que 60dB, sugere-se que haja o recrutamento. A comparação entre os resultados de um teste, subjetivo (audiometria tonal), e outro, objetivo (imitanciometria), pode ser crítico. O desenvolvimento de técnicas de avaliação do fenômeno do recrutamento a partir do estudo das emissões otoacústicas pode ser o caminho para esclarecer esta questão.



Gráfico 1. Idade no início da queixa auditiva.



Gráfico 2. Tipo de instalação dos sintomas auditivos.



Gráfico 3. Presença e tipo de zumbido referido.



Figuras 1.1 e 1.2. Curvas das audiometrias tonais e médias das orelhas direita e esquerda, respectivamente.



Gráficos 3.1 e 3.2. Resultados da pesquisa do índice de reconhecimento de fala com vocábulos dissílabos, nas orelhas direita e esquerda, respectivamente.



Gráficos 4.1 e 4.2. Presença do reflexo do músculo do estribo nas diferentes freqüências, nas orelhas direita e esquerda, respectivamente.



Gráfico 5. Resultados da pesquisa dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico.



Discussão

A investigação científica acerca da neuropatia auditiva é bastante ampla. Muitos autores têm se dedicado ao estudo dos diversos desdobramentos que o assunto permite.

O diagnóstico etiológico encontra forte cunho genético quando observamos a descrição de séries de casos em uma mesma família, particularmente nas ciganas européias2, geralmente associado à doença de Charcot-Marie-Tooth. Entretanto, também são descritas séries em que, na maioria dos casos, não há associação familiar nem alteração neurológica adicional5,12,17.

A época de início da neuropatia auditiva já divide os afetados em dois grandes grupos: antes e depois do desenvolvimento da fala1, cuja aquisição pela criança com neuropatia auditiva é muito difícil, não só pelo transtorno auditivo, mas também porque nessa faixa etária são comunsas etiologias vinculadas às complicações da gestação, parto e período neonatal como, por exemplo, a hiperbilirrubinemia1,4,12. Essas situações podem ser acompanhadas por alterações cerebrais de tipo e intensidade variáveis, e encontramos incidência maior da associação da neuropatia auditiva e outros problemas neurológicos neste grupo. Temos acompanhado em nosso ambulatório um grupo de crianças com esse tipo de alteração auditiva, as quais serão descritas em outra oportunidade.

O diagnóstico topográfico da lesão é pesquisado e encontra vários detalhamentos e teorias; porém, os autores são unânimes em localizar a lesão entre as células ciliadas internas e a porção distal do nervo auditivo1,2,4,5,7,9,12,16,17. A ausência do efeito de supressão das emissões otoacústicas e a do reflexo do músculo do estribo sugerem que haja comprometimento do nervo periférico. Hallpike6 descreve uma cóclea normal em meio a um tronco encefálico e nervo auditivo extremamente comprometidos no resultado de necrópsia em paciente cujo quadro clínico sugeria a presença de neuropatia auditiva; Horoupian8 descreve situação semelhante em outra paciente com história familiar de comprometimento neurológico progressivo associado a deficiência auditiva. Spoendlin15 apresentou dois pacientes com ataxia de Friedrich e deficiência auditiva de percepção, em que a curva tonal mostrou elevação dos limiares nas freqüências baixas, e o estudo anátomo-patológico dos ossos temporais revelou cócleas preservadas e redução extrema das fibras nervosas do tipo I, preferencialmente nas espiras apicais. O autor relacionou diretamente estes achados e concluiu que deficiências auditivas em baixas freqüências sugeririam alteração primária do nervo auditivo.

Berlin1 acredita que o termo neuropatia auditiva deva ser substituído por dessincronia auditiva, uma vezque a transmissão do estímulo falha em produzir despolarização uniforme suficiente para que se obtenham os potenciais auditivamente evocados de tronco encefálico; mas, apesar disso, atinge o córtex auditivo (representado pela presença do P300). Outros autores também encontraram potenciais auditivos de longa latência, com características, normais, em pacientes portadores de neuropatia auditiva10,16,17.

É também uniforme a opinião desfavorável da comunidade científica em relação ao uso de aparelhos de amplificação sonora individual como parte do programa de reabilitação destes pacientes, uma vez que as estruturas auditivas amplificadoras estão íntegras (a presença de EOAPD com amplitudes normais sugere a presença de células ciliadas externas com função preservada). Alguns defendem a utilização de apoio visual no desenvolvimento da linguagem de crianças portadoras da neuropatia auditivae, em casos especiais (desempenho muito pobre e evolução lenta), sugerem a realização de implante coclear, na tentativa de melhorar a sincronização dos estímulos auditivos que partem da orelha interna para o nervo auditivo, descrevendo bons resultados (poucos casos)1. Miyamoto9 comparou o resultado do implante coclear realizado numa criança portadora de neuropatia auditiva com os de num grupo de mesma faixa etária, com alteração sensorial. Constatou que o ganho no reconhecimento de consoantes e de palavras, em conjunto aberto, foi muito menor na criança com neuropatia auditiva, e fez ressalvas quanto à utilização do implante nestes pacientes. Não há, entretanto, trabalhos prospectivos que determinem ou sugiram uma estratégia de reabilitação ótima. É natural que estes trabalhos demorem a surgir, visto que existe ainda um pequeno número de casos diagnosticados em todo o mundo. A publicação de séries também permite conclusões; porém, com menor grau de confiabilidade, com direta relação ao tamanho da amostra avaliada. São poucos os estudos com séries numerosas que permitem descrição ou sugestão de um padrão clínico para o portador de neuropatia auditiva, o que poderia facilitar o diagnóstico. Starr17 encontrou em série de 10 pacientes com diagnóstico de neuropatia auditiva 100% com idade menor que 30 anos no início dos sintomas; audiometria tonal com 50% de curvas ascendentes e elevações dos limiares variando entre deficiências moderadas a severas; inteligibilidade de fala muito comprometida naqueles testados; 100% com ausência de reflexos do músculo do estribo; presença de P300 nos três pacientes submetidos ao teste; exames de imagem sem alterações que pudessem ser relacionadas com quadro auditivo e 30% com diagnóstico neurológico estabelecido (doença de Charcot-Marie-Tooth, tipos I e II).

Em nossa série, encontramos dados bastante semelhantes, e acrescentamos algumas informações que podem auxiliar na identificação dos pacientes com neuropatia auditiva.

Acreditamos que o termo neuropatia auditiva deva ser interpretado como um diagnóstico sindrômico, visto que se refere a uma disfunção que pode ter etiologias diversas, diferentes graus e variados níveis de comprometimento, servindo como ponto de partida para a investigação específica.

Comentários finais

Acreditamos que os resultados da audiometria tonal refletem uma dificuldade na identificação do tom apresentado, como os próprios pacientes descrevem, não devendo ser interpretados como redução do número de células ciliadas externas e conseqüente perda desensibilidade auditiva. O perfil da curva tonal, a inteligibilidade pobre e a possível incoerência da presença do reflexo do músculo do estribo, em conjunto ou separadamente, em paciente cuja queixa é "não entender a fala das pessoas", são sinais evidentes da presença de neuropatia auditiva em nossa experiência.

Este relato descreve 30 casos de neuropatia auditiva desenvolvida em indivíduos após o desenvolvimento da fala, onde observamos a presença marcante de um tipo de queixa auditiva e um desenho peculiar na avaliação auditiva básica.

Nossa sugestão é que, na vigência desta situação, o paciente seja encaminhado para avaliação complementar.

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1 Pós-Graduando em Nível de Mestrado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
2 Chefe do Setor de Audiologia Clínica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
3 Fonoaudióloga Responsável pelo Setor de Emissões Otoacústicas do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
4 Segundo Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professor Instrutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
5 Professor Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas e Irmandade da Santa Casa de São Paulo.

Endereço para correspondência: Osmar Mesquita de Sousa Neto - Rua Professor Artur Ramos, 183, Cjto. 31 - 01454-011 São Paulo /SP - Telefone/Fax: (0xx11) 3813-5501.
E-mail: mesquitaneto@uol.com.br

Artigo recebido em 20 de fevereiro de 2001. Artigo aceito em 19 de março de 2001.

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