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Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 615 a 618

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Análise histológica de 24 tonsilas faríngeas de pacientes submetidos à adenoidectomia ou à adenoamigdalectomia

Histological analysis of 24 pharyngeal tonsils from pacients submitted to adenoidectomy or adenoamigdalectomy

Autor(es): Adriana L. Alves 1,
Wanessa A. R. Scala 2,
Mirna D. Barros 3,
José E. L. Dolci 4

Palavras-chave: tonsila faríngea, epitélio, histologia

Keywords: pharyngeal tonsils, epithelium, histology

Resumo:
Introdução: O epitélio que reveste a tonsila faríngea é descrito como epitélio colunar pseudoestratificado ciliado com células caliciformes. Forma de Estudo: Experimental. Objetivo: Descrição dos tipos de epitélio de revestimento de tonsilas faríngeas e a freqüência de ocorrência destes diferentes tipos. Material e Método: Foram analisados cortes histológicos de 24 tonsilas faríngeas obtidas de adenoidectomia ou adenoamigdalectomia, em crianças de três a sete anos, no Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de São Paulo. Resultados: Apenas 4,15% das tonsilas apresentaram epitélio de revestimento do tipo colunar pseudoestratificado ciliado com células caliciformes de ocorrência exclusiva; 4,15% apresentaram epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado exclusivamente; 41,70% dos casos estudados apresentaram predominância de epitélio colunar pseudoestratificado ciliado com células caliciformes com áreas de epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado; 50% da amostra apresentou predominância de epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado com áreas de epitélio colunar pseudoestratificado ciliado com células caliciformes. Conclusão: Nas tonsilas faríngeas estudadas o revestimento de epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado com áreas de epitélio colunar pseudoestratificado ciliado com células caliciformes foi o de maior ocorrência.

Abstract:
Introduction: The epithelium of pharyngeal tonsil is described mostly as a pseudostratified columnar ciliated epithelium with globet cells. Study design: Experimental. Objective: Description of the types of overlay epithelium of pharyngeal tonsils and the frequency of occurrence of these diferent types. Material and Method: Histological study of twenty-four pharyngeal tonsils from children three to seven years old to adenoidectomy or adenoamigdalectomy inthe Departament of Otorrinolaringology, Irmandade da Santa Casa de São Paulo. Results: Only 4,15% of the tonsils presented the pseudostratified columnar ciliated epithelium with globet cells like covering epithelium of exclusive occurrence; 4,15% presented exclusively stratified squamous nonkeratinized epithelium; 41,70% of all observeded tonsils showed predominance of pseudostratified columnar ciliated epithelium with globet cells with some areas of stratified squamous nonkeratinized epithelium; 50% of the observed sampleshowed predominance of stratified squamous nonkeratinized epithelium with some areas of pseudostratified columnar ciliated epithelium with globet cells. Conclusion: The studied pharyngeal tonsils presented the stratified squamous nonkeratinized epithelium with areas of pseudostratified columnar ciliated epithelium with globet cells as the most frequent epithelium of linining.

INTRODUÇÃO

As tonsilas são agregados encapsulados incompletos de nódulos linfóides, dispostos abaixo e em contato com o epitélio das porções iniciais do trato digestivo e respiratório. De acordo com sua localização, podem ser denominadas: palatinas, lingual e faríngea. Por estarem interpostas no caminho dos antígenos aspirados ou ingeridos, têm importante papel na resposta imune1.

As tonsilas palatinas são bilaterais e estão localizadas no limite entre a cavidade oral e a orofaringe. A região mais profunda de cada tonsila palatina é isolada do tecido conjuntivo circundante por uma cápsula fibrosa e densa. A região superficial das tonsilas palatinas está coberta por um epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado formando de 10 a 20 criptas profundas que se invaginam no parênquima, sendo esse constituído por numerosos nódulos linfóides muitos dos quais com centros germinativos. A presença desses centros é indicativa de formação de linfócitos B2.

Na parede póstero-superior da nasofaringe identifica-se uma saliência também constituída de tecido linfóide, a tonsila faríngea (amígdala faríngea de Luschka). Particularmente no primeiro e segundo anos de vida, a tonsila faríngea pode se hipertrofiar em uma massa considerável (vegetação adenóide), chegando ao seu tamanho máximo entre 4 e 7 anos de idade e iniciando sua regressão entre 12 e 13 anos de vida. Acima da tonsila faríngea, na linha mediana, pode ocorrer uma depressão irregular da mucosa estendendo-se superiormente até o processo basilar do osso occipital2.

Do ponto de vista histológico, a tonsila faríngea assemelha-se às tonsilas palatinas, mas sua cápsula é incompleta e mais delgada. Não há criptas, mas sim pregas longitudinais rasas, denominadas de dobras. Ductos de glândulas seromucosas abrem-se na base destas dobras. A superfície mais superior da tonsila faríngea é revestida por epitélio pseudoestratificado colunar ciliado, mesclado com placas de epitélio estratificado pavimentoso. Seu parênquima é constituído de nódulos linfóides com centros germinativos ocasionais3.

Quanto à função do epitélio da tonsila faríngea, acredita-se haver afinidade entre células produtoras de IgA e um componente secretor que estaria presente apenas neste epitélio e não no epitélio das tonsilas palatinas4.

As tonsilas linguais, situadas na base da língua, assemelham-se às palatinas, porém não são envolvidas por cápsula3.

As tonsilas palatinas formam-se a partir do segundo par de bolsas faríngeas. O endoderma da segunda bolsa forma o epitélio que reveste as tonsilas e as criptas. Com 20 semanas, o mesênquima ao redor das criptas diferencia-se no tecido linfóide, que se organiza nos nódulos linfáticos desta tonsila5. As tonsilas faríngeas, por sua vez, originam-se de um agregado de linfonodos na parede de nasofaringe6.

Na literatura, o epitélio de revestimento da tonsila faríngea é descrito como epitélio respiratório, isto é, epitélio pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes1,3.

O objetivo deste trabalho é a análise morfológica do epitélio de revestimento e a freqüência de sua ocorrência nas tonsilas faríngeas retiradas de pacientes submetidos a adenoidectomias ou adenoamigdalectomias.

MATERIAL E MÉTODO

Foram analisadas 24 tonsilas faríngeas obtidas de pacientes com idade de três a sete anos, submetidos à adenoidectomia ou à adenoamigdalectomia, no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo, no período de agosto de 2000 a maio de 2001. Destas crianças, 10 eram do sexo feminino e 14 do sexo masculino.

A exérese das tonsilas faríngeas foi realizada por adenoidectomia com cureta de Beckman. As tonsilas, logo após a exérese, eram colocadas em vidros não estéreis com formol a 10%, sendo então encaminhadas para análise ao Departamento de Morfologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

As tonsilas faríngeas foram fixadas em formol a 10% por 24 horas. Após desidratação foram incluídas em parafina, sendo então realizados cortes seriados com espessura de 5µm. Os cortes desparafinizados foram corados por Hematoxilina-Eosina (H.E.) (Behmer et al., 1996)7 e observados em microscópio óptico.


Figura 1a. Corte histológico de tonsila faríngea revestida por epitélio pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes - HE. Aumento de 200 vezes.


Figura 1b. Corte histológico de tonsila faríngea revestida por epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado - HE. Aumento de 200 vezes.


RESULTADOS

Foram observados dois tipos epiteliais de revestimento das tonsilas faríngeas estudadas: epitélio pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes (Figura 1a) e epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado (Figura 1b).

Estes tipos epiteliais apresentaram-se recobrindo o tecido linfóide de modo exclusivo ou combinado. Com base nestes resultados, foram descritos quatro grupos apresentados na Tabela 1.

Tanto o grupo A (epitélio pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes, exclusivo) quanto o B (epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado, exclusivo) ocorreram na mesma porcentagem (4,15%). A maior porcentagem (50%) foi encontrada no grupo D (predomínio do epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado), seguida da ocorrência no grupo C (predomínio do epitélio pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes) (41,7%). (Gráfico 1).


Tabela 1. Diferentes grupos de tonsilas faríngeas quanto ao tipo e ocorrência do epitélio de revestimento.


Gráfico 1. Porcentagem dos diferentes grupos de tonsilas faríngeas quanto ao tipo do epitélio de revestimento.


DISCUSSÃO

Os dados obtidos neste estudo não estão de acordo com a descrição encontrada na literatura do epitélio das tonsilas faríngeas, evidenciando predominância do epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado, ao contrário do esperado que seria o epitélio pseudoestratificado colunar ciliado.

Com relação à obtenção das tonsilas faríngeas analisadas, devemos lembrar que os pacientes submetidos à adenoidectomia ou à adenoamigdalectomia apresentavam quadro clínico que levou à indicação cirúrgica, sofrendo ação de fatores como processos infecciosos de repetição e de outras agressões sobre o tecido tonsilar, que podem ter levado a alterações do epitélio, como a metaplasia.

A possibilidade de fatores agressivos desencadearem metaplasia epitelial já foi descrita para o epitélio dos cornetos nasais8 e das tonsilas palatinas4. A inflamação de repetição produziria metaplasia no epitélio das criptas das tonsilas palatinas4.

O epitélio nasal considerado normal, isto é, pseudoestratificado cilíndrico ciliado com células caliciformes, raramente permanece normal devido às múltiplas agressões, tais como: temperaturas extremas, processos infecciosos, poluição de todos os tipos e traumas. Essas agressões levam à diminuição dos cílios onde há impacto do ar, além do aumento do número de células caliciformes e de células inflamatórias. A metaplasia escamosa encontrada nesses casos tem início descrito na infância e vai aumentando, sendo esse um fenômeno normal como resposta protetora às influências externas8.

As alterações da mucosa nasal resultantes de infecções virais apresentam maior destruição dos cílios do que as alterações encontradas nos casos de rinite alérgica8. Além disso, a própria inalação contínua do ar poderia levar a alterações no epitélio nasal de pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes para estratificado cubóide e posteriormente para estratificado pavimentoso8.

O fluxo aéreo nasal inspiratório, ou seja, o ar não condicionado, é descrito como o provável fator determinante das alterações metaplásicas do epitélio respiratório nasal, sendo que existe uma relação direta entre idade, poluição, infecções e/ou outros fatores agressivos com a maior freqüência e graus de metaplasia9.

O epitélio nasal tende a ser mais do tipo respiratório na região posterior da fossa nasal9. Diante deste achado, o fluxo aéreo nasal inspiratório não poderia ser considerado como fator causador da metaplasia encontrada no epitélio da tonsila faríngea, uma vez que a mesma estaria numa posição mais porterior que os cornetos nasais e conseqüentemente menos expostas às agressões pelo fluxo aéreo.

Assim, pode-se inferir a importância das infecções também nas alterações do epitélio das tonsilas faríngeas dos pacientes adenoidectomizados.

É importante ressaltar a dificuldade de se encontrar na literatura estudos que analisem o epitélio da tonsila faríngea de forma mais ampla, mostrando as diferenças encontradas na prática diária em relação à descrição clássica do epitélio. Ainda mais escasso é o estudo das prováveis causas que justificariam essa variação de epitélios encontrada nos dados apresentados neste trabalho.

Futuros estudos histológicos de tonsilas faríngeas de pacientes recém-nascidos sem histórico infeccioso, ou de natimortos que, além de não apresentarem comprometimento infeccioso também não teriam a influência da passagem do fluxo aéreo sobre o epitélio da tonsila faríngea, poderão elucidar qual o epitélio de revestimento original mais freqüente, a ocorrência de metaplasia e os possíveis fatores envolvidos neste processo.

CONCLUSÃO

O epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado com áreas de epitélio pseudoestratificado colunar ciliado com células caliciformes é o epitélio de ocorrência mais freqüente nas tonsilas faríngeas analisadas diferentemente do apontado nos dados da literatura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Gartner LP, Hiatt JL. Tratado de histologia em cores. 1ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A.; 1999. p. 234.
2. Lopes Filho O, Campos CH. Tratado de otorrinolaringologia. 1ª ed. São Paulo: Editora Roca; 1994.
3. Junqueira LC, Carneiro J. Histologia básica. 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A.; 1999. p. 242-243.
4. Freitas LPS. Análise de estudos sobre histologia e ultra-estrutura do epitélio da cripta tonsilar. São Paulo, 1997; p. 14. (Dissertação apresentada ao curso de pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo para obtenção do título de mestre em Medicina).
5. Langman J. Embriologia médica. 3ª ed. São Paulo: Livraria Atheneu Editora; 1996. p. 231.
6. Moore KL. Embriologia clínica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A; 1996. p. 259.
7. Behmer OA, Tolosa EMC, Freitas AG de Neto. Manual de técnicas para histologia normal e patológica. São Paulo: EDART; 1976. p.239.
8. Dolci JEL. Modelo estrutural e ultra-estrutural do epitélio da mucosa da concha nasal inferior de pacientes portadores de rinite alérgica. São Paulo, 1994; p. 5-35 (Tese apresentada à Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de doutor em Medicina).
9. Lopes Filho O, Bussoloti Filho I. Anatomofisiologia clínica e cirúrgica do nariz e cavidades paranasais. 1a ed. São Paulo: Fundo Editorial BYK; 1998. p. 19.




1 Pós-graduanda do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (I.S.C.M.S.P.).
2 Residente do 2º ano do Departamento de Otorrinolaringologia da I.S.C.M.S.P.
3 Professora adjunta do Departamento de Morfologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (F.C.M.S.C.S.P.).
4 Professor assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da I.S.C.M.S.P.

Instituição: Departamentos de Otorrinolaringologia da I.S.C.M.S.P. e de Morfologia da F.C.M.S.C.S.P.

Endereço para correspondência: Adriana L.Alves - Rua João Clímaco Pereira, 46 São Paulo SP 04532-070
Tel/Fax: (0xx11) 3849.0543 - E-mail: adrialves@yahoo.com

Trabalho apresentado no II Congresso Triológico de ORL, em Goiânia/GO, em agosto de 2001.

Artigo recebido em 01 de julho de 2002. Artigo aceito em 1 de agosto de 2002.

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