Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 4 - Julho - Agosto - (22º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 593 a 596
TÉCNICA DE CORREÇÃO DE HIPERNASALIDADE CAUSADA POR ADENOIDECTOMIA
MANAGEMENT OF HIPERNASALITY CAUSED BY ADENOIDECTOMY
Autor(es):
* Patrícia Junqueira;
** Ana Cristina N. Vaz;
*** Claudia Peyres López;
**** Shirley N. Pignatari;
***** Luc Louis Maurice Weckx
Palavras-chave: adenoidectomia, hipernasalidade, fonoterapia
Keywords: adenoidectomy, hipernasality, and speech therapy
Resumo:
A tonsila faríngea quando aumentada, pode causar obstrução nas vias aéreas superiores e levar à respiração bucal de suplência1. Em alguns casos adenoidectomia e/ou adenoamigdalectomia são indicadas para remoção do fator obstrutivo, possibilitando a respiração nasal. Temos observado que algumas crianças mesmo sem apresentar queixas e/ou alterações vocais no período pré-operatório, desenvolvem uma qualidade vocal hipernasal após adenoidectomia12. Este artigo tem como objetivo descrever um caso de hipernasalidade após adenoidectomia e relatar o tratamento fonoaudiológico, bem como, os possíveis riscos e seqüelas após o procedimento cirúrgico.
Abstract:
Hipertrophic adenoid is a frequent cause of obstruction of the upper respiratory tract and may lead to a mouth breathing condition. in some cases, surgical procedures such as adenoidectomy and or tonsillectomy are necessary to reestablish the nasal breathing. We have observed that following adenoidectomy, many children present with vocal hipernasality, even when there is no previous history or complains.In this paper, the authors describe a case of severe hipernasality following adenoidectomy, as well as detailed steps of the speech therapy approach. The risks and sequelae of this vocal condition related to adenoidectomy are also discussed.
INTRODUÇÃO
A primeira infância tem sido marcada como uma etapa de ocorrência de problemas respiratórios, principalmente pelo aumento das tonsilas faríngeas e/ou palatinas comum em crianças pequenas.
Devido à sua localização, a tonsila faríngea quando aumentada, pode causar obstrução nas vias aéreas superiores e levar à respiração bucal de suplência1. Em alguns casos adenoidectomia e/ou adenoamigdalectomia são indicadas para remoção do fator obstrutivo, possibilitando a respiração nasal.
No ambulatório da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP/EPM temos realizado avaliação fonoaudiológica nas crianças submetidas a adenoidectomia e/ou amigdalectomia no período pré e pós-cirúrgico. Temos observado que algumas crianças mesmo sem apresentar queixas e/ou alterações vocais no período pré-operatório, desenvolvem uma qualidade vocal hipernasal após adenoidectomia12.
Esta hipernasalidade apresentada por certos pacientes tende a diminuir e até desaparecer espontaneamente ao longo dos primeiros meses após a cirurgia. Alguns autores 1,2,13 atribuem tal fato ao tipo de fechamento velofaríngeo apresentado pela criança, onde o contato velar faz-se com o tecido linfóide. Assim sendo, quando este tecido é retirado, o diâmetro da nasofaringe é aumentado e os músculos do mecanismo velofaríngeo precisam realizar uma função compensatória de estiramento velar para impedir o escape de ar pelo nariz.
Nossa experiência no atendimento a pacientes no período pós-operatório de adenoidectomia tem mostrado que grande parte dos pacientes que apresentam voz hipernasal neste período tendem a melhora espontânea em média após três meses da data da cirurgia1,2,13 . Entretanto, observamos durante o acompanhamento desses indivíduos, uma paciente que mesmo após esse período, permaneceu com hipernasalidade vocal.
O objetivo deste artigo é descrever o caso clínico dessa paciente para que com estas informações, os profissionais de saúde que acompanham pacientes portadores de respiração bucal com indicação para adenoidectomia, possam identificar e diagnosticar possíveis riscos e seqüelas para o paciente, adotando assim uma conduta mais adequada nestes casos.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
K.C.M., do sexo feminino, com 7 anos de idade apresentou-se ao Ambulatório de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP-EPM com queixa de dificuldades respiratórias. Após exame clínico e nasolaringoscópico foi feita a indicação de retirada das tonsilas faríngeas. Não foram encontradas alterações estruturais quanto ao mecanismo do Esfíncter Velofaríngeo.
Na avaliação fonoaudiológica realizada no período pré-operatório, foram observados respiração bucal, hipotonia de lábios, língua e bochechas, postura em repouso de lábios abertos e língua no soalho bucal. A fala caracterizou-se pela omissão dos grupos consonantais e pela presença de indefinição articulatória, ou seja, o articulador móvel (no caso a mandíbula) não tocou com precisão o articulador passivo. Não foram encontradas alterações quanto à qualidade vocal.Quanto aos dados da história pregressa, a mãe negou episódios de refluxo nasal de alimentos ou alteração da ressonância de voz.
Após um mês do procedimento cirúrgico foi realizada re-avaliação onde foram identificadas a respiração nasal, a postura adequada de lábios e língua e presença de hipernasalidade na voz de grau leve para moderado. As alterações de fala permaneceram e a mãe da paciente referiu que após a cirurgia sua filha apresentou voz "fanhosa".
Deste modo foi realizado um exame nasolaringoscópico que revelou padrão de fechamento velofaríngeo do tipo circular com "gap" na região central (Figura 1). Não foram encontradas outras alterações estruturais.
Após três meses a paciente foi reavaliada e observou-se que o padrão vocal hipernasal permanecia o mesmo. Assim sendo, foi indicada a realização de fonoterapia com o objetivo de instalar os sons que estavam sendo omitidos (grupos consonantais), aumentar a precisão dos movimentos necessários para a produção dos sons de fala, e direcionar o fluxo aéreo oral para a cavidade bucal, como preconizado por Altmann (1997) para minimizar a hipernasalidade vocal.
Ao se adequar os pontos articulatórios e direcionar o fluxo de ar para a cavidade da boca, ocorre uma maior movimentação muscular de toda a região velofaríngea2. Deste modo, o fechamento do esfíncter é facilitado e a hipernasalidade tende a diminuir ou mesmo ser eliminada.
As sessões de terapia foram realizadas por quatro meses com periodicidade semanal, sendo cada sessão de trinta minutos de duração. Nessas, utilizou-se como meio o procedimento preconizado por Altmann (1985) denominado de "Terapia Articulatória de Fluxo Aéreo Oral" que tem como princípio a colocação de fluxo aéreo bucal em todos os sons da fala. Para tanto foi utilizado um aparelho denominado "scape scope" que consiste num cilindro de vidro com uma pequena bola de isopor no seu interior. A este cilindro está acoplado um pedaço de garrote. Seu objetivo é captar qualquer fluxo de ar que penetre no cilindro de vidro fazendo a bolinha subir, facilitando desta maneira, a percepção por parte do paciente do fluxo aéreo bucal a ser utilizado para a produção dos sons de fala2 . Foi solicitado à mãe que realizasse com a criança os exercícios propostos em casa com o objetivo de que os movimentos obtidos de forma dirigida pudessem ser incorporados ao padrão espontâneo de produção de fala.
Ao fim deste período foi observado melhora significativa na produção articulatória tendo a paciente incorporado em sua fala os sons trabalhados, bem como uma diminuição significativa da hipernasalidade vocal. A avaliação nasolaringoscópica realizada na ocasião da alta mostrou fechamento satisfatório do esfíncter velofaríngeo, conforme figuras 1 e 2.
Figura 1 - Imagem obtida de exame nasofibroscópico de paciente, durante a emissão prolongada do fonema /s/, período pré-operatório de adenoidectomia, onde se vê fechamento velofaríngeo do tipo circular com "gap" na região central.
Figura 2 - Imagem obtida de exame nasofibroscópico de paciente, durante a emissão prolongada do fonema /s/, período pós-operatório de adenoidectomia, onde se vê fechamento satisfatório do esfíncter velofaríngeo.
DISCUSSÃO
O fechamento normal do mecanismo velofaríngeo ocorre principalmente, com o movimento do músculo elevador para trás e para cima em direção à parede posterior da faringe. Pode haver também a participação da musculatura lateral da faringe proporcionada pela ação do músculo constritor da faringe, em alguns tipos de fechamento. Na criança este tipo de fechamento dá-se pelo estreito contato do músculo elevador do véu com a tonsila faríngea, aderida à parede posterior da faringe, ou ainda, do véu e das paredes laterais com estas1.
A involução das tonsilas, conjuntamente com o crescimento para baixo e para frente da maxila em relação à base do crânio, forçam o Esfíncter Velofaríngeo (EVF) a uma adaptação gradual.
Porém, tal adaptação nem sempre ocorre, havendo casos onde há o aparecimento de uma Insuficiência Velofaríngea (IVF) com conseqüente hipernasalidade na voz12. Quando a tonsila faríngea encontra-se hipertrofiada, muitas anormalidades estruturais do funcionamento velar podem não ser observadas. Dentre estas podemos citar: fissura submucosa, fissura submucosa oculta, problemas neurológicos, fechamento velofaríngeo inconsistente ou de origem funcional, anormalidades de base de crânio ou da coluna cervical, entre outros1,12 .
Quando há indicação de cirurgia para a retirada de tonsilas faríngeas, deve ser feito um exame minucioso do complexo velofaríngeo para identificar os casos considerados de risco para o desenvolvimento de fala hipernasal1. Um exame nasofaringoscópico cuidadoso para visualização da face nasal do véu deve ser realizado de rotina não só para identificar, localizar e medir escapes não perceptíveis pelo som da fala do paciente, como para descartar a existência de fissura submucosa oculta ou de palato em "V"1,3 .
Em alguns casos, a hipernasalidade no pós-operatório pode ocorrer mesmo sem ter encontrado qualquer fator de risco estrutural na avaliação pré-operatória, como no caso descrito, e somente 30% dos casos que apresentam hipernasalidade na voz após adenoidectomia, têm origem desconhecida3,8 . O tempo de recuperação espontânea também não é claro podendo se dar até um ano após a intervenção cirúrgica para a remoção das tonsilas4. Alguns estudos relatam os benefícios da terapia conservadora mas, quando a hipernasalidade se mantém, a indicação geralmente é cirúrgica como a colocação de cartilagem na parede posterior da faringe e, em último caso, a realização da faringoplastia5. No entanto, nossa experiência tem mostrado que esta recuperação ocorre em média até três meses após a cirurgia. Desta forma temos indicado após este período a terapia fonoaudiológica, com o objetivo de trabalhar o direcionamento do fluxo aéreo bucal para melhora da hipernasalidade vocal. Relatos na literatura sugerem que a hipernasalidade é mais comum em pacientes submetidos à adenoidectomia do que à amigdalectomia11, embora a incidência de adenoamigdalectomia seja 1:30006,14.
Vários estudos têm comprovado que o trabalho articulatório é capaz de influenciar de forma direta o fechamento do EVF7,9. Dentre as várias técnicas descritas está a "Terapia Articulatória de Fluxo Aéreo Oral" preconizada por Altmann (1997) que tem como objetivos a adequação dos contatos articulatórios e o direcionamento do fluxo de ar vindo dos pulmões para a cavidade da boca. As vantagens do emprego da técnica em casos de IVF são: diminuição da hipernasalidade e melhora do funcionamento do EVF2, o que foi observado no caso descrito neste estudo.
COMENTÁRIOS FINAIS
A hipernasalidade após a retirada das tonsilas faríngeas deve merecer a atenção dos profissionais de saúde pelo impacto que pode causar na comunicação dos pacientes submetidos a esse procedimento cirúrgico. Para tanto, a avaliação minuciosa do complexo velofaríngeo por equipe multidisciplinar adquire importância fundamental no período pré-operatório, principalmente quando houver suspeita de fissura submucosa, fissura submucosa oculta, problemas neurológicos, fechamento velofaríngeo inconsistente ou de origem funcional, anormalidades de base de crânio ou da coluna cervical, entre outros1,12. Além disso, torna-se fundamental que o profissional notifique aos pais e pacientes os riscos do aparecimento da hipernasalidade após a cirurgia.
A atuação fonoaudiológica no pós-operatório mostrou-se eficaz para orientação e tratamento do paciente aqui relatado.
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* Fonoaudióloga, Dra. em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP/EPM
** Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP/EPM
*** Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP/EPM
**** Professora Doutora em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM
***** Professor Livre Docente pela UNIFESP/EPM
Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina/SP
Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica
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