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Ano:  2012  Vol. 78   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (13º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 81 a 86

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Análise do pH salivar de indivíduos com Síndrome de Sjögren e refluxo laringofaríngeo

pH salivary analysis of subjects suffering from Sjögren's Syndrome and laryngopharyngeal reflux

Autor(es): Marco Antonio dos Anjos Corvo1; Claudia Alessandra Eckley2; Bianca Maria Liquidato3; Gustavo Leão Castilho4; Cibelle Nunes de Arruda5

Palavras-chave: doenças da laringe, refluxo gastroesofágico, saliva, xerostomia.

Keywords: gastroesophageal reflux, saliva, laryngeal diseases, xerostomia.

Resumo:
A saliva é fundamental para a homeostase digestiva. Alterações no seu volume e composição são correlacionadas com o refluxo laringofaríngeo (RLF). Estudos recentes demonstraram que pacientes com RLF apresentam acidificação do pH salivar. A síndrome de Sjögren (SS) foi eleita como modelo de hiposalivação, com objetivo de analisar as repercussões da diminuição salivar na laringe e faringe.
CASUÍSTICA E MÉTODO: Estudo clínico transversal de 19 sujeitos com SS e RLF comparados com 12 indivíduos saudáveis. Obtidas amostras de saliva total não estimulada (STNE) e saliva total estimulada por mastigação de parafilm M® (STE).
RESULTADOS: Todos os indivíduos eram mulheres, média de idade de 60 anos (estudo) e 44 anos. A prevalência de RLF foi 100%. O pH médio na STNE foi 7,53 (grupo estudo) e 7,57(controle), aumentando para 7,87 e 7,93, respectivamente, após estimulação mecânica. Não houve diferença significante de pH entre os grupos. O volume salivar médio dos pacientes com SS foi 1,27mL (STNE) e 3,78mL (STE), sendo o volume salivar do grupo controle significativamente maior (4,02mL na STNE e 11,96mL na STE).
CONCLUSÕES: Todos os indivíduos estudados apresentaram RLF, fato provavelmente relacionado à queda uniforme observada no volume salivar e de todos seus componentes, não sendo observadas mudanças no pH salivar no grupo estudado. Isso sugere fisiopatogenias diferentes do RLF para indivíduos com SS.

Abstract:
Saliva is one of the components for the digestive homeostasis. Recent studies have shown that patients with laryngopharyngeal reflux (LPR) present a drop in salivary pH. Patients with Sjögren´s syndrome (SS) are a potential clinical research model for xerostomia and its laryngeal and pharyngeal consequences. The aim was to evaluate the characteristics of saliva of patients with SS and LPR.
METHODS: 19 patients with SS plus LPR, and 12 healthy controls had their saliva studied prospectively for volume and pH. Two salivary samples were obtained from each participant: whole unstimulated saliva(WUS) and whole stimulated saliva(WSS) while chewing parafilm M®. All the participants were females.
RESULTS: Mean age was 60 years (study group) and 44 years (control). LPR was diagnosed on all 19 subjects. The mean pH of WUS was 7.53 (SS) and 7.57 (controls), raising to 7.87 and 7.83 respectively after stimulation. The mean salivary volume of patients with SS was 1.27 mL (WUS) and 3.78 mL (WSS), whereas controls had a significantly higher salivary volume both before and after stimuli.
CONCLUSION: A very high prevalence of LPR was found in patients with SS, which is probably caused by a uniform drop in salivary volume and all its contents, rather than a specific deficiency in its components, as shown previously in patients without SS.

INTRODUÇÃO

A saliva exerce fundamental participação na homeostase do sistema digestório, tanto por seu conteúdo inorgânico, composto por água e íons bicarbonato, principalmente, quanto por sua composição orgânico-proteica1. Dessa maneira, pode-se questionar o que uma situação clínica de xerostomia causaria nas funções básicas salivares de lubrificação do bolo alimentar, início da digestão enzimática, capacidade tampão e resposta imune local1. Estudos prévios indicam que o baixo volume salivar reduziria a eficácia do reflexo esôfago-salivar e poderia contribuir para a ocorrência de doenças orais, esofágicas e dispépticas2,3.

A xerostomia é definida como sensação subjetiva de boca seca (do grego xeros - seco e stomia - boca)4,5. Pode estar presente em diversas doenças, dentre as quais se destaca a síndrome de Sjögren (SS)1,4-10. De provável origem autoimune, a SS acomete glândulas exócrinas, que sofrem infiltração linfoplasmocitária progressiva e evoluem com falência funcional9,10. Sendo as glândulas salivares frequentemente acometidas pela infiltração, a doença é reconhecida por gerar xerostomia clinicamente notada9,10.

Alguns autores registraram haver maior prevalência da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) em populações com SS11-13. Com relação ao refluxo laringofaringeo (RLF), no entanto, os raros relatos apenas citam ser frequente a sua ocorrência nos sujeitos com SS, sem haver estudos específicos desenhados para estabelecer esta correlação14-17.

Para indivíduos sem xerostomia, Eckley & Costa18 observaram quedas significativas no pH e no volume salivar de pacientes com RLF, quando comparados a indivíduos normais. Além disso, estas alterações parecem ser resposta ao refluxo, e não deficiência primária, pois, após o controle da doença, os valores de pH e de volume salivar normalizaram-se19. Nos indivíduos com SS, entretanto, não se reconhece sob qual aspecto a saliva poderia interferir no equilíbrio do epitélio de revestimento do esôfago e da laringe. Haveria sofrimento tissular local simplesmente pela diminuição volumétrica do fluido salivar ou existiriam mudanças da composição salivar envolvidas na gênese e manutenção dos achados?

Nossa hipótese seria que alguma alteração específica na saliva de sujeitos com SS promoveria uma diminuição de proteção da laringe e da faringe, tornando alguns destes indivíduos mais susceptíveis ao RLF, tal qual parece ocorrer para sujeitos sem xerostomia18,20. A identificação precoce destes indivíduos de risco pelo estudo de suas características salivares seria, portanto, de elevada importância para a prevenção do surgimento de complicações relacionadas ao refluxo laringofaríngeo, incrementando a qualidade de vida de pacientes com síndrome de Sjögren.

O presente trabalho tem como objetivo comparar o volume e o pH salivar de indivíduos com síndrome de Sjögren e refluxo laringofaríngeo ao de indivíduos saudáveis.


MATERIAIS E MÉTODOS

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da instituição (projeto número 034/07), um total de 36 pacientes adultos com diagnóstico de síndrome de Sjögren foi estudado de forma transversal. Os pacientes foram selecionados de forma consecutiva e aleatória por convocação telefônica a partir de banco de dados dos ambulatórios de estomatologia de um hospital terciário universitário, no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2009. Foram admitidos todos os pacientes que se enquadraram nos critérios de inclusão e exclusão, após esclarecimento declarado sobre os objetivos, metodologia e riscos.

Os fatores de inclusão foram pacientes adultos, com hiposalivação e com diagnóstico confirmado de síndrome de Sjögren pelos critérios atuais de diagnóstico do grupo de consenso americano-europeu21.

Os fatores de exclusão foram outras condições que pudessem causar laringofaringite crônica, tais como: tabagismo, etilismo, exposição a químicos inalatórios abrasivos e rinossinusite alérgica ou infecciosa em atividade20. Além disso, foram desconsiderados pacientes incapazes de produzir volume salivar mínimo para coleta e análise bioquímica, casos de impossibilidade de suspensão de medicação pró-cinética ou inibidora de bomba de prótons, casos de pacientes submetidos à cirurgia de glândulas salivares, e casos de pacientes com lesões pré-neoplásicas ou neoplásicas da laringe e faringe (presentes ou previamente tratadas)18,20,22.

Do total de 36 pacientes com diagnóstico de SS inicialmente selecionados pelos critérios utilizados, 17 foram retirados do estudo pelas condições descritas na Tabela 1.




Os pacientes responderam a questionário minucioso sobre sintomas digestivos e laringofaríngeos sugestivos de DRGE e RLF, sendo posteriormente submetidos a exame otorrinolaringológico completo e videolaringoscopia rígida (sem uso de anestesia tópica). Foi utilizado o nasofibrolaringoscópio flexível somente nos casos de hiperreflexia ou incapacidade de visualização do seguimento pelo método de telescopia.

Duas amostras consecutivas de saliva total foram obtidas de cada participante: a primeira, de saliva total não estimulada (STNE) e a segunda, de saliva total estimulada (STE) mecanicamente por mastigação de fragmento de 25 cm2 de parafilm M® (Pechiney Plastic Packing Chicago, IL, EUA)23.

A coleta foi realizada sempre no período da manhã e com o paciente em jejum de no mínimo oito horas. O paciente era orientado a não escovar os dentes ou fazer uso de colutórios na manhã da coleta da saliva. O método de coleta foi obtido de acordo com o descrito anteriormente por Eckley et al.18-20.

As amostras de STNE e STE foram coletadas solicitando ao paciente "cuspir" livremente em um frasco coletor todo volume salivar produzido durante período de 10 minutos. Para preservar suas características reológicas e bioquímicas, as amostras salivares obtidas foram armazenadas em refrigerador a 5° Celsius, até que pudessem ser processadas e analisadas.

O processamento da saliva foi feito no mesmo período da coleta por meio de centrifugação durante 10 minutos (3500rpm - centrífuga Excelsa II - Fanen - Brasil), para sedimentação dos restos celulares, sendo separado o sobrenadante para a mensuração do volume e do pH. A mensuração do volume salivar foi feita com o uso de pipetas e de tubos de ensaio graduados, sendo registrado em mililitros24. O pH salivar foi mensurado com a utilização de medidor digital de pH (Denver Instrument Company, Modelo: Basic pHmeter; Arvada, CO, EUA).

O diagnóstico do RLF foi feito baseado em sintomas e sinais laríngeos sugestivos, aplicando-se dois instrumentos de pesquisa, o índice de sintomas do refluxo (reflux symptom índex - RSI)25, e o escore dos achados de refluxo (Reflux Finding Score - RFS)26, ambos previamente validados na literatura para a língua inglesa25,26. Foram admitidos como sendo positivos para refluxo laringofaríngeo sintomas cuja soma das notas foi superior ou igual a 13 no RSI25, e sinais laríngeos cuja soma das notas apresentava escores superiores ou iguais a sete no RFS26.

Os sintomas laringofaríngeos e os sinais da laringoscopia direta foram por fim corroborados com os resultados das endoscopias e/ou pH-metrias esofágicas de 24 horas com duplo canal.

Com auxílio técnico de profissional específico, os resultados obtidos foram tabelados e analisados com a utilização de métodos estatísticos paramétricos e não-paramétricos para análise das variáveis (Student's t test e teste de Wilcoxon). Foi admitido como nível de significância estatística um valor de "p" menor ou igual a 0,05.

Para determinar a importância dos resultados para o grupo de SS analisado, foi estudado igualmente grupo de 12 mulheres voluntárias saudáveis, que foram selecionadas respeitando-se os mesmos critérios de exclusão expostos anteriormente. Além disso, nenhum dos voluntários preenchia os critérios diagnósticos utilizados para a SS. Todos foram igualmente submetidos ao RSI25 e ao RFS26 para descartar a presença de RLF, condição para participação no grupo controle. A coleta salivar e os parâmetros salivares estudados foram semelhantes ao descrito para o grupo estudo.


RESULTADOS

Todos os 19 sujeitos deste estudo foram do gênero feminino, sendo sua média de idade de 60 anos (variando de 49 até 74 anos). Nove pacientes apresentavam SS primária, sete casos eram secundários a artrite reumatoide, dois casos eram secundários a lúpus eritematoso sistêmico e um à esclerodermia.

A média do tempo de diagnóstico dos indivíduos com SS no momento da análise do presente estudo foi de 58 meses (4 anos e 10 meses), com mediana de 5 anos e 4 meses, e desvio padrão de 2 anos e 5 meses.

O grupo controle foi composto por 12 mulheres voluntárias saudáveis, com idade média de 44 anos, variando de 26 a 62 anos (mediana de 42 anos e desvio padrão de 11,5), sem sintomas ou sinais laríngeos de RLF. O RSI médio foi zero e o RFS médio foi de 1,75, variando de zero a três pontos, ambos confirmando a ausência de laringite posterior.

Houve diferença entre a média de idade do grupo estudo e do grupo controle. Ainda assim, feita a correlação da idade de todos os indivíduos (estudo e controle) com as variáveis salivares quantitativas estudadas (volume e pH), o índice de correlação de Pearson apresentou valores baixos, indicando que os dois grupos poderiam ser comparados para estas variáveis (Tabela2).




No grupo estudo, a pontuação média do RSI foi de 19,5, variando de 13 a 30 pontos. O RFS médio foi de 11,56, variando de oito a 18 pontos.

Dos oito pacientes com esofagite de refluxo no grupo estudo, quatro apresentaram-se com esofagite não erosiva e quatro com esofagite erosiva grau A de Los Angeles, não havendo nenhum caso de esôfago de Barret na casuística. Por apresentarem RSI e RFS sugestivos de refluxo laringofaríngeo, com EDA confirmando doença do refluxo gastroesofágico, nestes oito indivíduos foi confirmado o refluxo laringofaringeo. Nos demais 11 sujeitos em que a EDA não se mostrou alterada, procedeu-se com a realização da manometria e pHmetria esofágicas, conforme a metodologia utilizada.

Quanto à manometria esofágica, sete pacientes obtiveram exame normal, dois pacientes apresentaram hipotonia do esfíncter esofagiano inferior e dois, dismotilidade esofágica leve. Quanto à pHmetria esofágica de duplo sensor, entretanto, o resultado foi uniforme, pois todos os 11 pacientes do grupo estudo apresentaram episódios de refluxo patológico no sensor proximal, configurando o diagnóstico do RLF. Apenas três destes indivíduos apresentaram refluxo em níveis patológicos também no sensor distal, o que configura concomitância de DRGE e RLF.

Quando analisados os indivíduos com SS quanto ao subtipo da doença (primária ou secundária), não foi observada diferença estatisticamente significante, pelo método de Mann-Whitney, na caracterização da amostra quanto à idade (p=0,549), quanto ao RSI (p=0,447) e quanto ao RFS (p=0,400). Como os subtipos de SS foram estatisticamente iguais para as variáveis salivares analisadas (volume e pH), consideramos os indivíduos com SS num mesmo grupo para realizar a comparação com o grupo controle.

Os resultados de volume e pH salivares estão representados nas Figuras 1 e 2, e são descritos a seguir.


Figura 1. Volume médio salivar em individuos com Sjögren (grupo estudo) e em indivíduos saudáveis. STNE - Saliva Total Não Estimulada. STE - Saliva Total Estimulada.


Figura 2. PH médio salivar em individuos com Sjögren (grupo estudo) em indivíduos saudáveis. STNE- Saliva Total Não Estimulada. STE - Saliva Total Estimulada



O volume da saliva total não estimulada (STNE) dos indivíduos com SS variou de 0,1 a 4,1 mL (valor médio de 1,27 mL) (dp=1,06). O valor médio do volume da saliva total estimulada (STE) foi de 3,78 mL, variando de 0,1 a 10,3 mL (dp=2,87). Esta diferença foi estatisticamente significante (p=0,009). O pH da STNE nos pacientes com SS apresentou valor médio de 7,53, variando de 6,40 - 8,40 (dp=0,51), e da STE foi de 7,87, variando de 6,67 a 8,43 (dp=0,47), sendo esta diferença também estatisticamente significante (p =0,002).

No grupo de voluntários saudáveis, o volume salivar médio da STNE foi de 4,02, variando de 1,6 a 8,0mL, e da STE foi de 11,96 mL, variando de 4,5-19,0mL (p=0,002). Já o pH médio da STNE foi de 7,57, variando de 6,83 a 7,92; e da STE, a média foi de 7,93, variando de 7,56 a 8,17 (p=0,004). Todas as variáveis acima estudadas no grupo controle mostraram diferenças estatisticamente significantes entre as amostras salivares não estimuladas e estimuladas.

Conforme esperado, os pacientes com SS apresentaram um volume médio de STNE e de STE estatisticamente menor que os indivíduos controle (p<0,001). No entanto, não houve diferença estatisticamente significante no pH da saliva entre o grupo estudo e o grupo controle, tanto para a saliva total não estimulada quanto para a saliva total estimulada (p > 0,1).


DISCUSSÃO

A motivação do aprofundamento do conhecimento neste tópico partiu da necessidade de entenderem-se maiores detalhes na gênese do RLF, e na observação empírica de que alguns dos pacientes acompanhados com RLF apresentavam hiposalivação, de acordo com os trabalhos de Eckley, em 200419. Assim, o projeto foi concebido para conjugar os objetivos da pesquisa em fatores bioquímicos salivares na gênese do RLF, com a necessidade de oferecermos aos pacientes com SS melhor compreensão de sua doença, e de todas as manifestações que a cercam.

Para o diagnóstico do RLF, foram considerados os sintomas e sinais laringoscópicos traduzidos pelo uso dos instrumentos RSI25 e RFS26, respectivamente, porém, sempre em associação aos dados de EDA, manometria esofágica e pHmetria esofágica de duplo canal de 24 horas. Concordamos com a tendência atual de que o RFS parece ser um bom índice para avaliar simplesmente a presença de sinais endoscópicos de laringite, sem que esta inflamação laríngea esteja necessariamente vinculada ao refluxo do conteúdo gastroduodenal como etiologia (motivo da adoção de critérios de exclusão tão rigorosos)17,22. Dessa forma, o presente estudo concorda com as reflexões recentes de Gupta & Sataloff17 e Ali22 ao admitir suspeita de RLF apenas quando os valores do RFS maiores de sete estavam associados a sintomas característicos, com RSI maior de 13, o que ainda remete à queixa clínica do paciente um importante fator de suspeita no diagnóstico. Mesmo que não sejam ideais, a conjugação destes dois instrumentos foi primordial para estabelecer suspeita de RLF, o que foi posteriormente corroborado pela EDA e pela pHmetria esofágica de 24 horas de duplo canal.

Apesar de raras, a literatura já havia feito considerações acerca de possíveis manifestações laríngeas da SS. Em publicação de 2003, Belafsky & Postma11 reconhecem empiricamente elevada prevalência de RLF e de dismotilidade esofágica em pacientes com SS. Porém, o artigo foi descritivo e não apresentou dados concretos de pesquisa em grupo de pacientes com SS11. Na atual casuística, apenas dois dos 19 pacientes com SS apresentaram dismotilidade esofágica.

Ogut et al.12, em 2005, submeteram 77 pacientes com SS aos critérios de busca RSI e RFS, concluindo que neste subgrupo os valores dos escores foram significativamente maiores que indivíduos normais estudados. Este estudo conseguiu grande destaque pela expressiva casuística relatada, e também incentivou a pesquisa atual a procurar entender o motivo da associação referida ser tão elevada.

Considerando, portanto, os dados prévios da literatura, e admitindo as propriedades protetoras da saliva para o sistema digestório18,20, esperava-se encontrar alterações laringofaríngeas nos pacientes com SS. A hipótese inicial era que a associação de SS com o RLF se faria por deficiência salivar qualitativa e não somente quantitativa. Entretanto, a atual casuística não permitiu estabelecer tal correlação, pois todos os pacientes estudados apresentaram RLF.

Analisando os dados salivares estudados, observou-se que a média de volume das amostras de STNE dos pacientes com SS foi realmente baixa (1,27mL), com valores de pH ligeiramente alcalinos (média de 7,53). Ainda que estes pacientes sofram de uma doença limitadora da produção salivar, a estimulação mastigatória aplicada conseguiu aumentar o volume da saliva (média de 3,78mL), com diferença estatisticamente significante. O valor médio de pH da STE subiu para 7,87, refletindo uma maior alcalinização do fluido após o estimulo. Este aumento de pH é particularmente relevante para pacientes com SS, se considerarmos a grande prevalência do RLF observado no estudo e a necessidade destes pacientes de, teoricamente, terem maior eficiência no tamponamento salivar.

Como todos os pacientes com SS apresentaram comportamento semelhante quanto à presença do RLF, a comparação com variáveis da STNE e STE de indivíduos sem a SS e sem RLF foi fundamental na tentativa de interpretar os achados obtidos. Com relação aos resultados de volume obtidos, o volume da STNE dos indivíduos com SS foi reduzido, apresentando valor médio de 1,27mL em 10 minutos de coleta. Este valor foi estatisticamente inferior ao do grupo controle, como seria de se esperar para populações com SS. Sobre o pH das amostras salivares, foi observado que o estímulo mastigatório não promoveu diferença estatística dentro dos grupos analisados (controle e estudo). Além disso, quando comparados aos indivíduos saudáveis, as amostras salivares dos sujeitos com SS apresentaram valores estatisticamente iguais de pH. Assim, diferentemente de pacientes com RLF e sem xerostomia, que apresentam valores de pH de saliva mais ácidos em comparação a indivíduos normais, o paciente com SS e com RLF não tem seu valor médio de pH alterado19,20,27. Ou seja, alterações de pH da saliva não parecem estar envolvidas na maior ocorrência de RLF nas populações com SS, sugerindo fisiopatologia distinta do RLF para este grupo em especial.

A raridade da SS no mundo e a inexistência de dados oficiais tanto sobre prevalência da doença quanto sobre suas outras particularidades no Brasil tornam o registro do comportamento do refluxo nesta subpopulação assunto pouco antes explorado9,10. Os resultados apresentados neste trabalho representam parte de um estudo em andamento acerca das características salivares inorgânicas e orgânicas em pacientes com SS, e sua influência na gênese do RLF e DRGE. Assim sendo, maiores detalhes acerca da fisiopatologia da doença neste subgrupo de pacientes com SS são aguardados conforme novos dados estejam disponíveis.


CONCLUSÕES

Com base no presente estudo, conclui-se que não houve diferença estatística no pH salivar entre indivíduos com síndrome de Sjögren e indivíduos saudáveis, tanto na saliva total não estimulada, quanto na saliva total estimulada. Isso sugere que o refluxo laringofaríngeo possa apresentar fisiopatogenia singular em indivíduos com SS, possivelmente relacionada com queda global do volume salivar e de todos seus componentes.


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1. Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Professor Segundo Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo).
2. Doutora em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Professora Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo).
3. Doutora em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Professora Assistente do Departamento de Anatomia e Fisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo).
4. Médico Residente do segundo ano em Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Médico residente).
5. Médica Residente do primeiro ano da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Médica Residente).

Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Endereço para correspondência:
Marco Antonio dos Anjos Corvo
Alameda Joaquim Eugenio de Lima, 1601, Ap 141, Jardim Paulista
São Paulo - SP, Brasil. CEP: 01403-003

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 5 de março de 2011. cod. 7622
Artigo aceito em 28 de julho de 2011.

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