Ano: 2003 Vol. 69 Ed. 2 - Março - Abril - (13º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 227 a 223
Otimização da percepção da fala em deficientes auditivos usuários do sistema de implante coclear multicanal
Speech perception optimization in deaf with multichannel cochlear implant
Autor(es):
Natália B. Frederigue[1],
Maria C. Bevilacqua[2]
Palavras-chave: deficiência auditiva, implante coclear, percepção da fala
Keywords: deafness, cochlear implantation, speech perception
Resumo:
Objetivo: realizar um estudo intra-sujeito, avaliando o reconhecimento da fala e a preferência subjetiva em deficientes auditivos usuários do sistema de implante coclear (IC) Nucleus 24, nas diferentes estratégias de codificação disponíveis nesse sistema (Spectral Peak - SPEAK, Continuous Interleaved Sampler - CIS e Advanced Combination Encoders - ACE), a fim de promover a otimização da percepção da fala em cada sujeito. Material e Método: Sete adultos com deficiência auditiva pós-lingual foram divididos aleatoriamente em 2 grupos, determinados A e B para a realização do protocolo de avaliação. CIS foi adaptada inicialmente aos sujeitos do grupo A e ACE aos do grupo B. SPEAK foi a linha de base para todos os sujeitos. Foram realizadas avaliações do reconhecimento da fala no silêncio e no ruído (S/R + 10dB), ajustes nas estratégias de codificação e aplicação de questionários de auto-avaliação. Resultados: Altos níveis de reconhecimento da fala foram obtidos para as três estratégias. Os resultados médios dos sete sujeitos atingidos para o reconhecimento de sentenças no silêncio foram de 69,1%, 76,2% e 80,2% para CIS, SPEAK e ACE respectivamente. Na situação de ruído foram de 38,0%, 40,8% e 53,1% para SPEAK, CIS e ACE, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significante entre as estratégias avaliadas. Escores de reconhecimento da fala mais altos foram notados sujeito a sujeito, com a estratégia otimizada. Conclusão: A utilização de estratégias múltiplas de codificação da fala e escolhas de parâmetros flexíveis permitem ao clínico individualizar um programa de adaptação e resulta em maiores benefícios aos usuários de IC.
Abstract:
Aim: Accomplish an intra-subject study, evaluating the speech perception and preferences in deaf implanted with the Nucleus 24 device fitted with SPEAK, CIS and ACE strategies (Spectral Peak - SPEAK, Continuous Interleaved Sampler - CIS e Advanced Combination Encoders - ACE). Material and Methods: Seven adults with post-lingual deafness were distributed randomly in groups entitled A and B for the application of the evaluation protocol. The CIS strategy was fitted to the group A and the ACE strategy to the group B. The SPEAK strategy was the basis for all aspects. Evaluations of sentences, recognition in silence and noisy situations (cocktail party, S/N +10 dB) and adjustments of the codification strategies were carried out. Self-assessment questionnaires were applied as well. Results: The results indicated that high levels of speech recognition were observed, in silence and in noise, for all encoding strategies. The average scores obtained for the recognition of sentences in silence were 76,2%, 69,1%, and 80,2% for the SPEAK, CIS, and ACE strategies, respectively. For the recognition of sentences in noise the average scores obtained were 38,0%, 40,8% and 53,1% for the SPEAK, CIS and ACE strategies, respectively. There was no difference statistically significant between the encoding strategies. High speech recognition scores were obtained for each subject with the optimization of the strategy. Conclusion: The use of multiple speech encoding strategies as well as the choices of the various parameters allow for the clinician to fit an individual program, resulting in greater benefits for the cochlear implant users.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da habilidade de perceber os sons da fala pelo indivíduo portador de deficiência auditiva (D.A.) sensório-neural é um desafio para todos os profissionais envolvidos na área da audiologia clínica e educacional, uma vez que a fala está presente no dia-a-dia das pessoas, assumindo um papel de suma importância na relação humana.
Pesquisas que se preocupam com a avaliação da percepção da fala vêm sendo desenvolvidas. Os trabalhos mostram a preocupação em melhorar a qualidade de percepção da fala pelos portadores de D.A. sensório-neural.
Objetivando minimizar essas conseqüências trazidas pela D.A., pesquisadores têm centrado esforços no aprimoramento dos aparelhos de amplificação sonora individual (AASI), coletivo (sistema de freqüência modulada - FM) e de outros dispositivos que auxiliam no aproveitamento da audição residual e percepção dos sons, tais IC e vibrador tátil.
Vários graus de benefício na percepção da fala são obtidos por usuários de IC multicanal. Muito da variabilidade no desempenho pode ser atribuído às estratégias de codificação de cada sistema para cada indivíduo1. Avanços na tecnologia têm permitido um aprimoramento das estratégias de processamento do sinal nos ICs multicanais, o que permite melhor desempenho na compreensão da fala. No entanto, a queixa mais freqüente dos usuários desses dispositivos tem sido reconhecer e compreender o sinal da fala na presença do ruído2.
O interesse em maximizar o reconhecimento da fala para usuários de IC multicanal representa uma característica comum para a maioria dos Centros de IC no mundo. Muitas questões têm sido discutidas no âmbito do desenvolvimento das estratégias de processamento do sinal, e estudos comparativos, usando diferentes estratégias, têm sido realizados. Um dos pontos preocupantes refere-se à percepção da fala, para os usuários dos sistemas de implante, em condições desfavoráveis, como na presença de reverberação e ruídos competitivos. O processador de fala codifica o sinal acusticamente processado para um padrão de estimulação do eletrodo. Nesse caso, a integridade do processador e seus algoritmos têm um fator determinante na habilidade do usuário de separar o sinal alvo de outros sinais3.
O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo clínico avaliando a percepção da fala em usuários do IC multicanal Nucleus 24, nas diferentes estratégias de codificação disponíveis neste dispositivo (SPEAK, CIS e ACE), em diferentes situações de audição (silêncio e ruído), a fim de verificar os benefícios advindos da tecnologia atual para cada usuário e determinar quais estratégias e quais combinações de parâmetros foram mais apropriadas para serem fornecidas aos mesmos.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) - Universidade de São Paulo (USP), Campus Bauru, parecer nº 010/2001-UEP-CEP e desenvolvido no Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do HRAC/USP.
Sujeitos
Os critérios para inclusão dos sujeitos estudados foram: indivíduos adultos, portadores de D.A. sensório-neural profunda bilateral, adquirida no período pós-lingual; usuários do sistema de IC multicanal Nucleus 24, com um mínimo de três meses de experiência prévia com o IC e reconhecimento de fala em conjunto aberto. A amostra foi constituída por sete sujeitos (S1, S2, S3, S4, S5, S6 e S7), sendo cinco do sexo feminino e dois do sexo masculino, com faixa etária entre 36 e 59 anos. O tempo médio de surdez foi de 97 meses (variando de 15 a 300 meses) e o tempo médio de uso do IC foi de 12 meses (variando de 4 a 19 meses). Dos sete sujeitos avaliados, apenas um apresentou inserção parcial dos eletrodos.
Procedimentos
Os procedimentos seguiram o protocolo4 representado na Figura 1.
Todos os indivíduos tinham que completar uma avaliação de linha de base, usando o processador de fala Sprint e a estratégia de codificação SPEAK, para posteriormente experienciarem as outras duas estratégias, CIS e ACE. A estratégia SPEAK foi a base do estudo, pois foi a primeira a ser utilizada pelos sujeitos desde o momento inicial do uso do IC. Esta avaliação de linha de base incluiu uma bateria de testes de reconhecimento da fala em conjunto aberto no silêncio e na presença de ruído competitivo (ruído de festa - relação S/R + 10dB). Foram utilizadas listas de reconhecimento de vocábulos monossílabos5, listas de reconhecimento de sílabas sem sentido6, listas de sentenças CPA7 e Questionários de Auto-Avaliação.
Seguindo uma seqüência randômica, os sujeitos foram divididos em dois grupos, denominados A e B. Sujeitos do grupo A foram inicialmente adaptados com a estratégia CIS e do grupo B com a estratégia ACE. Mapas com as estratégias CIS e ACE foram criados e otimizados a partir das mudanças necessárias para cada sujeito com relação à velocidade de estimulação, número de máximas, seleção de canais, alteração no ganho de freqüências, entre outras. Após seis semanas de uso destas estratégias, foi realizada a avaliação da percepção da fala no silêncio e no ruído e aplicação do questionário subjetivo. Os sujeitos foram então adaptados com a estratégia oposta (ACE para o grupo A e CIS para o grupo B) e novamente avaliados após seis semanas de otimização e uso destas estratégias. Estas etapas foram referentes à Condição Inicial do estudo, sendo que os sujeitos acessaram as estratégias separadamente. Na Condição Final, as três estratégias de codificação foram deixadas disponíveis no processador de fala de múltipla memória (Sprint) de cada sujeito, e os mesmos as acessaram simultaneamente. Os sujeitos foram instruídos a utilizarem as estratégias em variadas situações de audição. Após três semanas de experiência com as três estratégias simultaneamente, foi realizada uma avaliação comparativa entre as mesmas, em uma mesma sessão de teste, utilizando listas de sentenças no silêncio e no ruído e o questionário subjetivo. Ao final do protocolo, após as quinze semanas, os processadores de fala dos sujeitos foram programados com a(s) estratégia(s) preferencial(ais), sendo ocupadas uma ou mais memórias do processador.
Para a análise estatística foram utilizados os testes não paramétricos de Friedman e Wilcoxon. Em todos os casos, o nível de rejeição para a hipótese de nulidade do teste foi fixado em um valor menor que 0.05 (5%).
RESULTADOS
Todos os sujeitos deste estudo completaram o protocolo de investigação. O número otimal de canais/máxima e a velocidade de estimulação otimal para as estratégias CIS e ACE variaram entre os sujeitos. A ocorrência para a estratégia ACE variou entre 500 Hz, 720 Hz e 1800 Hz por máxima e para a estratégia CIS variou entre 900 Hz, 1200 Hz, 1800 Hz e 2400 Hz por canal. O conjunto otimal de parâmetros de programação estendeu a ordem de canais disponíveis (6 a 12) e a velocidade de estimulação (de 500 a 2400 Hz por canal) para o sistema Nucleus 24.
Condição inicial do estudo. Níveis elevados de reconhecimento da fala foram obtidos para todas as estratégias de codificação testadas. A Tabela 1 representa a média e desvios padrões dos escores de reconhecimento de sentenças CPA no silêncio e no ruído (S/R + 10dB) para cada estratégia. A média de reconhecimento de sentenças CPA no silêncio foi de 61,1% para a estratégia SPEAK, 66,5% para a CIS e 84,5% para a ACE. Na situação de ruído (relação S/R + 10 dB), a média foi de 38% para a CIS, 49,4% para a SPEAK e 60,0% para a ACE. A análise de variância (teste de Friedman) revelou que não existe diferença estatisticamente significante entre os escores médios, obtidos nas avaliações do reconhecimento da fala, nas três estratégias de codificação, nesta condição inicial.
Condição final do estudo. No Gráfico 1 são mostradas as médias dos escores de reconhecimento de sentenças CPA no silêncio e no ruído (S/R + 10dB). Altos níveis de reconhecimento da fala também foram obtidos. A média de reconhecimento de sentenças CPA no silêncio foi de 69,1% com a estratégia CIS, 76,2% com a SPEAK e 80,2% com a ACE. Na situação de ruído (relação S/R + 10 dB), a média foi de 38,0% com a SPEAK, 40,8% com a CIS e 53,1% com a ACE. A análise de variância (teste de Friedman) revelou que não existe diferença estatisticamente significante entre os escores médios, obtidos nas avaliações do reconhecimento da fala, entre as três estratégias de codificação. No entanto, foi observado que para as duas situações de audição (silêncio/ruído), a estratégia com escores médios mais altos foi a ACE.
Diferenças individuais entre as estratégias foram notadas, tanto para o reconhecimento de sentenças no silêncio, como no ruído. No Gráfico 2, cinco sujeitos obtiveram escores mais altos com a estratégia ACE para o reconhecimento de sentenças no silêncio, um sujeito com a CIS e um com a SPEAK. Para o reconhecimento de sentenças no ruído, os escores mais altos também foram obtidos com a estratégia ACE para cinco sujeitos, e dois sujeitos obtiveram maior porcentagem de resultados com a estratégia CIS (Gráfico 3).
Com o objetivo de estimar a vantagem coletiva de selecionar a melhor estratégia para cada sujeito, as médias do grupo para as três estratégias separadamente (tanto no silêncio como no ruído) foram comparadas à média do grupo melhor escore. Para isso, os escores máximos individuais obtidos foram calculados, independentemente da estratégia, durante a condição final (Gráfico 4). A média do grupo melhor escore para o reconhecimento de sentenças no silêncio foi de 13,2%, 20,3% e 9,2% mais alta que as médias para SPEAK, CIS e ACE, respectivamente. Do mesmo modo, para as sentenças no ruído (relação S/R + 10 dB), a média do grupo melhor escore foi de 20,8%, 18,0% e 5,7% superior às médias das estratégias SPEAK, CIS e ACE, respectivamente. A média dos escores de reconhecimento de sentenças CPA para o grupo melhor escore foi 89,4% para sentenças no silêncio e 58,8% para sentenças no ruído.
Resultados do Questionário de Auto-Avaliação. O Gráfico 5 mostra os resultados referentes ao tempo de uso de cada estratégia nas três últimas semanas do protocolo. A maioria dos sujeitos usou as três estratégias neste período. Para três sujeitos, o uso das estratégias SPEAK e CIS ocorreu em 10% do período total e o da estratégia ACE, em 80%. Um sujeito usou as estratégias SPEAK e ACE em 30% do tempo e a CIS em 40%; um sujeito usou as estratégias SPEAK, CIS e ACE em 10%, 20% e 70%, respectivamente; um sujeito usou as estratégias CIS e ACE em 50% do tempo cada e um sujeito usou apenas a estratégia ACE em 100% do tempo.
Abaixo seguem depoimentos de dois sujeitos durante a administração do Questionário, mostrando as etapas de adaptação referentes às mudanças das estratégias.
Depoimento 1 (Sujeito 2 - pertencente ao grupo A):
De SPEAK para a CIS: "Baseada na minha experiência, não faria a troca, pois com a anterior tudo me soava mais natural e compreensível. A estratégia que usei antes, aproveitei muito mais". De CIS para a ACE: "Todos os sons de um modo geral, soam com mais autenticidade. As vozes das outras pessoas são bem mais agradáveis e fáceis de compreender". Na Condição Final: "A SPEAK agora está com o som metálico, a CIS está abafada e a ACE é bem mais natural".
Depoimento 2 (Sujeito 3 - pertencente ao grupo B):
De SPEAK para a ACE: "Em termos gerais, a ACE revelou-se melhor que a SPEAK. A adaptação foi relativamente fácil. Consegui conversar e entender as pessoas com mais facilidade". De ACE para a CIS: "Me parece que a CIS distorce muito o som agudo, daí porque a fala fica quase incompreensível". Na Condição Final: "A SPEAK distorce muito a fala. A fala, em especial, é muito desagradável, embora seja possível compreendê-la. Na estratégia CIS, a fala parece que sai de um cilindro metálico. A ACE mostrou-se a melhor estratégia, em termos de qualidade e facilidade de compreensão".
DISCUSSÃO
A variabilidade encontrada com relação ao conjunto otimal de parâmetros de programação das estratégias CIS e ACE, sugere em parte que, esse conjunto tenha sido o algoritmo de adaptação recomendado, onde essas ordens foram exploradas inicialmente, antes de se buscar outras alternativas. Apesar disso, há notadamente uma grande série de configurações disponíveis neste sistema de IC.
Os resultados da Tabela 1 demonstram que, mesmo após vasta experiência com uma dada estratégia de codificação da fala (no caso, a SPEAK, com tempo médio de uso de 12 meses), os usuários de IC podem acessar características adicionais da fala através dos avanços nas estratégias e, desenvolver melhores habilidades de percepção da fala, em um período de tempo razoavelmente curto. Vários estudos demonstraram que estratégias avançadas de processamento do sinal produzem efeitos imediatos aos deficientes auditivos usuários de sistemas de IC multicanal, relacionados à percepção da fala em conjunto aberto. Alguns autores descreveram que os sujeitos desenvolveram habilidades auditivas logo após duas semanas de uso do dispositivo8. Dados de outros estudos evidenciaram que pacientes usuários de IC Nucleus 24 demonstraram benefícios imediatos na compreensão da fala, quando a estratégia SPEAK (já implementada neste sistema) foi utilizada, após três dias de uso do IC9.
Os dados apresentados no Gráfico 1 revelam que, tanto na condição de silêncio como de ruído, as médias dos escores de reconhecimento de sentenças, obtidas com a estratégia ACE, foram, respectivamente, 4,0% e 15,1% melhores, quando comparadas à estratégia SPEAK e 11,1% e 12,3% quando comparadas a CIS. Tal achado pode estar relacionado à superioridade da estratégia ACE. Esses resultados dão suporte à vantagem de combinar as características espectrais da SPEAK à alta velocidade da CIS 4.
Estudos têm relatado a diminuição na habilidade de reconhecimento da fala com a introdução de ruído competitivo10. A comparação entre os achados dos Gráficos 2 e 3 faz notar que o melhor desempenho foi obtido na situação de silêncio e o pior na situação de ruído (S/R + 10dB). Tais resultados reforçam as afirmações da literatura.
Os resultados do Gráfico 4 demonstram que a média de reconhecimento de sentenças no silêncio aumentou de 76,2%, quando os sujeitos acessaram as estratégias separadamente (no caso a de menor escore foi a SPEAK), para 89,4%, quando cada escore máximo para o sujeito, independentemente da estratégia, foi calculado. Para sentenças no ruído, a média aumentou de 38,0% para 58,8% e esses dados dão suporte à hipótese de que acessar múltiplas estratégias de codificação resulta em melhora no desempenho dos usuários de IC4.
Conforme os resultados do Gráfico 5, pôde ser observado que, apesar da forte experiência com a estratégia SPEAK, a ACE foi a mais usada nas semanas finais do protocolo pela maioria dos sujeitos. O tempo total de uso das estratégias na condição final do estudo pode ter sido influenciado pela preferência dos sujeitos pela estratégia ACE e pelas facilidades que a mesma proporcionou na condição inicial do estudo, comparada a CIS (Depoimentos 1e 2). Outros autores também mencionaram tal preferência pela estratégia ACE, quando o Questionário Final foi administrado4. Os depoimentos dos dois sujeitos mostram com clareza as diferenças na codificação do sinal da fala para cada estratégia em particular, as quais foram referidas com detalhes pelos mesmos e correspondem diretamente aos conceitos das diferentes estratégias para o sistema de IC Nucleus 24 descritos por vários autores11,12. As dificuldades na adaptação da estratégia CIS após uso da SPEAK podem ser justificadas pelas nítidas diferenças entre as mesmas, já que a SPEAK promove a estimulação de vários eletrodos a uma velocidade baixa (250 Hz por canal), com grande representação de freqüências e, na CIS, o espectro de freqüências é dividido em um número limitado de filtros e utiliza quatro, seis, oito ou 12 canais de estimulação a uma velocidade moderada a alta (500 a 2400 Hz por canal), fornecendo informação temporal detalhada4.
Os dados obtidos na avaliação da percepção da fala concordam com os resultados referentes à aplicação do Questionário de Auto-Avaliação, sendo os escores médios para o reconhecimento de sentenças CPA tanto no silêncio como no ruído (relação S/R + 10 dB) mais altos para a estratégia ACE (Gráfico 1). Em uma perspectiva clínica, seria útil considerar a preferência da estratégia como um guia na adaptação, no entanto, não se sabe se a preferência na adaptação inicial prediz o desempenho durante todo o tempo.
As vantagens de testar estratégias múltiplas incluem a habilidade de encontrar uma melhor adaptação a um dado indivíduo para ambas estratégias e para um conjunto de parâmetros (número da canais/máxima, velocidade de estimulação, entre outros) e, talvez, a habilidade de escolher a(s) estratégia(s) para um ou mais ambientes.
A partir dos resultados obtidos nas avaliações, notou-se que a balança da escolha da estratégia de codificação pelos sujeitos foi dividida entre a compreensão da fala e a qualidade do som proporcionados por cada estratégia. Embora a estratégia CIS tenha proporcionado altos escores de reconhecimento da fala, o relato dos sujeitos quanto à mudança brusca percebida com essa estratégia (Depoimentos 1 e 2) foi embasado na qualidade vocal que a mesma proporcionou, o que produziu a sensação de baixa compreensão.
Vários estudos têm mostrado a importância de fornecer aos usuários do sistema de IC multicanal as inovações referentes ao processamento digital dos sons da fala e os achados deste estudo vão de encontro a essa literatura4,10,13-17.
Após a finalização do protocolo, dois sujeitos optaram pelo uso exclusivo da estratégia ACE, dois pelas estratégias CIS e ACE e três pelas estratégias SPEAK, CIS e ACE, deixando-as disponíveis nas memórias de programação do processador de fala Sprint. Isto mostra, mais uma vez, a grande variabilidade individual relacionada à preferência das estratégias, o que sugere que as mesmas, isoladas ou combinadas, são úteis em uma ou várias situações de audição. Analisando esses dados, torna-se possível afirmar que os participantes desse estudo obtiveram alto grau de aproveitamento quanto à flexibilidade do uso de variadas estratégias.
Os avanços referentes aos implantes cocleares têm sido oferecidos aos seus usuários sempre que possível, para que os mesmos estejam expostos e experimentem tais inovações, adaptando-se àquelas condizentes com suas necessidades.
Figura 1. Esquema representativo do protocolo de avaliação. Fonte 4.
TESTES ESTRATÉGIAS / SPEAK CIS ACE
Vocábulos monossílabos 49,0% 38,9% 34,9%
(DP=16,6%) (DP=9,9%) (DP=7,1%)
Sílabas s/ sentido 30,7% 39,1% 38,3%
(DP=17,5%) (DP=22,8%) (DP=22,3%)
Sentenças CPA (silêncio) 61,1% 66,5% 84,5%
(DP=14,9%) (DP=25,3%) (DP=26,5%)
Sentenças CPA (S/R +10dB) 49,4% 38,0% 60,0%
(DP=25,0%) (DP=17,3%) (DP=33,1%)
Tabela 1. Média e desvios padrões dos escores de reconhecimento da fala obtidos na condição inicial do estudo para as três estratégias.
Gráfico 1. Média dos escores de reconhecimento da fala obtidos na Condição Final.
Gráfico 2. Escores individuais para sentenças CPA no silêncio, entre as estratégias SPEAK, CIS e ACE.
Gráfico 3. Escores individuais para sentenças CPA no ruído (relação S/R +10dB), entre as estratégias SPEAK, CIS e ACE.
Gráfico 4. Média do grupo para cada estratégia separadamente, comparada a média de
escores máximos de cada sujeito entre as estratégias.
Gráfico 5. Resultados do Questionário de Auto-Avaliação referente ao tempo de uso de cada estratégia nas três semanas finais do protocolo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inovações nos ICs têm ocorrido e o surgimento de dispositivos flexíveis tem permitido a utilização de estratégias múltiplas de processamento digital dos sons da fala. Isto possibilita ao clínico a seleção de diferentes algoritmos, permitindo maior refinamento e individualização no processo de adaptação e resulta em escores mais altos quando avaliado o nível de reconhecimento da fala de cada usuário.
Altos níveis de escores em reconhecimento da fala foram demonstrados pelos sujeitos, nas três estratégias de codificação disponíveis no modelo de IC Nucleus 24. Não foram notadas diferenças estatisticamente significantes entre as três estratégias, em nenhuma das condições do estudo, porém os escores mais altos foram obtidos pela estratégia ACE, em avaliações, tanto no silêncio, como no ruído. Diferenças nos escores de reconhecimento da fala foram notadas sujeito a sujeito, com a estratégia otimizada, utilizando a flexibilidade dos parâmetros conforme as necessidades individuais, para a série de opções disponíveis nesse modelo de IC.
CONCLUSÃO
O emprego de estratégias múltiplas de codificação da fala permite ao clínico individualizar um programa de adaptação e resulta em escores mais altos aos sujeitos quando avaliados individualmente.
É esperado que futuras pesquisas com ICs avancem em um nível que possibilite a todos os usuários de IC obterem um desempenho satisfatório para ir de encontro às suas necessidades quanto aos benefícios específicos da audição.
Cabe ao clínico a habilidade, competência e capacidade crítica, para que se torne possível fornecer aos usuários de IC, estratégias e combinações de parâmetros apropriadas, primando pela melhora na qualidade de comunicação dos mesmos.
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[1] Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Doutoranda em Psicologia no Programa de Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo/SP, Fonoaudióloga do Centro de Atendimento aos Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (Cedalvi) do Hospital de Reabilitação das Anomalias Craniofaciais (HRAC) da Universidade de São Paulo.
[2] Professora Livre Docente e Chefe do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, Fonoaudióloga do HRAC-USP e responsável pelo Programa de Implante Coclear do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do HRAC-USP.
Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo - Apoio Financeiro da CAPES
Endereço para correspondência: Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais - Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) - Rua Silvio Marchione 3-20 São Paulo SP 17.043-900 - Tel (0xx14)235-8433 - Fax (0xx14)234-2280 - E-mail: natifrederigue@yahoo.com
Apresentado como Comunicação Oral em Temas de Pós-Graduação no XVI Encontro Internacional de Audiologia, Rio de Janeiro/RJ, 2001.