Versão Inglês

Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (17º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 926 a 932

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Injeção de corticosteróide em patologias vocais inflamatórias crônicas, revisão da literatura

Steroid injection in chronic inflammatory vocal fold disorders, literature review

Autor(es): Andrea Maria Campagnolo1, Domingos Hiroshi Tsuji2, Luís Ubirajara Sennes3, Rui Imamura4

Palavras-chave: cicatriz pregas vocais, corticosteróides, injeção de esteróide, lesões inflamatórias das pregas vocais, patologias laríngeas.

Keywords: vocal fold scarring, steroids, steroid injection, inflammatory lesions of vocal fold, laryngeal disease.

Resumo:
Os corticosteróides são potentes inibidores da inflamação e da cicatrização. Administração local de esteróides diretamente na laringe tem sido relatada em diversas patologias laríngeas. Objetivo: O objetivo desse estudo é realizar uma revisão da literatura sobre o uso de infiltração de corticosteróide em pregas vocais, em pacientes com patologias vocais benignas, inflamatórias e crônicas de laringe. Metodologia: Realizou-se uma busca eletrônica na base de dados Medline, selecionando-se estudos clínicos que utilizavam corticosteróides em patologias benignas da laringe. Resultados: Os corticosteróides são indicados nas seguintes situações: 1) doenças inflamatórias agudas, principalmente naquelas relacionadas a edema que comprometa a via aérea; 2) doenças auto-imunes com alterações laríngeas; 3) estenose laríngea; 4) em lesões benignas inflamatórias das pregas vocais, como nódulos, pólipos e edema de Reinke, para diminuir o processo inflamatório pré-cirúrgico ou na tentativa de se evitar uma intervenção cirúrgica; 5) em fonocirurgia, com o objetivo de reduzir a formação de cicatriz. Seu uso pode ser profilático, visando à prevenção da formação de cicatriz ou terapêutico em uma cicatriz já formada. Conclusão: Os corticosteróides podem ser considerados uma opção terapêutica importante no manejo de várias patologias, principalmente aquelas de origem inflamatória que causam alterações vocais.

Abstract:
Steroids are potent inhibitors of inflammation and wound repair. Local administration of steroids directly into the larynx has been reported in many laryngeal diseases. Aim: The purpose of this study is to review related literature about the use of steroid injection in patients with benign, inflammatory and chronic vocal disease. Methodology: We performed an electronic survey in Medline database and selected clinical trials regarding steroid use in benign laryngeal diseases. Results: Steroids are indicated in these situations: 1) acute inflammatory diseases, mainly when edema compromises the airways; 2) auto- immune disease with laryngeal involvement; 3) laryngeal stenosis; 4) benign lesions of the vocal folds, e.g., nodules, polyps and Reinke's edema, to reduce the inflammatory reactions before phonosurgery or in an attempt to avoid surgery; 5) In phonosurgery, aiming to reduce scarring. In this case, it could be used as a preventive measure in vocal fold scarring, or for scar treatment. Conclusion: Steroids may be considered an important therapeutic option in the management of many diseases, specially the inflammatory ones, associated with vocal changes.

INTRODUÇÃO

Corticóides são moléculas que o organismo sintetiza para regular um grande número de mecanismos fisiológicos imune e metabólico. Os corticóides são amplamente empregados por suas propriedades antiinflamatória e imunomoduladora. Eles têm um mecanismo de ação muito original que é essencialmente genômico (transcriptacional) e caracterizado pela ativação (transativação) ou inibição (transrepressão) de numerosos genes alvo. Essas moléculas agem em muitas células, envolvendo a imunidade inata (macrófagos, granulócitos, mastócitos) e imunidade adaptativa (linfócitos), mas também em outras células (fibroblastos, células epiteliais e endoteliais). A eficácia antiinflamatória dos corticóides relaciona-se à inibição da síntese de numerosas citoquinas, enzimas e mediadores da inflamação e pela indução de citoquinas e moléculas antiinflamatórias como a lipocortina que inibe a liberação de substâncias vasoativas e fatores quimiotáticos. Enzimas lipo e proteolíticas são também diminuídas por estabilização dos lisossomos, assim como o extravasamento de leucócitos para zona de lesão. Há alteração em número de linfócitos e em grau de fibrose. Essas ações, nitidamente, afetam elementos e etapas da reação inflamatória.1,2 (Figura 1)


Figura 1. Sítios e mecanismos de atuação de glicocorticóides em reações inflamatórias e imunitárias.*
* Adaptado da referência 2.



Os corticosteróides inibem múltiplos sítios do sistema imunitário. Interferem tanto na imunidade humoral quanto celular. Pesquisas sugerem que seus efeitos em doenças da imunidade devam-se mais ao bloqueio da resposta inflamatória do que à inibição da reação imunitária.2

Os derivados sintéticos diferem entre si quanto à potência glicocorticóide, por isso são geralmente dosificados em doses eqüipotentes. Apresentam atividade mineralocorticóide diversificada. Classificam-se em função da sua duração de efeito. (Figura 2)


Figura 2. Equivalência dos glicocorticóides para administração sistêmica.
* Efeito glicocorticóide
** Efeito mineralocorticóide
Adaptado da referência 3.



A tabela de equivalência de glicocorticóides se refere à administração por via sistêmica (intramuscular, endovenosa ou subcutânea). É importante enfatizar a diferença entre meia-vida plasmática e a meia-vida biológica. A primeira corresponde aos níveis hormonais no sangue, a segunda refere-se ao tempo de disponibilidade do fármaco nos tecidos, e a presença tecidual do glicocorticóide é que determina a duração de seu efeito terapêutico. Essa duração pode ser rápida ou mais lenta, dependendo do tipo de sal com o qual o glicocorticóide é formulado. Por exemplo, se o corticosteróide estiver preparado com sais que formam ésteres livremente solúveis (fosfato, mono e dissódico, succinato sódico) ele será rapidamente absorvido. Por outro lado, se o glicocorticóide estiver complexado com outros sais que formam derivados pouco solúveis (acetato, dipropionato, acetonido, diacetato, hexcetonido) a absorção será mais lenta.3

Os glicorticóides são os mais eficazes antiinflamatórios disponíveis, promovendo melhora sintomática de uma série de manifestações clínicas. No entanto, apresentam o risco de potenciais efeitos adversos, que afetam diversos órgãos e estão relacionados às doses empregadas e principalmente à duração do tratamento. Por curtos períodos (até duas semanas), mesmo em altas doses, tem baixa probabilidade de ocasionar efeitos adversos. Em tratamento prolongado, surgem efeitos adversos graves, limitantes da efetividade nas doenças crônicas.2

Injeção local de corticosteróides tem sido utilizada como uma maneira de racionalizar seu uso. Essa via de administração permite uma alta concentração local do fármaco com menor risco de efeitos adversos sistêmicos.

Os corticosteróides são indicados na maioria das doenças inflamatórias agudas que afetam a laringe, principalmente, nas relacionadas com edema que pode comprometer a via aérea. Alguns estudos têm demonstrado benefício do uso de corticosteróides em diversas patologias crônicas que causam lesões laríngeas e alterações vocais.

O objetivo desse estudo é realizar uma revisão da literatura sobre o uso de infiltração de corticosteróide em pregas vocais, em pacientes com patologias vocais benignas, inflamatórias e crônicas de laringe.


MATERIAL E MÉTODOS

Em revisão assistemática por meio da base de dados MEDLINE (de janeiro de 1960 a novembro de 2006), foram pesquisados artigos da literatura médica que relatavam sobre o uso de corticosteróide em patologias vocais, visando, principalmente, as lesões benignas.

No Medline, as palavras-chaves corticosteroids, steroid injection, vocal folds e laryngeal foram usadas isoladamente e em combinação na pesquisa.

A partir da seleção desses trabalhos científicos, foram incluídos outros artigos na pesquisa.


REVISÃO DA LITERATURA

O uso de corticosteróides no manejo de doenças da laringe é bem conhecido. Em situações como epiglotite, crupe e edema laríngeo a administração de corticosteróides está bem estabelecida.4-6

Os corticosteróides são potentes inibidores da inflamação e da cicatrização.

As formas de administração mais comuns são oral, intramuscular e/ou intravenosa. Administração local de esteróides diretamente na laringe tem sido relatada em diversas patologias laríngeas.

Krespi7 relatou o uso de injeção de esteróide nas lesões de seis pacientes com sarcoidose laríngea.

Pacientes com lupus eritematoso sistêmico e granulomatose de Wegener com envolvimento laríngeo apresentam, na maioria dos casos, melhora dos sintomas com corticoterapia injetável diretamente nas lesões laríngeas.8,9

No tratamento de pacientes com estenose laríngea, sucesso terapêutico tem se conseguido com a administração de triancinolona injetável na estenose.10,11

Alguns autores têm utilizado injeção nas pregas vocais de corticosteróide em patologias benignas inflamatórias das pregas vocais, como nódulos, pólipos e edema de Reinke, na tentativa de se evitar uma intervenção cirúrgica.

Yanagihara12, em 1967, relatou bons resultados após injeção de dexametasona na prega vocal, através de laringoscopia indireta com espelho, em pacientes com nódulos. A imprecisão dessa técnica dificultou sua reprodução. Tateya et al.13 desenvolveram uma técnica, utilizando um fibroscópio e uma agulha curva inserida via oral para injeção de triancinolona, sob anestesia local, em nódulos de pregas vocais. Dos 27 pacientes estudados, 23 apresentavam nódulos associados com abuso vocal e fatores ocupacionais (20 eram professoras). Os achados endoscópicos mostraram que os nódulos vocais desapareceram em 17 dos 27 pacientes e diminuíram em 10 após a injeção. A fonação máxima era 10,9s antes do procedimento e passou a 13,9s após, mostrando um significante aumento (p<0,05). Remissão ou melhora da disfonia ocorreu em 96%. Não houve ocorrência de efeitos adversos como diminuição da massa vocal ou atrofia muscular.

Os mesmos autores14 acima realizaram um estudo utilizando essa mesma técnica para injeção de triancinolona no espaço de Reinke das pregas vocais de 44 pacientes com edema de Reinke moderado. Remissão ou melhora foi observada em quase todos os pacientes em termos de disfonia (avaliado pelo próprio paciente) e achados endoscópicos das pregas vocais. O tempo de fonação máxima em média aumentou significativamente de 9s para 11,4s após o procedimento (p<0,01). O pitch vocal, nos pacientes femininos, também aumentou significativamente de 168 para 181 Hz (p<0,05) após a injeção de esteróide.

Com o passar dos anos as técnicas e os instrumentos em fonocirurgia têm sido aprimoradas no intuito de se remover as lesões benignas das pregas vocais com o máximo possível de preservação dos tecidos normais adjacentes. O entendimento do princípio de corpo-cobertura da prega vocal é fundamental em uma abordagem cirúrgica. A onda mucosa é gerada pelo deslizamento da cobertura mucosa sobre o ligamento vocal e o músculo vocal. Essa cobertura pode ser dividida em camadas com propriedades mecânicas distintas e podem ser distinguidas pela concentração de fibras colágenas e elastina. A maioria das lesões benignas ocorre na camada superficial da lâmina própria, portanto as abordagens cirúrgicas devem idealmente ser confinadas a essa camada. A violação das camadas profundas da lâmina própria e do ligamento vocal está associada com formação de tecido cicatricial. Essa cicatriz causa fixação da cobertura mucosa aos tecidos profundos, prejudicando a onda mucosa e causando disfonia. Cicatriz na prega vocal é considerada a causa mais comum de disfonia (35%) após fonocirurgia.15

Esteróides têm sido usados clinicamente em fonocirurgia com o objetivo de reduzir a formação de cicatriz. Seu uso pode ser profilático, visando à prevenção da formação de cicatriz ou terapêutico em uma cicatriz já formada.

Bouchayer e Cornut16 relatam o uso de hidrocortisona injetável na prega vocal ao final das microcirurgias de lesões benignas como nódulos, principalmente se houver sinais inflamatórios presentes, cistos, sulcos e pontes. No tratamento de cicatriz iatrogênica eles injetam hidrocortisona na prega vocal, fazem uma incisão na superfície superior da prega vocal e elevam o microflap separando-o do ligamento vocal, mas não removem nenhum tipo de tecido. Os autores relatam melhora da maleabilidade da prega vocal, do fechamento glótico e da qualidade vocal. Courey et al.17 também descreve o uso de esteróide sob o microflap após excisão de lesões benignas no intuito de reduzir a cicatriz decorrente do microflap.

Mortensen e Woo18 injetaram metilprednisolona, na prega vocal com fibrose iatrogênica pós-fonocirúrgica de 12 pacientes, através de laringoscopia indireta, sob anestesia local. Houve significativa melhora da voz medida pela escala GRABS (p<0,01). Na estroboscopia houve melhora da amplitude de vibração (p<0,05) e da onda mucosa (p<0,05). Esse estudo também avaliou 18 pacientes com nódulos ou pólipos nas pregas vocais e 4 pacientes com sarcoidose ou granuloma. Onze dos 18 pacientes com nódulos/pólipos tiveram melhora significante e evitou-se a cirurgia. Um paciente com sarcoidose evitou cirurgias repetidas com anestesia geral para injeção de corticóide. Dois pacientes com granuloma de contato melhoram com a injeção e não foi necessária intervenção cirúrgica. Um paciente necessitou cirurgia e o laudo anatomopatológico demonstrou tratar-se de tuberculose da prega vocal. Dos 34 pacientes estudados, houve melhora em 28 (82%). Os autores descrevem que a injeção de corticosteróide nas lesões apresenta 3 principais indicações:

1) redução do tecido de granulação e promoção da cicatrização primária;
2) redução da formação de cicatriz hipertrófica e
3) redução da inflamação para evitar cirurgia.

O uso de esteróides injetáveis com a finalidade de prevenir fibrose na prega vocal é uma indicação teórica, já que não existem estudos clínicos e histológicos consistentes sobre o efeito do corticosteróide na cicatrização da prega vocal.

O único estudo publicado que analisa histologicamente e funcionalmente o efeito do corticosteróide injetado nas pregas vocais de cães foi realizado por Coleman et al.19 em 1999. Nesse estudo, foi realizado um microflap lateral nas pregas vocais de 15 cães e através dele triancinolona foi injetada em uma das pregas vocais, a outra serviu como controle. A cada intervalo de 2, 4 e 6 semanas 5 dos 15 cães foram sacrificados e cortes histológicos das pregas vocais foram realizados para análise do infiltrado inflamatório e neovascularização. Análises pareadas demonstraram aumento do infiltrado inflamatório envolta do microflap na prega vocal tratada com esteróide em 2, 4 e 6 semanas (p<0,2). A resposta neovascular na prega vocal tratada com esteróide foi menor em 2 semanas (p<0,005), mas maior em 4 e 6 semanas (p<0,005). Para caracterizar melhor o efeito do esteróide sobre o processo de cicatrização, uma distribuição normal, tempo-dependente foi aplicada aos dados histológicos e demonstrou um atraso da resposta tecidual com esteróide de 12 dias para o infiltrado inflamatório e de 21 dias para a neovasculogênese. Para avaliação funcional qualitativa e quantitativa foi realizada videoestroboscopia pré-operatória e na data do sacrifício. Não foram identificadas diferenças significativas na aparência, amplitude, onda mucosa ou maleabilidade entre as duas pregas vocais. Nesse estudo, embora o corticosteróide tenha causado um atraso no processo cicatricial, os parâmetros avaliados na videostrosboscopia não demonstraram diferenças entre a prega vocal tratada com corticosteróide e a prega vocal controle em 2, 4 e 6 semanas.

Em geral, uma cicatriz está relacionada a tecido fibroso. Estudos têm demonstrado que um aumento do colágeno, especialmente do colágeno tipo I, é a base da fibrose e que a resistência da cicatriz depende do conteúdo do colágeno.20 No caso de fibrose da prega vocal, depósito de colágeno denso tem também sido encontrado na lâmina própria lesada da prega vocal de animais21-23. Entretanto, pesquisas recentes têm sugerido que outros componentes da matriz extracelular como o ácido hialurônico, fibronectina e decorina também podem afetar o tecido fibroso. O colágeno, apesar de ser a principal molécula, não é a única que determina as propriedades viscoelásticas do tecido.24

Em um estudo sobre o papel dos monócitos/macrófagos na cicatrização, foi utilizado 0,6mg/g de peso corporal de hidrocortisona subcutânea de depósito para induzir prolongada monocitopenia em porcos. O nível de macrófagos na ferida foi reduzido a 1/3 em relação aos controles. Os fibroblastos, que normalmente, aparecem em três dias, não apareceram antes de cinco dias, sendo que houve redução de sua proliferação no local da cicatriz.25

Injeção de corticóides de depósito, como a triancinolona, tem sido utilizada em cicatrizes hipertróficas e quelóides. No estudo in vitro de Carroll et al.26 demonstrou-se que a diminuição da proliferação celular e do colágeno pela triancinolona é mediada por alterações na secreção de citoquinas.

Atualmente, está sendo realizado um estudo em nosso serviço, com o objetivo de avaliar histologicamente, em modelo animal, que o corticosteróide utilizado na fase de formação dos componentes da matriz extracelular pode ser uma alternativa para diminuir a rigidez da mucosa da prega vocal, causado pela cicatriz pós-operatória. Nesse estudo realizado com 12 coelhos, dexametasona foi injetada através de um microflap lateral em uma das pregas vocais, na outra prega vocal apenas o microflap foi realizado e foi utilizada como controle. Na análise histológica avaliou-se o infiltrado inflamatório e a quantidade de colágeno presente em intervalos de 3 e 7 dias, fase da resposta inflamatória aguda. Em relação ao infiltrado inflamatório não houve diferença significativa quanto ao número de células presentes ao redor do microflap. A quantidade de colágeno, no entanto, foi significativamente menor na prega vocal tratada com corticóide em 3 dias, sendo essa diferença mantida em 7 dias.27


DISCUSSÃO

Principalmente por sua potente ação antiinflamatória, os corticóides são amplamente empregados em diversas patologias laríngeas. Ao lado de esperados benefícios, há riscos de potenciais efeitos adversos, observados numa variedade de tecidos orgânicos, na dependência de doses empregadas e, sobretudo, de duração de tratamento. Em uso sistêmico agudo qualquer agente pode ser administrado, pois não se observam efeitos indesejáveis.

Quando o objetivo do tratamento é atingir concentrações elevadas apenas em um órgão alvo, como na laringe, a injeção local é eficaz com menor ocorrência de efeitos sistêmicos se usado em doses adequadas e por tempo não prolongado. Para administração local injetável, utilizam-se, de preferência, corticóides de longa ação, como triancinolona, acetato de metilprednisolona e dexametasona. A triancinolona é largamente utilizada para infiltrações intra-articulares em ortopedia28,29 e seus efeitos e segurança têm sido confirmados. Bouchayer e Cornut16 utilizam hidrocortisona injetável na prega vocal que pode diminuir os sinais inflamatórios presentes, mas devido a sua meia-vida curta, provavelmente, interfere menos na cicatrização. Teoricamente, para prevenir formação de tecido fibroso, os corticosteróides de longa duração seriam mais eficazes.

O principal efeito adverso dessa modalidade terapêutica é a atrofia muscular e glandular. O que não ocorreu em nenhum caso dos trabalhos referidos. No entanto, no estudo de Mortensen e Woo18 recomenda-se intervalo de 6 a 12 semanas entre as injeções em pacientes com fibrose e aplicação única ou em intervalos longos em lesões inflamatórias.

Várias doenças auto-imunes, como lupus eritematoso sistêmico, granulomatose de Wegener e sarcoidose podem apresentar lesões laríngeas que causam de disfonia a comprometimento respiratório. A maioria dos sintomas resolve com corticoterapia, geralmente, utilizada por tempo prolongado. Na tentativa de se diminuir a dose ou a retirada do corticosteróide, imunossupressores e quimioterápicos (azatioprina, ciclofosfamida, metotrexato) são associados. No entanto, em casos de grave comprometimento laríngeo, o uso de injeções de esteróide diretamente nas lesões tem demonstrado benefício e pode ser uma alternativa com menos efeitos adversos.

A modulação do processo de cicatrização representa o fator de maior impacto no sucesso do tratamento cirúrgico das estenoses. Os esteróides foram testados com este objetivo, porém seu uso é controverso30. Por um lado, atuam sobre a formação e degradação do colágeno, combatendo a formação de tecido de granulação, conforme ocorreu nos estudos de Gnanapragasam10 e Rosen e Vered11. Por outro, interferem na migração de células epiteliais e as úlceras que se desenvolvem, geralmente, não cicatrizam bem, podendo se infectar, aumentando as chances de re-estenose. A infiltração de corticóide local pode ainda levar a reabsorção de cartilagem.31 Atualmente, uma droga anti-neoplásica chamada mitomicina-c tem apresentado resultados mais promissores que os corticosteróides em estenose laríngea.32

As lesões benignas adquiridas que ocorrem nas pregas vocais são decorrentes de um processo inflamatório local devido basicamente a 3 fatores desencadeantes: abuso vocal ou mal uso vocal (fonotrauma), fatores irritantes vocais (tabagismo, refluxo faringo-laríngeo, poluição...) e fatores predisponentes individuais.33

A patologia dos nódulos vocais é caracterizada por distensão de capilares e vênulas, hemorragia perivascular leve, migração de fibrina no tecido, edema difuso e fibrose. O pólipo, o edema de Reinke e o granuloma de contato também apresentam características histológicas inflamatórias. Assim, a injeção de esteróide local é um método racional e, particularmente, efetivo nos estágios iniciais dessas lesões, antes do desenvolvimento de tecido fibroso.13,33

Fibrose na prega vocal é causada por lesão e inflamação. Procedimentos fonocirúrgicos inapropriados facilmente causam cicatriz fibrosa na prega vocal. Essa cicatriz desorganiza a lâmina própria da mucosa da prega vocal e modifica as propriedades biomecânicas das pregas vocais pelo aumento da resistência viscoelástica da mucosa. Isso reduz a vibração das pregas vocais e causa disfonia, geralmente, difícil de ser tratada.24

Atualmente, nenhum método terapêutico pode ser considerado efetivo no tratamento da cicatriz fibrótica.24 Injeção de corticosteróides é um dos métodos mais utilizados e está associado com diminuição da rigidez, melhora do fechamento glótico e da qualidade vocal, conforme os resultados de Bouchayer e Cornut16 e Mortensen e Woo18, porém algum grau de fibrose sempre permanece. Vários outros materiais injetáveis têm sido testados como colágeno bovino34, colágeno autólogo35 e gordura autóloga36 para flexibilizar a prega vocal. No entanto, nenhum desses materiais é capaz de restaurar as alterações fibróticas da lâmina própria e conseguir uma viscoelasticidade ideal idêntica à da prega vocal normal.

Como o tratamento da fibrose da prega vocal é muito limitado, algumas pesquisas têm sido feitas no intuito de prevenir sua formação. Muitos fonocirurgiões utilizam esteróides injetáveis na lesão cirúrgica da prega vocal pelos seus efeitos na cicatrização. Eles afetam a síntese e maturação do colágeno, alteram a força de tensão nas feridas, inibem a função do fibroblasto e deprimem a ação antibacteriana e fagocitária de algumas células de defesa, resultando na alteração do padrão e retardo da cicatrização das feridas.37 Seu efeito é mais marcante durante os primeiros quatro dias após a lesão. Após esse período, eles têm pouco efeito, exceto para inibir a resistência normal à infecção38. Segundo o estudo de Branski et al.39, o processo cicatricial agudo representa o período crítico no qual uma intervenção terapêutica pode diminuir a rigidez da cicatriz da prega vocal, já que as células inflamatórias e os fibroblastos começam a sintetizar os componentes da matriz extracelular a partir do 2º-3º dia após a lesão. Se o objetivo é a prevenção da formação da fibrose, então o momento correto da aplicação de um corticosteróide de longa duração é no início do processo inflamatório, ou seja, ao final da cirurgia.

As alterações causadas pela ação do corticosteróide na síntese do colágeno foram observadas no estudo realizado por Campagnolo e Tsuji27, no entanto, elas se referem apenas à fase aguda da inflamação. No estudo de Coleman et al.19, o seguimento foi de até 6 semanas, e na avaliação funcional por estroboscopia não houve diferença na vibração das pregas vocais. A análise histológica desse estudo não considerou os componentes da matriz (colágeno, elastina...) que têm sido considerados os responsáveis pelas propriedades vibratórias da mucosa das pregas vocais, apenas o infiltrado inflamatório e a neovascularização. Apesar dos efeitos comprovados do corticosteróide na cicatrização, mais estudos são necessários, principalmente, para avaliar se as alterações do colágeno persistem a longo prazo.

Além da injeção de esteróides, relatos do uso de mitomicina-C não demonstraram benefício na prevenção de fibrose.40 Mais recentemente, alguns resultados encorajadores foram descritos com a injeção de fator do crescimento hepatócito que apresenta potente atividade antifibrótica.41 Apesar dos esforços, a prevenção e o tratamento ideal da fibrose na prega vocal ainda não foram estabelecidos.


CONCLUSÃO

O uso de corticosteróide é indicado sistemicamente em inflamações agudas da laringe. Nas patologias inflamatórias crônicas com manifestações laríngeas os corticosteróides podem ser utilizados tanto por via sistêmica como intralesional nos casos mais graves.

A administração local injetável apresenta como vantagem a obtenção de uma alta concentração no órgão alvo com menor potencial de efeitos adversos sistêmicos e pode ser indicada para:

1) reduzir o edema e o tamanho de lesões mucosas benignas e granulomas antes da fonocirurgia ou na tentativa de evitá-la e
2) minimizar cicatriz iatrogênica pós-fonocirurgia. Apesar de muitos autores utilizarem essa forma de administração ao final da fonocirurgia, no intuito de prevenir a formação de cicatriz, essa indicação ainda é controversa.

Os corticosteróides podem ser considerados uma opção terapêutica importante no manejo de várias patologias, principalmente, as de origem inflamatória que causam alterações vocais.


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1 Médico otorrinolaringologista, Médico otorrinolaringologista. Aluna de pós-graduação em nível de Doutorado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, professora colaboradora da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Campos.
2 Professor Livre-docente do Hospital das Clínicas da USP, Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Professor Livre-Docente do Hospital das Clínicas da USP, Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4 Doutor em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da USP, Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Andrea Maria Campagnolo - R. Marquês de Herval 11/402 Parque Tamandaré 28035-013 Campos RJ. E-mail: amcampag@ig.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 4 de janeiro de 2007. cod. 3579.
Artigo aceito em 20 de agosto de 2007.

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