Ano: 2008 Vol. 74 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (24º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 790 a 793
Hipertrofia benigna do músculo masseter
Benign masseter muscle hypertrophy
Autor(es): Daniel Zeni Rispoli1, Paulo M. Camargo2, José L. Pires Jr3, Vinicius R. Fonseca4, Karina K. Mandelli5, Marcela A.C. Pereira6
Palavras-chave: ansiedade, hipertrofia, músculo masseter.
Keywords: anxiety, hypertrophy, muscle.
Resumo:
A hipertrofia idiopática do músculo masseter (HIM) é uma patologia pouco freqüente e de causa desconhecida. Alguns autores correlacionam tal condição com hábitos de mascar gomas, disfunção da articulação temporomandibular (ATM), hipertrofias congênitas e funcionais, e distúrbios emocionais (nervosismo e ansiedade). A maioria dos pacientes queixa-se da alteração estética decorrente da assimetria facial, também chamada "face quadrada", no entanto, sintomas como trismo, protrusão e bruxismo também podem ocorrer. Os objetivos deste estudo foram: relatar um caso de HIM e descrever a sintomatologia e o tratamento realizado. O paciente relatava aumento bilateral na região do ângulo da mandíbula de evolução lenta e progressiva. Negava dor ou desconforto, porém se queixava de otalgia bilateral, trismo noturno e ansiedade. Ao exame físico, observou-se hipertrofia bilateral de masseter sem alterações inflamatórias no local. Foi indicado tratamento cirúrgico com abordagem extra-oral. Exames complementares são indicados na dúvida diagnóstica. A conduta terapêutica varia de conservadora a cirúrgica, sendo que esta depende principalmente da experiência e da habilidade do cirurgião.
Abstract:
Idiopathic hypertrophy of the masseter muscle is a rare disorder of unknown cause. Some authors associate it with the habit of chewing gum, temporo-mandibular joint disorder, congenital and functional hypertrophies, and emotional disorders (stress and nervousness). Most patients complain of the cosmetic change caused by facial asymmetry, also called square face, however, symptoms such as trismus, protrusion and bruxism may also occur. The goals of the present investigation were: to report a case of idiopathic masseter hypertrophy, describe its symptoms and treatment. The patient reported bilateral bulging in the region of the mandible angle, of slow and progressive evolution. He did not complain of pain or discomfort, however there was bilateral otalgia, nighttime trismus and stress. In his physical exam we noticed bilateral masseter hypertrophy without local inflammatory alterations. We indicated surgical treatment with an extraoral approach. Complementary tests are indicated when there is diagnostic doubts. Treatment varies from conservative to surgical, and the later depends on surgeon skill and experience.
INTRODUÇÃO
O primeiro relato de hipertrofia idiopática de masseter (HIM) foi descrito por Legg em 1880, em uma menina de 10 anos, na qual foi observada hipertrofia idiopática do músculo temporal concomitantemente1-4,7.O músculo masseter, quadrilátero e potente, é essencial para uma adequada mastigação e situa-se lateralmente ao ramo da mandíbula, sendo, então, importante na estética facial. Sua hipertrofia, devido ao desenvolvimento excessivo do tecido muscular, altera o contorno facial, gerando desconforto e queixa de alteração estética, para muitos pacientes1,2. Além disso, esse aumento pode modificar a funcionalidade normal do músculo, causando trismo, protrusão e bruxismo2,3. A etiopatogenia permanece obscura1-6, no entanto, alguns autores a associam com vícios de mascar gomas, alterações psicológicas, alterações na articulação temporomandibular entre outras. Pode acometer qualquer indivíduo, independendo da idade, sexo e raça1-3,6 e, ainda, atingir ambos os lados da face1-6. A história clínica e o exame físico são importantes para o diagnóstico diferencial, porém não exclui totalmente outras lesões, sendo válido em algumas ocasiões, quando se tem dúvida, o uso de outros métodos de diagnóstico complementar, como por exemplo, tomografia computadorizada1,5. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com certas patologias, como alteração neoplásica do músculo e patologias de glândulas salivares, neoplasia ou doença inflamatória da glândula parótida e miopatia intrínseca do músculo masseter1,2,4. O tratamento consiste em optar por: conservador, isto é, uso de tranqüilizantes, placa para conter o ranger dos dentes, ajuda de psicólogos entre outras1,3,4 ou cirúrgico com abordagens via intra-oral ou extra-oral.1-3,5. Os objetivos deste trabalho foram relatar um caso de hipertrofia idiopática de masseter, revisar a literatura e propor um tratamento eficaz para o paciente.
REVISÃO DA LITERATURA
Incidência
A HIM até pouco tempo atrás era considerada um fenômeno raro, mas vem sendo um problema estético cada vez mais comum, mas ainda é considerada uma patologia pouco freqüente2. Acomete em maior proporção pacientes orientais8. Segundo uma revisão de 108 casos descritos na literatura até 1984, Baek constatou que a média de idade dos pacientes é de 30 anos; 57% dos casos ocorriam no sexo masculino, 60% dos casos eram bilateral e destes apenas cinco casos estavam associados à hipertrofia de músculo temporal13.
Etiologia
Origem desta patologia ainda é desconhecida1-6. Há autores que correlacionam a hipertrofia idiopática de masseter com diversos problemas, como: dentição defeituosa, hábitos mastigatórios imperfeitos, vícios de mascar gomas, desarranjo da articulação temporomandibular (ATM), ranger de dentes, bruxismo e cerramento dos dentes durante o sono2. Portanto, qualquer pessoa que apresenta alguma das causas acima pode desenvolver alteração do músculo masseter, especialmente a hipertrofia, seja unilateral ou bilateral. Outro fator que aumenta tal risco são pessoas com distúrbios psicológicos, ou seja, distúrbios emocionais podem sofrer alteração de propriocepção em manter o tônus muscular do masseter e causar sua hipertrofia. Segundo a citação de Teixeira, existem dois tipos de hipertrofia de masseter: uma congênita ou familiar e outra adquirida em razão da hipertrofia funcional2.
Diagnóstico diferencial
É importante diagnosticar corretamente a hipertrofia idiopática de masseter, uma vez que pode ser confundida com outras patologias. Destacam-se, a hipertrofia compensatória unilateral, devido à hipotrofia ou hipoplasia do lado contra lateral, alteração neoplásica do músculo masseter e patologias de glândulas salivares, neoplasia ou doença inflamatória da glândula parótida e miopatia intrínseca do músculo masseter1,2,4.
Diagnóstico e sintomatologia
Pode-se fazer o diagnóstico pela avaliação clínica, anamnese direcionada, exame radiográfico panorâmico1-6, sendo a palpação da massa contráctil a manobra diagnóstica que consiste em palpação da massa contrátil com os dedos mantendo o paciente com os dentes fortemente cerrados, assim o volume da massa se torna mais proeminente e definido pela contração. Com o músculo relaxado pela boca ligeiramente aberta, a palpação bimanual extra-oral demonstrará que o volume estará localizado dentro do plano muscular. No relaxamento, o ângulo da mandíbula pode revelar uma firme irregularidade que ao Rx simples em AP aparece como aumento ósseo 2. Segundo Seltzer e Wang (1987), a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética mostram excelentes imagens para o diagnóstico de diversas patologias do músculo masseter9. Já os testes neurológicos e a eletromiografia não são úteis para essa patologia, conforme Maxwell e Weggoner10.
A maioria dos pacientes relata apenas problemas estéticos, isto porque o aumento de volume do masseter causa assimetria facial ou face "quadrada"1-6. Alguns indivíduos se queixam de dor, cefaléia, tensão muscular, trismo e claudicação mastigatória intermitente1-4.
Tratamento
Para os pacientes que optam pelo tratamento não-cirúrgico, o tratamento clínico baseia-se em sessões psicológicas para pacientes com alterações psiquiátricas, uso de placa de reabilitação dentária, antiespasmódicos e ansiolíticos, analgésicos e fisioterapia1,3,4. Possuiu bons resultados em hipertrofias leves. Não há na literatura dados confiáveis quanto ao sucesso do tratamento clínico isolado.
O tratamento cirúrgico foi proposto pela primeira vez por Gurney em 1947 e sua técnica cirúrgica constava na incisão submandibular e remoção de 3/4 a 2/3 de todo o tecido muscular existente a partir da aponeurose superior do músculo até o bordo inferior da mandíbula11.
A osteotomia na região do ângulo da mandíbula foi aconselhado por Adams em 19501.
A remoção da porção de inserção do músculo masseter na mandíbula em forma de triangular foi a técnica empregada por Martensson em 1950 para um paciente com história de bruxismo e hipertrofia unilateral do masseter12.
Dezessete casos foram tratados cirurgicamente pelo método via intra-oral por Beckers em 1977 e consistia na remoção de uma faixa muscular interna do masseter hipertrofiado (desde a inserção superior do bordo do arco zigomático até a inserção inferior do ângulo da mandíbula), evitando uma cicatriz visível na face, diminuindo a possibilidade de lesão de ramos do nervo facial14.
O método mais empregado atualmente para a correção da HIM é a via extra-oral, através de uma incisão submandibular (Risdon), com a remoção de uma faixa muscular vertical interna do músculo de aproximadamente 2/3 de sua espessura1.
RELATO DO CASO
O paciente M.A.S., 24 anos, procurou o departamento de Otorrinolaringologia com queixa de aumento bilateral de região de ângulo de mandíbula, de início aproximadamente há 6 anos (Figura 1). Referiu aumento progressivo e lento nesta região, não-doloroso à palpação e que não limitava a abertura bucal. Queixava-se também de otalgia bilateral, trismo noturno e ansiedade.
Figura 1. Paciente com hipertrofia bilateral do músculo masseter.
Ao exame físico, o paciente apresentava hipertrofia bilateral de masseter sem outras alterações. Com os dados da história clínica e o exame físico (inspeção e palpação do intra e extra-oral) foi diagnosticado hipertrofia idiopática do masseter acometendo ambos os lados.
Não havia história familiar de hipertrofia masseterina. Foi proposto o procedimento cirúrgico por motivos estéticos e funcionais.
Descrição cirúrgica:
1) Utilizou-se a incisão submandibular (Risdon) com cerca de 5cm de extensão com isolamento do nervo marginal mandibular e vasos faciais;
2) Incisou-se o músculo a aproximadamente 5mm acima da basilar mandibular, descolando-se todo o masseter do ramo ascendente e ressecando-se uma faixa muscular da faixa interna vertical correspondendo a mais ou menos 2/3 da espessura muscular;
3) Após a ressecção da musculatura, o terço externo restante foi suturado ao seu local de origem no coto muscular inserido na basilar da mandíbula;
4) Ao final da cirurgia realizou-se a drenagem da loja, assim como curativo compressivo com bandagem. Em 24hs horas foi retirado o dreno;
5) Foi instituído fisioterapia entre o 10o e o 14o dia pós-operatório.
DISCUSSÃO
A HIM é uma patologia pouco comum, no entanto nos últimos anos vários casos têm sido descritos na literatura, assim como variações das técnicas cirúrgicas para o tratamento desta patologia estética e/ou funcional. A HIM é uma patologia de causa ainda não estabelecida, porém há certas condições que se associam com tal alteração, como por exemplo: distúrbios psicológicos, hábito de mascar gomas, alteração da ATM entre outras. Muitos autores relatam que a ansiedade é uma característica comum aos pacientes com HIM. A queixa de trismo do nosso paciente estava associada a episódios de stress e ansiedade. Apesar de os trabalhos encontrados na literatura descreverem a alteração estética como sendo a principal queixa dos pacientes com HIM, o paciente em questão queixava-se de otalgia, relacionada com disfunção da ATM. Vários trabalhos encontrados na literatura também descrevem as alterações funcionais do masseter e da ATM como sendo patologias associadas com a HIM1-6.
O diagnóstico da HIM é essencialmente clínico, os sintomas e a queixa de alteração estética associada com a progressão insidiosa da doença. O exame físico através da palpação intra e extra-oral da massa muscular sem sinais inflamatórios corroboram para o diagnóstico. Os principais diagnósticos diferenciais são massas tumorais de glândulas salivares maiores (como a parótida e glândula submandibular), tumores ósseos do terço médio e inferior da face, processos inflamatórios musculares ou salivares, neoplasias vasculares e aumentos nodulares. Nos casos de dúvidas no diagnóstico Seltzer e Wang (1987) recomendam exames complementares como a tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética que são excelentes no diagnóstico de diversas patologias do músculo masseter, glândulas salivares e processos tumorais ósseos ou vasculares9. Para Maxwell e Weggoner (1951) os testes neurológicos e a eletromiografia são dispensáveis.
As opções de tratamento cirúrgico da HIM baseiam-se na abordagem do acesso cirúrgico intra e extra-oral. Ambas as técnicas baseiam-se na retirada de fibras musculares em excesso, do terço interno das fibras verticais deste músculo1,2. Nos casos de hiperplasia óssea do ângulo mandibular podemos realizar osteoplastia redutora. É aconselhável a fixação do feixe muscular externo restante no periósteo mandibular como forma recuperação funcional mais adequada. (1/2). A opção pelo acesso intra ou extra-oral, a nosso ver, não se baseia nos resultados estéticos ou funcionais nem nos riscos de lesão vásculo-nervosa e sim na habilidade e experiência do cirurgião nestas vias de abordagens. Apesar de Da Cruz et al. (1994) sugerirem a via intra-oral como sendo de menor risco de lesão e de melhor resultado estético, o cirurgião habilitado com experiência no acesso à mandíbula não tem dificuldades no isolamento do nervo mandibular. O resultado estético das incisões submandibulares (como p.ex. Risdon) é bem aceito pelos pacientes.
CONCLUSÃO
A HIM é uma patologia de causa obscura e que pode acometer qualquer indivíduo. Apesar de o diagnóstico da HIM ser essencialmente clínico, exames complementares são oportunos para o diagnóstico diferencial com outras doenças. A escolha do tratamento cirúrgico dependerá principalmente da experiência e da habilidade do cirurgião.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Chefe do Depto. de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do Hospital Angelina Caron.
2 Chefe do Ambulatório de Laringe e Ouvido do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do HAC.
3 Chefe do Ambulatório de Otoneurologia e Zumbido do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio Facial do HAC.
4 Supervisor do Ambulatório Otorrinopediátrico do HAC.
5 Acadêmicas do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do HAC.
6 Acadêmicas do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do HAC.
Trabalho vinculado ao Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia Crânio-Facial do Hospital Angelina Caron.
Endereço para correspondência: Vinicius R. Fonseca - Rodovia do Caqui 1150 Km 1 83430-000 Campina Grande do Sul PR.
Tel. (0xx41) 679-8186 - Fax: (0xx41) 679-2591 - E-mail: vrfonseca@ig.com.br Trabalho apresentado no Congresso da USP em Julho de 2003 e no Congresso Triológico de Otorrinolaringologia em 8-11 de outubro de 2003, Rio de Janeiro.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 6 de setembro de 2005. cod.1082
Artigo aceito em 16 de setembro de 2005.