Ano: 2008 Vol. 74 Ed. 2 - Março - Abril - (22º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 293 a 296
Papiloma invertido bilateral: relato de caso e revisão da literatura
Bilateral inverted papilloma: case report and literature review
Autor(es): Raquel Salomone 1, Cícero Matsuyama 2, Osvaldo Giannotti Filho 3, Marcia Lanzoni De Alvarenga 4, Eulógio Emílio Martinez Neto 5, Adriana Gonzaga Chaves 6
Palavras-chave: papiloma, papiloma invertido, tomografia computadorizada
Keywords: papilloma, inverted papilloma, computed tomography
Resumo:
O papiloma invertido é um raro tumor nasossinusal benigno e unilateral. As manifestações clínicas são inespecíficas, como obstrução nasal unilateral, rinorréia, epistaxe, hiposmia e cefaléia. O diagnóstico é realizado por meio de anamnese detalhada, exame otorrinolaringológico e exames complementares. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são exames fundamentais na elucidação diagnóstica, no tratamento e no acompanhamento do paciente. O tratamento é essencialmente cirúrgico. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de papiloma invertido bilateral e realizar uma revisão da literatura.
Abstract:
The inverted papilloma is an uncommon unilateral nasosinusal benign tumor. The clinical picture presents nonspecific signs and symptoms, such as unilateral nasal obstruction, anosmia and headache. The diagnosis is established by anamnesis, physical exam, computed tomography and magnetic resonance imaging. Treatment is essentially surgical. This report has the objective of presenting an uncommon bilateral inverted nasal papilloma and making a literature review.
INTRODUÇÃO
O termo papiloma significa neoplasia com crescimento epitelial. O primeiro relato deste tipo de tumor em cavidade nasal foi realizado por Ward et al. em 18541,2.
O papiloma invertido (PI) é um raro tumor nasossinusal benigno com incidência de 0,75 a 1,5 casos por 100 mil habitantes/ ano3-8. Representa 0,5 a 4% de todos os tumores nasais1,2,9 sendo que 91 a 99% dos casos são unilateral7.
O PI origina-se da parede lateral da cavidade nasal, podendo acometer secundariamente os seios maxilares, etmoidais, frontais e esfenoidais. O acometimento primário dos seios paranasais é extremamente raro, ocorrendo em apenas 5% dos casos10-12. O primeiro caso de papiloma invertido esfenoidal primário foi descrito por John et al. em 20027.
O PI é 4 a 5 vezes mais freqüentes no sexo masculino com maior prevalência em caucasianos, entre a 5a e a 6a décadas de vida8.
Apesar de benigno, o papiloma invertido caracteriza-se pelo crescimento agressivo, grande potencial de invasão7,13,14, multicentrismo (12%), índices elevados de recidiva1,2,9 e malignização (2 a 53%)13. Cerca de 10% dos casos de PI com presença de atipia celular tem associação com carcinoma de células escamosas8-12.
Os sinais e os sintomas são inespecíficos, podendo causar obstrução nasal unilateral, epistaxe, distúrbios olfatórios e rinossinusites recorrentes15.
O diagnóstico é feito através de anamnese, exame otorrinolaringológico e dos exames de imagem. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), ambas de fossas nasais e seios paranasais, são importantes para avaliar o tamanho, a extensão e as relações anatômicas do tumor, além de auxiliar na diferenciação entre outras doenças nasossinusais e em casos de complicações orbitárias e/ou intracranianas.
Os principais diagnósticos diferenciais são realizados com pólipo antrocoanal, pólipo escamoso do vestíbulo nasal, displasia fibrosa, granuloma de células gigantes e outras neoplasias8,11,12.
O tratamento é cirúrgico. As técnicas e as vias de acesso cirúrgico devem ser amplamente estudadas e individualizadas.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 51 anos, com queixa de obstrução nasal há um ano, associada a hiposmia e rinorréia mucopurulenta. Negava epistaxe, cefaléia ou distúrbios visuais.
Ao exame otorrinolaringológico, observou-se hipertrofia moderada de conchas nasais inferiores e palidez mucosa, com presença de secreção mucopurulenta. A oroscopia e otoscopia não demonstraram alterações.
A videonasofibroscopia revelou grande quantidade de secreção mucopurulenta, associada a tumor lobulado, de aspecto polipóide, superfície irregular e consistência firme, ocupando a parede lateral de ambas as fossas nasais.
A TC de fossas nasais e seios paranasais revelou a presença de imagem hiperdensa ocupando ambas as fossas nasais, seios etmoidais, frontais, esfenoidais e seio maxilar direito, com alargamento do complexo óstio meatal bilateralmente e envolvimento do cavum. Não foi observado sinais de lise óssea (Figuras 1 e 2).
Figura 1. Tomografia Computadorizada de cavidade nasal e seios paranasais. Corte coronal mostrando o acometimento bilateral das cavidades nasais, seios etmoidais e seio maxilar direito.
Figura 2. Tomografia Computadorizada de cavidade nasal e seios paranasais. Corte axial mostrando o acometimento bilateral das cavidades nasais e seio maxilar direito.
O paciente foi então submetido à cirurgia endoscópica nasossinusal com a realização bilateral de etmoidectomia (total), sinusectomia frontal, esfenoidectomia e antrostomia maxilar com a extração do tumor em 2 blocos e ressecção de grande parte de lamina papirácea bilateralmente.
O exame anatomopatológico revelou papiloma invertido bilateral sem sinais de atipia celular. Foi realizada revisão dos blocos em outra instituição que confirmou o diagnóstico de papiloma invertido bilateral.
A evolução pós-operatória foi satisfatória. O controle realizado a cada 2 meses nos 6 primeiros meses do pós-cirúrgico através de exame endoscópico nasal, mostrou cavidade re-epitelizada sem sinais de recidiva da doença. Foram então solicitados novos exames de TC e RM de cavidade nasal e seios paranasais, entretanto, nosso paciente ainda não retornou.
DISCUSSÃO
O papiloma invertido, também denominado papiloma de Schneider, de Ewing, de células transicionais, epitelial, câncer viloso, tumor benigno de células transicionais e papilomatose, é um tumor benigno sinusal que apresenta etiologia indefinida1,2,8,12.
A denominação invertida justifica-se pelo crescimento endofílico do epitélio superficial para o interior do estroma adjacente8,9,12. Este epitélio nasal prolifera e torna-se metaplásico, dando origem a diversos padrões histológicos (com microcistos internos) responsáveis pelo potencial elevado de malignização8,12. Ringertz, em 193811, descreveu como principal característica do PI o crescimento local invasivo e a invasão epitelial.
A principal teoria sobre a etiologia do PI propõe que a membrana de Schneider, formadora da mucosa do tracto nasossinusal é originada pela invaginação ectodérmica do placóide olfatório. Essa membrana sofreria então, diversas mudanças estruturais, levando a maior predisposição de diferenciação neoplásica9,15. Outras possíveis etiologias são: origem inflamatória e/ou rinossinusite infecciosa crônica, exposição a substâncias tóxicas, processos alérgicos, vírus Ebstein-Barr e o Papiloma Vírus Humano (HPV) dos subtipos 6, 11 e 167,10,11. A presença do HPV está relacionada à patogênese da doença, ocorrendo em 14% dos papilomas invertidos e 100% dos papilomas exofídicos8.
Histologicamente, os papilomas podem ser divididos em três tipos: fungiforme ou exofídico, que se origina da parte anterior do septo e apresenta aspecto macroscópico de verruga vulgar, o colunar que se origina da parede lateral do nariz e meato médio e o invertido, descrito anteriormente, com três vezes mais chance de malignização, se comparado ao papiloma colunar2,8.
O quadro clínico do PI constitui-se por obstrução nasal unilateral (98%), rinorréia (17%), epistaxes (6%), anosmia (4%), cefaléia e dor frontal. O tumor pode se estender para fora da cavidade nasal em 7% dos casos, 3% dos casos estendem-se para nasofaringe e menos de 2% para a fossa pterigopalatina e intracraniana1,2,8.
O diagnóstico deve iniciar-se por uma anamnese detalhada, pesquisando a exposição ambiental, os hábitos nocivos, as alergias e as doenças associadas, e pelo exame otorrinolaringológico completo. Os exames endoscópicos e radiológicos (TC e RM) são fundamentais para o estudo e o diagnóstico do tumor. A biópsia associada ao estudo histopatológico selam o diagnóstico, porém, não devem ser realizados antes de um estudo radiológico prévio, a fim de excluir a presença de tumor vascularizado (nasoangiofibroma juvenil) ou lesões com extensão para o sistema nervoso central (meningocele e meningoencefalocele)8.
O pólipo nasal, 25 vezes mais freqüente que o PI2, apresenta mucosa respiratória com edema de estroma e infiltrado eosinofílico, devendo ser um diagnóstico diferencial assim como o pólipo antrocoanal, pólipo escamoso, do vestíbulo nasal, displasia fibrosa, granuloma de células gigantes e as neoplasias8,11,12.
Recentemente, Krouse10 propôs o estadiamento do PI em 4 grupos baseado na invasão do tumor para os seios paranasais e sua possível malignização7,10.
A TC de cavidade nasal e seios paranasais sugere a presença do PI quando existe uma imagem de densidade de partes moles desde o meato médio até o antro maxilar adjacente, através de um óstio maxilar alargado8 como o observado em nosso paciente. Essa imagem pode conter áreas de hiperdensidade (calcificações e/ou esclerose) ou deformações da parede óssea do seio afetado. A ocorrência de um tumor antrocoanal com presença de deformidade óssea (30%) associado à esclerose sugere crescimento lento, característico do PI11,12.
A RM avalia mais precisamente os limites do tumor e o local de implantação, diferenciando-o de tecido inflamatório adjacente além de ser o exame de escolha para o seguimento pós-operatório12. Ponderada em T1 ou T1 com supressão de gordura a RM avalia melhor casos de invasão de tecidos vizinhos como órbita, nasofaringe e sistema nervoso central. Ponderada em T2, o tumor aparece com sinal intermediário e os tecidos inflamatórios com sinal de hiperintensidade. O uso de contraste não é capaz de diferenciar o PI de outros tumores nasossinusais8.
O tratamento é cirúrgico. No passado utilizavam-se as técnicas de rinotomia lateral, médio facial degloving ou maxilectomia medial com ressecção em bloco do tumor. A partir da década de 80, com a introdução da cirurgia endoscópica e micro-endoscópica nasossinusal, os procedimentos tornaram-se menos invasivos, entretanto, ocorreu um aumento no índice de recidiva do tumor, tornando a técnica endoscópica contra-indicada quando realizada sem a complementação feito por um acesso externo1,2,4,12. Stankwigcz et al., em 199314, propuseram a cirurgia endoscópica apenas nos casos de doença unilateral, sem aspecto de malignidade, circunscrita ao meato médio e concha média. Oikawa et al. preconizam a cirurgia endoscópica para tumores no estágio 1 e 27 (limitado à cavidade nasal ou seio etmoidal e porção medial e superior do seio maxilar respectivamente). Os diversos autores concordam sobre a necessidade de no local da incisão, retirar o osso e o periósteo adjacente ou então desbastar o osso com broca de diamante8,13, principalmente na área que divide o teto do seio maxilar e a lâmina papirácea, local de maior recidiva do tumor8.
A radioterapia (RT) é controversa. Weissele9 e Terance2 indicam-na apenas para tumores benignos inoperáveis ou lesões múltiplas recorrentes. Jankowski10 preconiza a RT quando o papiloma invertido está comprovadamente associado a carcinoma. Atlug8, em contrapartida, salienta que a radioterapia é ineficaz e alerta quanto ao risco deste procedimento causar a transformação maligna do tumor e osteorradionecroses.
A recidiva tumoral ocorre normalmente nos dois primeiros anos, porém em 17% dos casos ocorre após 6 anos de evolução6,9,15, justificando o segmento do paciente por no mínimo 6 anos6,9,15.
COMENTÁRIOS FINAIS
A extrema raridade com que o papiloma invertido acomete as cavidades nasais (bilateral) faz com que este relato torne-se importante, principalmente quanto ao seguimento pós-cirúrgico porque, apesar de ser um tumor benigno, o papiloma invertido é um tumor de comportamento muito agressivo. O tratamento cirúrgico deve ser minucioso, com a realização de um estudo radiológico prévio e bem detalhado dos limites do tumor, para que possa ser realizada a melhor técnica de abordagem e assim, retira-lo por completo e diminuir os riscos de sua recidiva.
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1 Médica residente de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA.
2 Mestre. Professor Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM- São Paulo, Coordenador da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA- São Paulo.
3 Professor Doutor em Anatomia Patológica pela UNIFESP/EPM- São Paulo, Docente em Anatomia Patologia da UNIFESP/EPM- São Paulo.
4 Médica Residente de Patologia Clínica da UNIFESP/EPM- São Paulo.
5 Médico Otorrinolaringologista.
6 Médica Otorrinolaringologista do Hospital CEMA -São Paulo. Mestranda em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM- São Paulo.
Endereço para correspondência: Centro de Estudos - A/C Sra. Leila - Rua do Oratório 1369 Mooca São Paulo SP 03117-000.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 11 de março de 2005. cod. 127
Artigo aceito em 24 de maio de 2006.