Versão Inglês

Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (22º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 137 a 142

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Corpo estranho de tuba auditiva: apresentação de um caso e técnica utilizada para remoção

Foreign body in the Eustachian tube - case presentation and technique used for removal

Autor(es): Fernando de Andrade Quintanilha Ribeiro 1

Palavras-chave: corpo estranho, orelha média, tuba auditiva.

Keywords: foreign body, middle ear, eustachian tube.

Resumo:
Corpos estranhos da orelha externa são muito freqüentes, o mesmo não se podendo dizer dos corpos estranhos da orelha média e principalmente da tuba auditiva. Apresentação do Caso: Paciente etilista e demente apresentava corpo estranho (espeto de madeira para churrasquinho) introduzido em sua orelha média e tuba auditiva através de ação criminosa. Este se apresentava encavilhado na tuba auditiva sem possibilidade remoção externa. Esta foi feita por ato cirúrgico descrito pelos autores. Comentários: O paciente se recuperou bem, sem seqüelas para o nervo facial e sem crise vertiginosa importante.

Abstract:
Foreign bodies of the external ear are very common; the same can not be said about foreign bodies of the middle ear, especially of the Eustachian tube. Case presentation: Alcoholic and psychopathic patient presented a foreign body (barbecue wooden stick) purposefully introduced in his middle ear and Eustachian tube during an act of delinquency. The foreign body was stuck in the tube and could not be removed externally. It was surgically removed as described by the authors later on in the paper. Comments: The patient recovered well, with no sequela on the facial nerve and without important vertigo.

INTRODUÇÃO

Corpos estranhos da orelha são freqüentes, mas quase sempre situados no meato acústico externo1,2. Os mais comuns em crianças são sementes e pedaços de brinquedos plásticos. Pilhas e baterias têm sido relatadas e podem causar problemas maiores se não retirados precocemente3. Corpos estranhos da orelha média são bem mais raros e normalmente acontecem após acidentes, e por suas conseqüências são diagnosticados rapidamente4. Podemos considerar como corpos estranhos objetos usados em cirurgias como próteses de ossículos, fitas plásticas para evitar aderências timpânicas ou tubos de ventilação5. Este caso descrito, de corpo estranho na tuba auditiva, é extremamente raro.


REVISÃO DA LITERATURA

Nenhum caso de corpo estranho de tuba auditiva foi encontrado na revisão de literatura.


APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente de aproximadamente 50 anos, morador de rua, etilista crônico, demente, deu entrada ao hospital com lesões múltiplas crânio faciais, entre elas fratura etmoidal, hematoma subdural laminar, pequeno, trombose da carótida interna à direita e corpo estranho que saía pelo meato acústico externo direito (Figura 1, Figura 2). Após ter tido alta da neurologia por conduta expectante do hematoma, veio encaminhado para o serviço de O.R.L. onde estudo tomográfico identificou um corpo estranho que adentrava pelo meato acústico externo, invadia a caixa timpânica e mergulhava pela tuba auditiva. Notava-se lesão do canal carotídeo e trombose da carótida interna (Figuras 3-7a), desde sua bifurcação, comprovado por arteriografia (Figuras 8-9a). O paciente não cooperou para que se fizesse uma avaliação audiológica apropriada, notando-se apenas perda auditiva profunda do lado direito. Examinado pela clínica médica foi liberado para ser submetido a anestesia geral para retirada do corpo estranho. O paciente apresentava-se consciente e mantinha conversação mas, pelo seu quadro psiquiátrico, não dizia coisas com nexo.


Figura 1. Paciente politraumatizado.



Figura 2. Corpo estranho no meato acústico externo direito.



Figura 3. Presença de corpo estranho no meato acústico externo e caixa do tímpano, luxando a cadeia ossicular para a região mastóidea.



Figura 4. Presença de corpo estranho preenchendo a caixa do tímpano.



Figura 5. Corpo estranho em tuba auditiva á direita, comparando-se com a tuba esquerda.



Figura 6. Corte mostrando a tuba à esquerda, com a tomografia virada para comparação.



Figura 6a. 1 - cóclea; 2 - canal carotídeo; 3 - sistema nervoso central; 4 - Parte inferior da tuba, obliterada pelo corpo estranho.



Figura 7. Corte mostrando tuba auditiva à direita, preenchida pelo corpo estranho.



Figura 7a. Desenho do corpo estranho para facilitar visualização.



Figura 8. Arteriografia, de perfil, notando-se o bloqueio, por trombose de toda carótida interna direita.



Figura 9. Corte coronal com bloqueio por trombose da carótida interna direita.



Figura 9a. Corte coronal da carótida esquerda para comparação e visualização da circulação no polígono de Willis.



DESCRIÇÃO CIRÚRGICA

Sob anestesia geral notou-se que o corpo estranho era um espeto de madeira usado para churrasquinho. Com uma pinça forte ele foi manipulado no sentido de ser retirado, pois com a trombose da carótida possivelmente não haveria sangramento profuso. O corpo estranho não se moveu. Foi feita uma abordagem retro-auricular e incisão da pele do meato. Como ele preenchia todo espaço, fez-se uma mastoidectomia onde se constatou luxação da bigorna para a região mastóidea. Esta foi retirada, assim como o martelo. O muro foi derrubado e na cavidade radical se observou que o espeto preenchia quase toda caixa do tímpano e parecia continuar na direção da tuba auditiva. Foi novamente tentado removê-lo, sem resultado. Optou-se por cortá-lo com a broca a ir desbastando até o início da tuba auditiva. Não foi visualizado o estribo. Neste ponto notou-se que a madeira entrava pela tuba tal qual uma cavilha de marcenaria, usada na construção naval. Com a broca continuamos a cortar o osso em volta, mas principalmente o próprio espeto que era desbastado internamente e depois prensado para sua luz formada pela broca. Não havia pontos de reparo, mas observamos a erosão do canal carotídeo. Assim continuamos por uns seis centímetros, sempre broqueando o próprio espeto e um pouco do osso adjacente. As tentativas de removê-lo foram em vão. Após este percurso, notamos que o osso terminara e havia tecido mole subseqüente (parte cartilaginosa da tuba). Neste momento a ponta do espeto de depreendeu e ele pode ser retirado. Foi observada, medialmente, pequena deiscência do sistema nervoso central. Sob o microscópio observamos um espaço maior que se abria inferiormente e que foi confirmado ser a nasofaringe pela visualização, através de nasofibroscopia, de uma sonda ali colocada. A cavidade ampla da tuba foi preenchida com músculo, ficando a ferida cirúrgica idêntica a uma cavidade radical (Figuras 10-14). Foi feita plástica do meato e sutura retroauricular.


Figura 10. Cavidade pós-operatória, igual a uma radical.



Figura 11. Cavidade pós-operatória, notando-se lesão do canal semicircular inferior.



Figura 12. Cavidade pós-operatória com cóclea íntegra.



Figura 13. Região da tuba antes da cirurgia, ainda com o corpo estranho.



Figura 14. Região da tuba alargada após a cirurgia.



Ao exame tomográfico posterior, notou-se erosão do canal semicircular inferior, do canal carotídeo e exposição de parte do sistema nervoso central.


DISCUSSÃO

Nenhum caso semelhante de corpo estranho introduzido na tuba auditiva foi encontrado na literatura para que pudéssemos comparar suas características e discutir o método de sua retirada.

Pelas características do paciente, sua história foi profundamente pobre e desconexa. O que sabíamos na verdade é que ele era um politraumatizado através de ato criminoso. Não foi possível definir a data do ocorrido, mas pela trombose da carótida interna, sem lesão cerebral detectada por tomografia computadorizada, e sem seqüelas aparentes, possivelmente algum tempo já deveria ter ocorrido. O corpo estranho, um espeto de churrasquinho, foi martelado dentro de sua orelha, rompendo a membrana, batendo no promontório e se orientando para dentro da tuba auditiva. Nesta se alojou, como uma cavilha, sob pressão, e sem a mínima chance de ser retirado. A técnica utilizada de broqueamento da peça, que já utilizávamos na remoção de balas de revólveres de chumbo mostrou ser a mais adequada. Não houve sangramento importante e o paciente se recuperou bem, sem paralisia facial ou quadro vertiginoso. Não tinha queixa auditiva, mas sua avaliação audiométrica foi impossível por causa de seu quadro de demência, observando-se perda profunda da audição à direita, característica já presente no pré-operatório. Não relatava zumbido, mas sim que escutava vozes do além. Foi posteriormente encaminhado ao serviço de psiquiatria e ao serviço social do hospital.


COMENTÁRIOS FINAIS

Este caso nos mostra a que ponto pode chegar a maldade humana, mas também a que ponto pode chegar sua resistência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Schulze SL, Kerschner J, Beste D.Pediatric external auditory canal foreign bodies: a review of 698 cases. Otolaryngol Head Neck Surg 2002;127(1):73-8.

2. Thompson SK, Wein RO, Dutcher PO. External auditory canal foreign body removal: management practices and outcomes. Laryngoscope 2003;113(11):1912-5.

3. Lin VY, Daniel SJ, Papsin BC. Button batteries in the ear, nose and upper aerodigestive tract. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 2004; 68(4):473-9.

4. Bruno E, Alessandrini M, Russo S, D'Erme G, Nucci R. Perilymphatic fistula following trans-tympanic trauma: a clinical case presentation and review of the literature. An Otorrinolaringol Ibero Am 2002;29(4):359-66.

5. Kupperman D, Tange RA. Ionomeric cement in the human middle ear cavity: long-term results of 23 cases. Laryngoscope 2001;111(2):306-9.












1 Prof. Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 10 de março de 2005. cod. 88
Artigo aceito em 22 de março de 2005.

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