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Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 48 a 52

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Ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica no tratamento da epistaxe posterior severa

Endoscopic ligature of the sphenopalatine artery for severe posterior epistaxis

Autor(es): Richard L. Voegels,
Daniela C. Thomé,
Patsy Priscilla V. Iturralde,
Ossamu Butugan

Palavras-chave: epistaxe, ligadura da artéria esfenopalatina, tratamento.

Keywords: epixtasis, endoscopic ligature of the sphenopalatine artery, treatment.

Resumo:
Objetivo: Apresentar a experiência do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP na realização da ligadura da artéria esfenopalatina no tratamento da epistaxe posterior severa. Métodos: Trinta e um pacientes submetidos a ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica, no período entre novembro de 1996 e julho de 2001, foram analisados de maneira restrospectiva. Resultados: Dezenove (61,3%) pacientes eram do sexo masculino e 12 (38,7%) do feminino, com idade variando de 15 a 80 anos (média de 44,7 anos). O procedimento cirúrgico foi realizado de maneira unilateral em 29 pacientes e bilateral em 2 pacientes, totalizando 33 ligaduras. A identificação da artéria foi possível em todos os casos, sendo alcançado o sucesso terapêutico com a técnica isolada. Conclusão: A ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica tem se mostrado uma técnica cirúrgica eficaz e segura no tratamento da epistaxe posterior severa.

Abstract:
Objective: To present our experience with endoscopic ligature of the sphenopalatine artery in the treatment of severe posterior epistaxis. Methods: During a 56 month-period, 31 patients with severe posterior epistaxis, who were treated using na endoscopic ligature of the sphenopalatine artery were reviewed. Results: Nineteen (61,3%) patients were male and 12 (38,7%) female, with ages ranging from 15 to 80 years, with an average age of 44,7 years. The endoscopic ligature of the sphenopalatine artery was performed unilaterally in 29 patients and bilaterally in 2 cases, with a total of 33 ligatures. It was possible to identify the sphenopalatine artery in all cases with successful outcome using this surgical technique alone. Conclusions: Endonasal endoscopic ligature of the sphenopalatine artery has been an effective and safe surgical technique for treating severe posterior epistaxis.

INTRODUÇÃO

A epistaxe severa, em geral proveniente da região posterior da fossa nasal, consiste em uma das principais urgências otorrinolaringológicas e requer cuidados especiais1. O tratamento cirúrgico da epistaxe, o qual abrange a cauterização via microscópica ou endoscópica, ligadura arterial e embolização, normalmente fica reservado para pacientes que apresentam sangramento refratário a manobras conservadoras1,2. No entanto, dependendo da severidade do quadro, a abordagem cirúrgica pode se tornar a primeira opção de tratamento.

A ligadura da artéria esfenopalatina através da microcirurgia foi introduzida por Prades3 em 1970. Sulsenti et al.4, em 1987, utilizaram o espéculo bivalvular de Prades e o microscópio para a ligadura da artéria esfenopalatina no meato médio, enquanto Budrovich e Saetti5, em 1992, foram os primeiros a relatar o uso do endoscópio para a realização deste procedimento. O objetivo da ligadura consiste na interrupção da irrigação nasal em um ponto distal suficiente para prevenir o fluxo direto, retrógrado e anastomótico dos sistemas carotídeos ipsi e contralaterais e representa uma excelente opção cirúrgica no manuseio da epistaxe posterior severa.

O presente estudo visa apresentar a experiência do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP na ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica endonasal no tratamento da epistaxe posterior severa.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo nos pacientes submetidos a ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica endonasal no Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP no período de novembro de 1996 a julho de 2001 (56 meses). A ligadura foi realizada em um total de 31 pacientes, 19 (61,3%) do sexo masculino e 12 (38,7%) do feminino, com idade variando de 15 a 80 anos (média de 44,7 anos). Todos os pacientes foram submetidos, previamente à cirurgia, a tratamento conservador sem sucesso (tampão anterior e/ou tampão ântero-posterior). Através da revisão dos prontuários foram obtidas informações sobre possíveis fatores predisponentes.

Todas as cirurgias foram realizadas sob anestesia geral, sem nenhum cuidado específico com a pressão arterial (paciente mantido normotenso). A vasocontricção tópica foi feita com algodões embebidas em adrenalina 1:2000, não sendo utilizado infiltrações. O princípio básico da técnica cirúrgica, que envolve a utilização do endoscópio nasal rígido de zero grau e 4mm de diâmetro, consiste na identificação dos ramos da artéria esfenopalatina (Figura 1). Realiza-se incisão vertical inferior à porção posterior do corneto médio, 1cm anterior à região mais caudal (Figura 2A). Elevando-se um retalho mucoperiosteal posterior e superiormente, o feixe fibroneurovascular é alcançado junto ao foramen esfenopalatino (Figura 2B). Após isolar a artéria e seus ramos, "clips" vasculares (Titanium Clip, Ethicon Endo-Surgery; INC; REF:LT200) são colocados sob visão direta (Figura 2C), e o retalho mucoperiosteal retorna a sua posição original (Figura 2D).


Figura 1. Vista da parede lateral da fossa nasal que mostra a relação do foramen esfenopalatino com o corneto médio, e os ramos da artéria esfenopalatina.



Figura 2. A. incisão vertical inferior à porção posterior do corneto médio; B. elevação de um retalho mucoperiosteal posterior e superiormente, sendo alcançada a artéria esfenopalatina em nível do foramen esfenopalatino; C. aplicação de clips vasculares sob visão direta; D. retorno do retalho mucoperiosteal à posição original (MT: corneto médio; IT: corneto inferior; C: coana; seta: indica o formen esfenopalatino)


RESULTADOS

Dezesseis (51,6%) pacientes foram submetidos a tampão antero-posterior, realizado com sonda de foley posteriormente, e rayon vaselinado anteriormente, e todos os pacientes haviam sido previamente tratados com tampão anterior. Cauterização elétrica via endoscópica de pontos sangrantes foi realizada em 6 (19,3%) pacientes. Transfusão sanguínea foi necessária em 6 (19,3%) pacientes.

A ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica endonasal foi realizada de forma unilateral em 29 (93,5%) pacientes e bilateral em 2 (6,4%) casos, somando um total de 33 ligaduras. A identificação dos ramos da artéria esfenopalatina foi possível em todos os casos, sendo alcançado o sucesso terapêutico com a técnica isolada. Em nenhum paciente foi mantido tamponamento nasal no pós-operatório. Não houve complicações durante ou após a cirurgia relacionada ao procedimento. Os pacientes receberam alta após 48hs ou mais de observação.

DISCUSSÃO

Cada vez mais, um maior número de otorrinolaringologistas considera a ligadura vascular precoce uma alternativa para determinados pacientes com epistaxe posterior severa. Este fato se deve à possibilidade de maior conforto para o paciente, diminuir a hospitalização e a necessidade de transfusão sanguínea, reduzir a morbidade e até mesmo a mortalidade. Algumas indicações são apontadas na ligadura vascular, de forma similar às indicadas para a cauterização endoscópica descrita por O'Leary-Stickney et al.7: a) discrasia sanguínea que contraindica o tamponamento ou cirurgia aberta; b) sangramento refratário com tampão posicionado; c) hemorragia após cirurgia nasal; e d) intolerância do paciente ao tamponamento.

O tratamento cirúrgico para a epistaxe severa também está associado a diversos fatores predisponentes. Em nosso estudo, hipertensão, distúrbios hematológicos e trauma estiveram presentes em 16 (51,6%),1 (3,2%) e 4 (12,9%) pacientes, respectivamente. Epistaxe conseqüente a turbinectomia inferior foi observada em 11 (35,4%) pacientes. Além disto, Barlow et al.1 observaram que o tratamento cirúrgico para a epistaxe severa está fortemente associado a sangramento posterior e transfusão sanguínea. Neste estudo, todos os pacientes apresentaram epistaxe posterior, porém apenas 19,3% necessitaram de transfusão sanguínea.

A ligadura da artéria esfenopalatina via endoscópica tem se mostrado uma técnica cirúrgica efetiva no tratamento da epistaxe posterior severa, como pode ser observado em nosso primeiro estudo9. Em 1992, Budrovich et al. 5 descreveram algumas dificuldades em isolar a artéria, mas não observaram complicações. No entanto, com o aumento da experiência na cirurgia endoscópica e nos parâmetros anatômicos, nenhuma dificuldade foi encontrada em isolar a artéria em nosso estudo. Acreditamos que esta técnica cirúrgica é simples, promove uma boa exposição do campo cirúrgico, apresenta baixa morbidade e deve ser considerada precocemente no manuseio da epistaxe posterior severa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Barlow DW, Deleyiannis FWB, Pinczower EF. Effectiveness of surgical management of epistaxis at a tertiary care center. Laryngoscope 107;21-24, 1997.
2. Sharp HR, Rowe-Jones JM, Biring GS et al. Endoscopic ligation or diametry of the sphenopalatine artery in persistent epistaxis. J Laryngol Otol 111:1047-1050, 1997.
3. Prades J. Abord endonasal de la fosse pterygo-maxillaire. LXXIII Cong Franc Compt Rendus des Seanc 290-296, 1976.
4. Sulsenyi G, Yanez C, Kadiri M. Recurrent epistaxis: microscopic endonasal clipping of the sphenopalatine artery. Rhinology 25:141-142, 1987.
5. Budrovich M, Saetti R. Microscopic and endoscopic ligature of the sphenopalatine artery. Laryngoscope 1390-1394, 1992.
6. Simpson GT, Janfaza P, Becker GD. Transantral sphenopalatine artery ligation. Laryngoscope 1001-1005, 1982.
7. O`Leary-Stickney K, Makielsky K, Weymuller EA. Rigid endoscopy for the control of epistaxis. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 118:966-967, 1992.
8. White PS. Endoscopic ligation of the sphenopalatine artery (ELSA): a preliminary description. J Laryngol Otol 110:27-30, 1996.
9. Voegels RV, Thomé DC, Iturralde PPV, Butugan O. Endoscopic ligature of the sphenopalatine artery for severe posterior epistaxis. Otolaryngol Head Neck Surg 124 (4):464-467, 2001.




Professor Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Diretor de Rinologia do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Doutoranda do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Otorrinolaringologista formada pelo Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Professor Associado do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Autor para correspondência: Richard Louis Voegels - Rua Iubatinga 145 ap 61-B São Paulo SP 05716-110
Fax: (0xx11) 3749-1029 - E-mail: voegels@attglobal.net

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