Ano: 2004 Vol. 70 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (11º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 777 a 780
Relação da presença de hiperacusia em pacientes com paralisia facial periférica de Bell
Relation of hyperacusis and peripheral facial paralysis - Bell's palsy
Autor(es): Raquel Ysabel Guzmán Liriano , Sandra Lira Bastos de Magalhães , Flávia Barros , José Ricardo Gurgel Testa , Yotaka Fukuda
Palavras-chave: Palavras-chave: paralisia de Bell, hiperacusia.
Keywords: Key words: facial paralysis (Bell's palsy), hyperacusis.
Resumo:
Resumo
A paralisia de Bell é uma paralisia facial unilateral de início súbito e de causa desconhecida. Pode afetar a salivação, o paladar e o lacrimejamento dependendo do topografia do acometimento do nervo facial, e os pacientes podem referir hipersensibilidade auditiva. Nos pacientes com paralisia de Bell, o reflexo estapediano está ausente. O objetivo desta investigação foi o de verificar se os pacientes com paralisia de Bell apresentam hiperacusia. Foram examinados 18 pacientes aleatórios apresentando paralisia facial periférica de Bell. Foi realizada avaliação otorrinolaringológica completa, teste de Hilger, teste de Schirmer, gustometria, audiometria tonal e vocal, imitanciometria e teste de desconforto auditivo. A faixa etária entre 31 e 40 anos foi a mais afetada pela PFP nesta amostra. Os pacientes do sexo feminino foram os mais afetados estando acometidos em 61% dos casos. A hemi-face direita foi acometida em 56% dos casos. O grau de acometimento local mais encontrado foi o grau IV em 44% dos casos e os graus III e V em 28% dos casos cada. A queixa de hiperacusia esteve presente em apenas um paciente, o que representa 5,5% dos casos. Todos os pacientes estudados apresentaram diminuição nos gráficos audiométricos do limiar de tolerância auditiva, sendo que o reflexo estapediano protege, em média 16 dB, nestes pacientes. Portanto, concluímos que pacientes com paralisia de Bell apresentam clinicamente queixas de hiperacusia semelhantes da população geral, porém, audiometricamente, o limiar de tolerância auditivo no lado paralisado é menor do que em relação ao do lado normal.
Abstract:
Summary
Bell's palsy is a unilateral facial paralysis of sudden onset and unknown causes. It may affect salivation, taste and lacrimation depending on the site of facial nerve involvement. Patients can report supersensitive hearing. The stapedius reflex is absent in-patients with Bell's palsy. The objective of this study was to check if patients with Bell's palsy present hyperacusis. Eighteen patients with peripheral facial paralysis were randomly selected and examined. A complete ENT evaluation was performed, including Hilger facial nerve stimulator, Schirmer´s test, electrogustometry, pure tone testing, speech audiometry, immitance testing and uncomfortable loudness levels. The group aged 31-40 years was the most affected by peripheral facial paralysis in this sample. The incidence was higher in females (61%). The right side of the face was involved in 56% of patients. As to local involvement, grade IV was observed in 44% of cases and grades III and V in 28% of patients each. Only one patient (5.5%) complained of hyperacusis. All patients studied presented reduced tolerance threshold in the audiometric graphs, and the stapedius reflex protects these patients, in average, by 16dB. Therefore, we could conclude that the frequency of complaints of hyperacusis in-patients with Bell's palsy is similar to that of the general population; however, in audiometric terms, the tolerance threshold in the paralyzed side is lower as compared with the normal side.
INTRODUÇÃO
A paralisia de Bell é uma paralisia facial unilateral de início súbito e de causa desconhecida. Esta patologia é muito freqüente no pronto-socorro de otorrinolaringologia exatamente pelo seu aparecimento súbito e por deixar os pacientes extremamente angustiados e preocupados com a evolução do quadro e com sua causa.
Pode ser precedida por dor na região do pavilhão auricular ou por situação de estresse, ansiedade e, posteriormente, por depressão e angústia.
A fase se apresenta sem expressão facial do mesmo lado, acometido estando a musculatura facial desviada para o lado contralateral. Pode afetar a salivação, o paladar e o lacrimejamento, dependendo do topografia do acometimento do nervo facial. Os pacientes podem referir hipersensibilidade auditiva1, sendo este o sintoma a ser estudado nestes pacientes.
Nos pacientes com paralisia de Bell, o reflexo estapediano pode estar ausente. Perlman (1938)2 & Tschiassny (1994)3 relataram casos de pacientes com paralisia de Bell que referiam hiperacusia e eles concordaram que a causa da hiperacusia nestes pacientes teria sido a ausência do reflexo estapediano. O reflexo é derivado da contração bilateral do músculo estapediano, na orelha média, em resposta a sons intensos, o que ocorre por volta de 85 dB NA.
A hiperacusia é definida como uma hipersensibilidade do som comum do dia-a-dia, percebido com insuportável, forte ou doloroso (Schwade, 1985)4, (Sammeth, Preves & Branby, 1997)5.
Marriage & Barnes (1995)6 classificaram a hiperacusia em periférica e central. A hiperacusia periférica ocorre quando o reflexo estapediano está ausente e o som é percebido de maneira intensa. A hiperacusia central acontece para hipersensibilidade a sons específicos, não necessariamente intensos, decorrente de disfunção da serotonina.
Sahley, Nodar & Musick (1997)7 ressaltaram que a supressão e a redução da amplitude do potencial de ação do nervo é a maneira melhor para documentar a ativação das fibras eferentes mediais.
As vias eferentes poderiam estar envolvidas na explicação da hiperacusia, sendo que o mecanismo de proteção auditiva contra os sons intensos, por algum motivo, é desativado e as ondas sonoras que alcançariam a orelha interna, de algum modo, seriam amplificadas a caminho do cérebro.
O objetivo desta investigação é o de verificar se os pacientes com paralisia de Bell apresentam hiperacusia.
MATERIAL E MÉTODO
Foram examinados 18 pacientes aleatórios apresentando paralisia facial periférica de Bell, que procuraram o ambulatório de paralisia facial do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Para classificação dos pacientes foram determinados os seguintes critérios:
1. Exclusão de possíveis fatores que causariam a paralisia
2. Tempo de instalação da paralisia menor ou igual a uma semana
3. Ausência de doença da orelha média
4. Paciente sem tratamento medicamentoso até o momento
Foi realizada avaliação otorrinolaringológica completa, teste de Hilger, teste de Schirmer, gustometria, audiometria tonal e vocal, imitanciometria e teste de desconforto auditivo com audiômetro Maico MA-41, classificação do grau da paralisia segundo a classificação de House (1993) e aplicação do protocolo para estudo dos dados da pesquisa. Todos os pacientes foram avaliados pela mesma médica e fonoaudióloga.
Todos pacientes foram tratados com doses regressivas de predmisona.
Foi considerado como hiperacusia a hipersensibilidade ao som comum do dia-a-dia, percebido como insuportável, forte e doloroso.
RESULTADOS
Os achados presentes neste estudo evidenciaram que:
"A idade dos pacientes presentes no estudo variou entre 18 e 60 anos de idade, sendo a faixa etária entre 31 e 40 anos a mais afetada (Gráfico 1).
"Os pacientes do sexo feminino foram os mais afetados pela paralisia facial periférica, estando acometidos em 61% dos casos (Gráfico 2).
"A hemi-face direita foi acometida em 56% dos casos, sendo apenas um achado curioso, mas sem relevância do ponto de vista de prognóstico (Gráfico 3).
"O grau de acometimento, segundo a classificação de House, mais encontrado foi o grau IV em 44% dos casos e os graus III e V em 28% dos casos cada.
"A queixa de hiperacusia esteve presente em apenas um paciente, o que representa 5,5% dos casos.
"Todos os pacientes apresentaram diminuição nos gráficos audiométricos do limiar de tolerância auditiva, tendo o reflexo estapediano protegido, em média de 16 dB, nestes pacientes (Tabela 1).
Gráfico 1. Pacientes (n= 18) com paralisia facial periférica em avaliação para presença de hiperacusia em relação à idade.
Gráfico 2. Pacientes (n= 18) com paralisia facial periférica em avaliação para presença de hiperacusia em relação ao sexo.
Gráfico 3. Freqüência do lado acometido no pacientes com paralisia facial periférica.
Gráfico 4: Correlação da ausência do reflexo estapediano nos pacientes com paralisia facial periférica.
Gráfico 5. Freqüência do grau da paralisia * (1ª consulta) segundo a classificação de House.
Gráfico 6. Tempo decorrido para retorno do reflexo estapediano após o início da paralisia facial periférica
Gráfico 7. Freqüência de hiperacusia nos pacientes com paralisia facial periférica.
Tabela 1. Limiar de desconforto auditivo nos ouvidos acometidos e nos ouvidos normais e suas médias (nas freqüências de 500/1K/2K/4K).
DISCUSSÃO
A paralisia facial periférica de Bell é a causa mais freqüente; a sua incidência varia segundo as publicações, podendo estar entre 11 e 12,8 novos casos por 100.000 habitantes8.
Pode ser atribuída a uma causa vascular, mas os argumentos clínicos, experimentais e epidemiológicos sugerem que se trata de uma polineurite ocasionada pelo vírus herpes simplex afetando o nervo facial9.
Clinicamente, é de aparecimento brusco, com evolução em questão de horas, podendo ser observados pródromos: dor facial ou de localização faríngea, dor retroauricular e ainda alteração do paladar na hemi-língua afetada.
Quanto à queixa de hiperacusia, apenas um paciente (5,5%) referia queixa de desconforto auditivo, o que não difere das queixas referidas pela população geral. Portanto, a paralisia do músculo estapédio não influiu no surgimento desta manifestação.
Comparando o limiar de desconforto auditivo no lado da paralisia em relação ao lado normal, verificamos que há diminuição do limiar de desconforto no lado paralisado. Logo, apresenta contradição entre a queixa do paciente e o achado audiométrico. Possivelmente se deve ao fato de que a diminuição do limiar de desconforto não é suficiente para causar manifestação clínica de hiperacusia.
CONCLUSÃO
Pacientes com paralisia de Bell apresentam clinicamente queixas de hiperacusia semelhantes à da população geral, porém audiometricamente, o limiar de tolerância auditivo no lado paralisado é menor do que em relação ao do lado normal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Northern JL & Gabbard SA. The Acoustic Reflex. In: Katz J. (ed). Handbook of Clinicial Audiology. 4th ed. Baltimore: Willian & Wilkins; 1994.
2. Perlman HB. Hyperacusis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1938; 47:947-53.
3. Tschiassny K. Stapedioparalytic Phonophobia ("hyperacusis"). In: A Deaf Ear. Laryngoscope 1949; 59: 886-903.
4. Schwade S. Shedding Light on Supersensive Hearing. Prevention 1995; 96: 91-9.
5. Sammeth CA, Preves DA, Branby WF. Hyperacusis: causes symptoms and treatment. Ft. Lauderdale: Instrutional Short Course at the AAA Convention; 1997. 4p.
6. Marriage J & Barnes NM. Is Central Hyperacusis a Symptom of 5-hydroxytryptamine (5-HT) Dysfuntion. J Laryngol Otol 1995; 109:(10) 915-21.
7. Sahley TL, Nodar RH, Musiek FE. Clinical Relevance. In: Eferent Auditory System. San Diego: Singular Publishing Group; 1997. p. 7-24
8. Adour K. Medical Management of Idiopathic (Bell's) Palsy. Otolaryngol Clin North Am 1991; 24: 663-73.
9. Yanaquinara N. Incidency of Bell's palsy. Ann otol Rhinol Laryngol Suppl 1988; 137: 3-4.
Médica Pós-Graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Residente do Serviço de otorrinolaringologia do segundo ano da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e Membro do Clube do Osso Temporal da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Professor-Doutor Afiliado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Professor Associado, Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Membro do Clube do Osso Temporal da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Endereço para correspondência: Raquel Ysabel Guzmán Liriano - Rua Botucatu 221 ap. 56 Vila Clementino 04023-060 São Paulo SP.
Tel (0xx11) 5549-8472 - E-mail: raquelliriano@bol.com.br
Instituição: Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP
Artigo recebido em 14 de setembro de 2004. Artigo aceito em 10 de novembro de 2004.