INTRODUÇÃOA paralisia de Bell é uma paralisia facial unilateral de início súbito e de causa desconhecida. Esta patologia é muito freqüente no pronto-socorro de otorrinolaringologia exatamente pelo seu aparecimento súbito e por deixar os pacientes extremamente angustiados e preocupados com a evolução do quadro e com sua causa.
Pode ser precedida por dor na região do pavilhão auricular ou por situação de estresse, ansiedade e, posteriormente, por depressão e angústia.
A fase se apresenta sem expressão facial do mesmo lado, acometido estando a musculatura facial desviada para o lado contralateral. Pode afetar a salivação, o paladar e o lacrimejamento, dependendo do topografia do acometimento do nervo facial. Os pacientes podem referir hipersensibilidade auditiva1, sendo este o sintoma a ser estudado nestes pacientes.
Nos pacientes com paralisia de Bell, o reflexo estapediano pode estar ausente. Perlman (1938)2 & Tschiassny (1994)3 relataram casos de pacientes com paralisia de Bell que referiam hiperacusia e eles concordaram que a causa da hiperacusia nestes pacientes teria sido a ausência do reflexo estapediano. O reflexo é derivado da contração bilateral do músculo estapediano, na orelha média, em resposta a sons intensos, o que ocorre por volta de 85 dB NA.
A hiperacusia é definida como uma hipersensibilidade do som comum do dia-a-dia, percebido com insuportável, forte ou doloroso (Schwade, 1985)4, (Sammeth, Preves & Branby, 1997)5.
Marriage & Barnes (1995)6 classificaram a hiperacusia em periférica e central. A hiperacusia periférica ocorre quando o reflexo estapediano está ausente e o som é percebido de maneira intensa. A hiperacusia central acontece para hipersensibilidade a sons específicos, não necessariamente intensos, decorrente de disfunção da serotonina.
Sahley, Nodar & Musick (1997)7 ressaltaram que a supressão e a redução da amplitude do potencial de ação do nervo é a maneira melhor para documentar a ativação das fibras eferentes mediais.
As vias eferentes poderiam estar envolvidas na explicação da hiperacusia, sendo que o mecanismo de proteção auditiva contra os sons intensos, por algum motivo, é desativado e as ondas sonoras que alcançariam a orelha interna, de algum modo, seriam amplificadas a caminho do cérebro.
O objetivo desta investigação é o de verificar se os pacientes com paralisia de Bell apresentam hiperacusia.
MATERIAL E MÉTODOForam examinados 18 pacientes aleatórios apresentando paralisia facial periférica de Bell, que procuraram o ambulatório de paralisia facial do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Para classificação dos pacientes foram determinados os seguintes critérios:
1. Exclusão de possíveis fatores que causariam a paralisia
2. Tempo de instalação da paralisia menor ou igual a uma semana
3. Ausência de doença da orelha média
4. Paciente sem tratamento medicamentoso até o momento
Foi realizada avaliação otorrinolaringológica completa, teste de Hilger, teste de Schirmer, gustometria, audiometria tonal e vocal, imitanciometria e teste de desconforto auditivo com audiômetro Maico MA-41, classificação do grau da paralisia segundo a classificação de House (1993) e aplicação do protocolo para estudo dos dados da pesquisa. Todos os pacientes foram avaliados pela mesma médica e fonoaudióloga.
Todos pacientes foram tratados com doses regressivas de predmisona.
Foi considerado como hiperacusia a hipersensibilidade ao som comum do dia-a-dia, percebido como insuportável, forte e doloroso.
RESULTADOSOs achados presentes neste estudo evidenciaram que:
"A idade dos pacientes presentes no estudo variou entre 18 e 60 anos de idade, sendo a faixa etária entre 31 e 40 anos a mais afetada (Gráfico 1).
"Os pacientes do sexo feminino foram os mais afetados pela paralisia facial periférica, estando acometidos em 61% dos casos (Gráfico 2).
"A hemi-face direita foi acometida em 56% dos casos, sendo apenas um achado curioso, mas sem relevância do ponto de vista de prognóstico (Gráfico 3).
"O grau de acometimento, segundo a classificação de House, mais encontrado foi o grau IV em 44% dos casos e os graus III e V em 28% dos casos cada.
"A queixa de hiperacusia esteve presente em apenas um paciente, o que representa 5,5% dos casos.
"Todos os pacientes apresentaram diminuição nos gráficos audiométricos do limiar de tolerância auditiva, tendo o reflexo estapediano protegido, em média de 16 dB, nestes pacientes (Tabela 1).
Gráfico 1. Pacientes (n= 18) com paralisia facial periférica em avaliação para presença de hiperacusia em relação à idade.
Gráfico 2. Pacientes (n= 18) com paralisia facial periférica em avaliação para presença de hiperacusia em relação ao sexo.
Gráfico 3. Freqüência do lado acometido no pacientes com paralisia facial periférica.
Gráfico 4: Correlação da ausência do reflexo estapediano nos pacientes com paralisia facial periférica.
Gráfico 5. Freqüência do grau da paralisia * (1ª consulta) segundo a classificação de House.
Gráfico 6. Tempo decorrido para retorno do reflexo estapediano após o início da paralisia facial periférica
Gráfico 7. Freqüência de hiperacusia nos pacientes com paralisia facial periférica.
Tabela 1. Limiar de desconforto auditivo nos ouvidos acometidos e nos ouvidos normais e suas médias (nas freqüências de 500/1K/2K/4K).
DISCUSSÃOA paralisia facial periférica de Bell é a causa mais freqüente; a sua incidência varia segundo as publicações, podendo estar entre 11 e 12,8 novos casos por 100.000 habitantes8.
Pode ser atribuída a uma causa vascular, mas os argumentos clínicos, experimentais e epidemiológicos sugerem que se trata de uma polineurite ocasionada pelo vírus herpes simplex afetando o nervo facial9.
Clinicamente, é de aparecimento brusco, com evolução em questão de horas, podendo ser observados pródromos: dor facial ou de localização faríngea, dor retroauricular e ainda alteração do paladar na hemi-língua afetada.
Quanto à queixa de hiperacusia, apenas um paciente (5,5%) referia queixa de desconforto auditivo, o que não difere das queixas referidas pela população geral. Portanto, a paralisia do músculo estapédio não influiu no surgimento desta manifestação.
Comparando o limiar de desconforto auditivo no lado da paralisia em relação ao lado normal, verificamos que há diminuição do limiar de desconforto no lado paralisado. Logo, apresenta contradição entre a queixa do paciente e o achado audiométrico. Possivelmente se deve ao fato de que a diminuição do limiar de desconforto não é suficiente para causar manifestação clínica de hiperacusia.
CONCLUSÃOPacientes com paralisia de Bell apresentam clinicamente queixas de hiperacusia semelhantes à da população geral, porém audiometricamente, o limiar de tolerância auditivo no lado paralisado é menor do que em relação ao do lado normal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Northern JL & Gabbard SA. The Acoustic Reflex. In: Katz J. (ed). Handbook of Clinicial Audiology. 4th ed. Baltimore: Willian & Wilkins; 1994.
2. Perlman HB. Hyperacusis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1938; 47:947-53.
3. Tschiassny K. Stapedioparalytic Phonophobia ("hyperacusis"). In: A Deaf Ear. Laryngoscope 1949; 59: 886-903.
4. Schwade S. Shedding Light on Supersensive Hearing. Prevention 1995; 96: 91-9.
5. Sammeth CA, Preves DA, Branby WF. Hyperacusis: causes symptoms and treatment. Ft. Lauderdale: Instrutional Short Course at the AAA Convention; 1997. 4p.
6. Marriage J & Barnes NM. Is Central Hyperacusis a Symptom of 5-hydroxytryptamine (5-HT) Dysfuntion. J Laryngol Otol 1995; 109:(10) 915-21.
7. Sahley TL, Nodar RH, Musiek FE. Clinical Relevance. In: Eferent Auditory System. San Diego: Singular Publishing Group; 1997. p. 7-24
8. Adour K. Medical Management of Idiopathic (Bell's) Palsy. Otolaryngol Clin North Am 1991; 24: 663-73.
9. Yanaquinara N. Incidency of Bell's palsy. Ann otol Rhinol Laryngol Suppl 1988; 137: 3-4.
Médica Pós-Graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Residente do Serviço de otorrinolaringologia do segundo ano da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e Membro do Clube do Osso Temporal da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Professor-Doutor Afiliado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Professor Associado, Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Membro do Clube do Osso Temporal da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP.
Endereço para correspondência: Raquel Ysabel Guzmán Liriano - Rua Botucatu 221 ap. 56 Vila Clementino 04023-060 São Paulo SP.
Tel (0xx11) 5549-8472 - E-mail: raquelliriano@bol.com.br
Instituição: Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM/SP
Artigo recebido em 14 de setembro de 2004. Artigo aceito em 10 de novembro de 2004.