Ano: 2004 Vol. 70 Ed. 4 - Julho-Agosto - (20º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 565 a 568
Condiloma lingual: relato de caso clínico
Condyloma of the tongue: a case report
Autor(es):
Therezita M. P. P. G. Castro1,
Maria Luisa Duarte2
Palavras-chave: Palavras-chave: condiloma na língua, HPV, na cavidade oral.
Keywords: Key words: condyloma in the tongue, HPV, oral cavity.
Resumo:
O condiloma acuminado é uma doença sexualmente transmissível causada pelo Papilomavírus humano (HPV). Freqüente na região anogenital e rara na cavidade oral. No entanto, o aumento da atividade oro-sexual vem cada vez mais favorecendo a instalação da infecção do HPV na mucosa oral. O presente relato descreve um condiloma na cavidade oral em um paciente do sexo masculino, de 35 anos, com história de prática de sexo oral, cujo diagnóstico foi confirmado pela biópsia. O tratamento instituído foi efetuado com o uso de ácido tricloacético a 80%, ocorrendo remoção completa da lesão. Foi feito uma revisão da literatura acerca da incidência, quadro clínico, diagnóstico, tratamento e profilaxia.
Abstract:
The acuminated condyloma is a sexually transmissible disease caused by the Papilomavirus (HPV). It is frequently found in the anus-genital region and rare in the mouth cavity. However, the increase of the oral-sexual activity has even more favored the occurrence of the HPV in the oral mucous. This report describes a condyloma in the oral cavity of a 35-year old man with a history of oral sex practice, which diagnostic was confirmed by a biopsy. The treatment for his case was clinical through the use of TCA (trichloro acetic acid, at 80%) with a total restoration of the lesion. A literature review was carried out on the incidence, clinical, diagnosis, treatment, and prophylaxis of the disease.
INTRODUÇÃO
HPV é a abreviatura utilizada para identificar o Papilomavírus humano, causador do condiloma acuminado (do grego Kondilus, tumor redondo e do latim acuminare, tornar pontudo), também conhecido como "crista de galo" ou "verruga venérea"1,2. São vírus epiteliotrópicos, não envelopados, pequenos, que apresentam DNA circular duplo e pertencentes à família Papovaviridae, podem ser responsáveis por doença subclínica e estarem associados a lesões pré-malignas e mesmo a algumas neoplasias intra-epiteliais.2,3 Apresentam cerca de 55nm de diâmetro e possuem um genoma composto de 8000 pares de base, com peso molecular de 5.2 x 106 daltons; o capsídeo possui 72 capsômeros de estruturas icosaédricas.2,3
Já foram identificados mais de 90 tipos diferentes de HPV, responsáveis tanto por lesões benignas quanto malignas. Desse total, quase 50% infectam o trato anogenital, estando entre eles os considerados de alto risco oncogênicos.2,3
Atualmente, a infecção genital pelo HPV é a doença viral sexualmente transmissível (DST) mais freqüente na população de vida sexual ativa. Em 1996, o "Center for Disease Control and Prevention" (CDC) estimava em 500 mil a 1 milhão de casos novos, por ano, de infecção pelo HPV. Na ocasião, os índices de HPV eram suplantados apenas por infecção clamidiana (4 milhões) e tricomoníase (3 milhões).1,4
Suskind et al., em 1996, afirmaram ser o condiloma anogenital mais freqüente em homens jovens sexualmente ativos do que em mulheres; relatam também que pacientes com condiloma anogenital que praticam sexo oral têm 50% de chance de ter condiloma oral. Mais recentemente, com o desenvolvimento da técnica de reação de polimerase em cadeia (PCR), descobriu-se que infecções pelo HPV podem ser muito mais freqüentes.1,5
A transmissão do HPV ocorre pelo contato da pele sexual ou perinatal. Entre elas, a via sexual representa a grande maioria dos casos.1,6 O vírus pode instalar-se em regiões anatômicas variáveis, como por exemplo: ânus, pênis, vagina e vulva, além de mucosa oral, colo uterino e tecido epitelial.1,6
Na cavidade oral, não se conhece claramente o processo de transmissão deste vírus, admitindo-se que ocorre através da auto-inoculação e através da prática de sexo oral.7,8 Nesta região é a língua o local mais freqüente de lesão pelo HPV, com incidência de 55% em um estudo realizado por Premoli de Percoco & Christensen em 1992. Outros locais na boca são: palato, mucosa bucal, gengiva, lábios, tonsilas, úvula e assoalho da boca.9 O assoalho da boca é local de muita saliva, onde agentes cancerígenos, como álcool e fumo, aí dissolvidos, permitem maior oportunidade para a ação deletéria viral.2
O período de incubação do condiloma acuminado varia de 2 a 8 semanas e tem relação com a competência imune individual. A progressão da fase de incubação para de expressão ativa depende de três fatores: da permissividade celular, do tipo do vírus e do estado imune do hospedeiro.1
A atividade sexual, quando exercida precocemente, aliada a um número alto de parceiros sexuais, juntamente com o uso do fumo, contraceptivo oral e outras doenças sexualmente transmissíveis, são fatores que podem contribuir para aumentar as chances de infecção pelo HPV.4
O aumento crescente do interesse pelo estudo do HPV se deve à importância do seu papel oncogênico onde estudos mostram a associação do HPV a lesões pré-cancerosas, carcinomas e outros tipos de neoplasia.2,4
Dentre os diferentes tipos de HPV, o 1, 2, 4, 6, 11, 13, 16, 18, 30, 31, 32 e 57 foram encontrados na cavidade oral e estes mesmos tipos são os que afetam as demais mucosas e a pele. Os tipos 6 e 11 são encontrados nas lesões condilomatosas, o 16 é o mais prevalente em lesões neoplásicas e o 18, o mais agressivo.2,10,11
Ao exame clínico o condiloma acuminado se manifesta como lesão superficial, única ou múltipla, de crescimento exofítico, de aspecto papilar, frondoso e róseo, distribuído de forma isolada ou coalescente, formando uma massa semelhante à couve-flor. Geralmente as lesões são assintomáticas e alguma vezes regridem espontaneamente e podem ou não apresentar recidiva.1,6,10
O diagnóstico do condiloma acuminado é dado principalmente pela manifestação clínica, citologia, colposcopia e biópsia.10 O exame citológico se caracteriza por critérios maiores e menores. Nos critérios maiores encontramos: coilócitos com halos citoplasmáticos perinucleares e displasias nucleares; nos critérios menores: disceratocitos, metaplasia, macrócitos, e binucleação.4,8 A biópsia permite o estudo histopatológico para confirmar e graduar a lesão. São exames eficazes em determinar a natureza da lesão intra-epitelial e distinguir as lesões causadas pela infecção por HPV das lesões de outra natureza, não sendo capazes de identificar o tipo do HPV envolvido, o que se obtém apenas através das técnicas de biologia molecular (hibridização in situ, captura híbrida e a PCR-Reação em Cadeia de Polimerase), que são exames de difícil acesso devido ao alto custo.3,10
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de lesões papulares, como: molusco contagioso, ceratose seborréica, líquen plano e câncer de células escamosas.1,10
O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico, cujo objetivo é a remoção da lesão visível, já que não há um tratamento eficaz para a erradicação definitiva do HPV. Pode ocorrer recidiva das lesões em locais previamente tratados e em outros, com incidência entre 20 a 30% dos casos.12 Por outro lado, pode haver resolução espontânea em até um ano (20 a 30% em três meses e 60% em um ano). No tratamento clínico são usados agentes cáusticos, que produzem destruição tecidual; o mais usado é o ácido tricloroacético (50 a 80%) sobre a lesão uma vez por semana, por 4 semanas. Um outro é a podofilina a 25%, em solução alcoólica ou a 0.5% em gel aplicada na lesão 2 a 3 vezes por semana. Existe também os antiblásticos, como o 5-fluoracil em creme que tem eficácia comparável aos outros agentes, porém o alto custo e intolerância por irritação local extrema restringem o seu uso. O tratamento cirúrgico com a excisão cirúrgica, elétrica ou a laser, podem ser utilizados nas lesões, com a vantagem de preservar amostra de tecido viável para estudo anatomopatológico. A eletrocauterização ou crioterapia é uma alternativa, porém pode ser dolorosa no caso de lesões extensas e em locais mais inervados, como na vulva, vagina e períneo.10, 12,13
A profilaxia consiste na orientação clínica, esclarecendo que mesmo após o tratamento o vírus pode permanecer em locais previamente tratados e em outras áreas, devendo assim se manterem medidas gerais de higiene local, a preservação da monogamia, juntamente com o uso de preservativos e revisão clínica periódica. É a maneira mais eficaz de prevenir a transmissão do HPV.10,12,14
RELATO DE CASO
Paciente N.M.S., sexo masculino, branco, 35 anos de idade, casado, procedente de Maceió/AL e natural de Recife/PE, foi atendido no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital José Carneiro da Escola de Ciências Médicas de Alagoas apresentando queixa de tumoração sobre a língua, com início há 3 meses, não tendo usado nenhum tratamento. Na anamnese foi constatado que o paciente praticava sexo oral e anal. Antecedentes iniciou atividade sexual aos 14 anos de idade, tendo se relacionado com mais de 20 parceiros(as). Fumante e etilista. Referiu ter tido DST herpes e condiloma genital, já tratados. Informou que sua esposa fez tratamento de condiloma genital. Refere ter feito o teste de Elisa para HIV, o qual foi negativo.
Ao exame otorrinolaringológico, pela orofaringoscopia, foi observado um tumor no 1/3 anterior do dorso da língua, vegetante, com aspecto de couve flor, apresentando cerca de 3 cm de diâmetro e os pilares anteriores, úvula, amígdalas e mucosa jugal estavam normais. Foi realizada a biópsia da lesão, cujo exame histopatológico evidenciou condiloma acuminado. A microscopia mostrou respectivamente, nos aumentos de 100x, 400x e sob inversão (1000x), epitélio hiperplasiado com acantose e papilomatose; no aumento de 400 vezes apresentou coilócitos com halos perinucleares e núcleos irregulares hipercromáticos (discarióticos) e célula coilocítica com binucleação. Não foi realizado teste de biologia molecular devido ao alto custo.
O tratamento instituído foi clínico, com aplicação de ácido tricloacético a 80%, 1 vez por semana, com regressão total da lesão. Atualmente após um ano de controle, não se observa retorno da lesão.
ANEXO: O exame microscópico apresenta:
Figura 1. Aumento de 100 x - Epitélio hiperplasiado com acantose e papilomatose.
Figura 2. Aumento de 400 x-Coilócitos com halos perinucleares e núcleos irregulares hipercromáticos (discarióticos)
Figura 3. Aumento de 1000 x (imersão) - Célula coilocítica com binucleação.
A profilaxia consistiu na orientação clínica da preservação da monogamia, uso de preservativo e revisão clínica de 6 em 6 meses para verificar se houve retorno da lesão, devendo deixar de fumar e de ingerir bebidas alcoólicas. Foi explicado que mesmo tratado, o vírus pode permanecer no epitélio da área tratada ou não, seja genital, anal ou na cavidade oral.
DISCUSSÃO
O condiloma acuminado é uma doença sexualmente transmissível extremamente comum na região anogenital e raramente descrita na boca e sua transmissão para a cavidade oral pode ocorrer pelo contato oro-sexual ou por auto-inoculação. O caso clínico em estudo é de um paciente do sexo masculino com 35 anos que apresentava um condiloma na língua e praticava sexo oral e anal.
O condiloma na cavidade oral tem mais chance de ocorrer em pessoas que tem contato oro-sexual com atividade sexual precoce, aliada a um número alto de parceiros, juntamente com o fumo, álcool e outras doenças sexualmente transmissíveis. O paciente em estudo teve atividade sexual precoce, muitas parceiras, hábito de fumar e de usar bebida alcoólica e apresentou herpes genital.
A lesão na mucosa oral se localiza com mais freqüência na língua, podendo ocorrer também no palato mole, úvula, tonsilas e assoalho da boca. Tem aspecto clínico de lesão única ou múltipla com crescimento exofítico, de forma papilar, frondoso e róseo, constituindo uma massa semelhante à couve-flor. No paciente em estudo a lesão se localizava no 1/3 anterior do dorso da língua, com cerca de 3 cm de diâmetro com aspecto de uma massa tipo couve-flor.
O diagnóstico do condiloma acuminado é dado pelo exame clínico, citologia e confirmado pela biópsia que mostra ao exame histológico a presença de coilócitos com halos citoplasmáticos perinucleares, displasias nucleares, disceratócitos, metaplasias, macrócitos e binucleação. Os exames pela técnica de biologia molecular (Hibridização in situ, captura híbrida e a PCR), são capazes de identificar o tipo do HPV na lesão, porém são exames de difícil acesso por serem de alto custo. No paciente em estudo o diagnóstico foi feito pelo exame clínico da lesão e biópsia, que mostrou ao exame microscópico, no aumento de 100 vezes a presença de epitélio hiperplasiado com acantose e papilomatose; no aumento de 400 vezes a presença de coilócitos com halos perinucleares e núcleos irregulares hipercromáticos (discarióticos) e no aumento de 1000 vezes (imersão) a presença de célula coilocítica com binucleação. O exame pela técnica de biologia molecular não foi realizado devido ao alto custo.
O tratamento para remoção da lesão pode ser clínico ou cirúrgico, sendo o mais usado o ácido tricloroacético (50 a 80%) aplicado sobre a lesão uma vez por semana, até a remoção completa. No paciente foi utilizado o ácido tricloroacético a 80% aplicado sobre o condiloma semanalmente até ser obtida a regressão total.
Ao paciente foi explicado que o tratamento é capaz de erradicar a lesão, mas o vírus pode persistir no epitélio mesmo após o tratamento, seja na região genital,anal e cavidade oral. A profilaxia consiste na orientação clínica para a preservação da monogamia, o uso de preservativo e revisão periódica, cuidados esses que foram aconselhados ao doente além de não fumar enm ingerir bebida alcoólica. Foi recomendada a reavaliação clínica periódica de 6 em 6 meses.
COMENTÁRIOS FINAIS
Devido ao grande poder de infectabilidade do HPV, em diferentes sítios de localização, a possibilidade de malignização, além do aspecto social envolvido com a doença, destacamos a importância de se conhecer melhor a infecção por este vírus na mucosa oral, onde tem sido pouco investigado e pouco se conhece sobre seu estado latente e subclínico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Carvalho J & Oyakava N. I Consenso Brasileiro de HPV nº1. São Paulo: BG Editora; 2000.
2. Sarruf MBJ & Dias EP. Avaliação Citopatológica da cavidade bucal em pacientes portadores de infecção genital pelo Papilomavírus Humano (HPV). J Bras Doenças Sex Trans 1997; 9(2):4-18.
3. Tavares RR, Passos MRL, Cavalcanti SMB, PinheiroVMS, Rubinstein I. Condiloma genital em homens e soropositividade para HIV. DST. J Bras Doenças Sex Trans 2000; 12(1): 4-27.
4. Alvarenga GC, Sá EMM, Passos MRL, PinheiroVMS. Papilomavírus Humano e carcinogênese no colo do útero. J Bras Doenças Sex Transm 2000; 12(1):28-38.
5. Badaracco G, Venuti A, Acambia G, Mozzetti S, Benedetti Panici P, Mancuso S, Marcante ML. Concurrent HPV infection in oral and genital mucosa. J Oral Patho Med 1998; 27: 130-4.
6. Gross GE & Barrasso R. Atlas do Papilomavirus Humano 2a Edição. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda.; 1999.
7. Chappuis JM, Papa BM, Maldonado MS, Consigli JE. Patologia blanca de la mucosa oral. Arch Argent Dermatol 1998; 48: 209-33.
8. Giraldo CP, Simões JK, Filho DR, Tambascia JK, Dias ALV, Pacelo PCC. Avaliação citológica da Orofaringe de Mulheres portadoras de HPV Genital. Rev Bras Ginecol Obstet 1996 out; 18(9): 737-42.
9. Premoli-de-Percoco G, Christensen R. Human Papillomavirus in Oral Verrucal-Papillary Lesions. Pathologica 1992; 84:383-92.
10. Camargos AF, Hugo de Melo V. Ginecologia ambulatorial. Belo Horizonte: Coopamed; 2001: 397-400.
11. Tominaga S, Fukushima K, Nishizaki K, Watanabe S, Masuda Y, Ogura H. Presence of Human Papillomavirus Type 6f in Tonsillar Condyloma Acuminatum and Clinically Normal Tonsillar mucosa. Japanese Journal of Clinical Oncology 1996; 26: 393-7.
12. Tatti SA, Belardi G, Marini MA, Eiriz A, Chase LA, Ojeda J et al. Consenso en la medodología diagnóstica y terapéutica para las verrugas anogenitales. Revista Obstetricia y Ginecologia Latino-Americanas 2001; 59 (3): 117-31.
13. Suskind DL, Mirza N, Risin D, Stanton D, Sachdeva R. Condyloma Acuminatum Presenting as a Base of tongue mass. Otolaryngology Head and Neck Surgery 1996; 114 (3): 487-90.
14. Eluf Neto J, Zeferino LC, Dores GB, Passos MRL. Prevenção da infecção pelo Papilomavírus Humano. DST. J Bras Doenças Sex Trans 2000; 12(1): 39-42.
1 Pós-Graduanda (mestrado) da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMSCMSCSP. Professora assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNCISAL e UFAL.
2 Mestra em Patologia (Anatomia Patológica) pela Universidade Federal Fluminense. Professora assistente da Disciplina de Medicina Legal e Ética Médica da UNCISAL.
Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade de Ciências da Saúde - UNCISAL.
Endereço para Correspondência: Av. Alvaro Otacílio 3031 ap. 402 Ponta Verde 57035-180 Maceió AL
Fax (0xx82) 241-0601-E-mail: therezitagalvao@bol.com.br
Artigo recebido em 22 de maio de 2003. Artigo aceito em 17 de julho de 2003.