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Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 4  - Julho-Agosto - (19º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 561 a 564

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Carcinoma de pequenas células primário de seios paranasais: relato de caso

Primary small-cell carcinoma of paranasal sinuses: A case study

Autor(es): Maura C. Neves1,
Raquel A. Tavares1,
Fernando Veiga Angélico Jr2,
Richard L. Voegels3,
Ossamu Butugan4

Palavras-chave: Palavras-chave: carcinoma de pequenas células, seios paranasais.

Keywords: Key words: small cell carcinoma, paranasal sinuses.

Resumo:
Carcinoma de pequenas células dos seios paranasais são tumores extremamente raros e agressivos. Apesar de os pulmões serem o sítio mais prevalente destes tumores, este trabalho enfoca o acometimento de um sitio extrapulmonar, os seios paranasais. Métodos: Nós relatamos o caso de uma paciente com carcinoma de pequenas células primário do seio maxilar. Incluímos neste estudo uma discussão acerca de todos os casos relatados em literatura, abrangendo suas metástases, tratamento e expectativa de vida.

Abstract:
Primary small cell neuroendocrine carcinomas (SCC) of the sinusal tract are extremely uncommon and aggressive tumors. Although the lungs are the most prevalent site of these tumors, this report focuses on the involvement of an extrapulmonary site, the paranasal sinuses. Methods: We report the case of a female patient with a primary small cell carcinoma of maxillary sinus. A literature discussion with all reported cases of SCC and its metastasis, treatment and survival expectations are included.

INTRODUÇÃO

Carcinoma de pequenas células é um tumor agressivo, freqüentemente encontrado em pulmão. Sítios primários extrapulmonares desse tumor são extremamente raros. Recentemente, porém, através de crescentes avanços diagnósticos, tem-se tornado possível detectar esses sítios. Entre eles pode-se destacar esôfago, faringe, laringe, glândulas salivares menores, fossas nasais e seios paranasais, pâncreas, útero, bexiga, próstata, mama, trato gastro-intestinal, entre outros1-4.

Estudos recentes mostram que cerca de 23% destes tumores estão em foco otorrinolaringológico, sendo que 8,5% situam-se em seios paranasais5. Apresentam sobrevida média de 13% em 5 anos, o que confirma seu comportamento agressivo com altas taxas de recidivas e metástases locais e à distância, apesar de tratamento cirúrgico e rádio ou quimioterápico.

Aproximadamente 4% dos pacientes com carcinoma de pequenas células não apresentam um sítio pulmonar ou mediastinal evidente.

Relatamos um caso de carcinoma de pequenas células de seios paranasais ocorrido em nosso serviço, seguindo-se a discussão de dados de literatura englobando epidemiologia, quadro clínico, evolução, tratamento e prognóstico destes pacientes.

RELATO DO CASO

GCF, 31 anos, sexo feminino, branca, apresentava história de quadro gripal e obstrução nasal há cinco meses, com melhora parcial após uso de medicação sintomática. Nos dois últimos meses acompanhava o quadro edema, hiperemia e dor em região maxilar direita. Recebeu tratamento antibiótico (amoxicilina e clavulanato de potássio, 500mg via oral a cada 8 horas) e corticoterapia por 14 dias com melhora discreta da queixa. Desde então, apresenta parestesia em região maxilar direita, arcada superior direita e lábio superior direito.

A paciente nega presença de cefaléia, febre, rinorréia amarelada, prurido nasal, coriza, espirros, epistaxe, tosse, epigastralgia e pirose retroesternal. Nega tabagismo e etilismo.

O exame físico otorrinolaringológico compreendendo oroscopia, rinoscopia anterior e otoscopia encontrava-se normal e não se palpavam gânglios cervicais. Apresentava discreta assimetria facial, com edema e hiperemia de região maxilar direita, indolor à palpação.

À nasofibroscopia observou-se desvio septal para a direita, com meato médio direito estreito e ausência de secreção purulenta em fossa nasal direita. A fossa nasal esquerda, rinofaringe, orofaringe e laringe encontravam-se sem alterações. Não foram identificados massas em fossas nasais ou meatos médios.

Realizada tomografia computadorizada de seios paranasais visualizou-se velamento do seio maxilar direito, erosão óssea em assoalho orbitário direito e de invasão de parede anterior do seio maxilar direito. Os forames infra-orbitários não estavam comprometidos aparentemente. (Figuras 1 e 2)

A paciente foi então submetida à biópsia excisional desta massa, via Caldwell-Luc à direita, tendo o estudo anatomopatológico revelado neoplasia maligna de pequenas células com extensas áreas de necrose.



Figura 1. Corte coronal mostrando velamento de seio maxilar direito e erosão de assoalho orbitário.



Figura 2. Corte axial mostrando invasão de parede anterior de seio maxilar direito.



No pós-operatório imediato a paciente apresentou edema e hiperemia em região maxilar direita compatíveis com o esperado pela abordagem cirúrgica realizada, os quais regrediram totalmente até o 7º pós-operatório. Durante este mesmo período ocorreu discreta melhora da parestesia em região maxilar, arcada dentária superior e lábio superior direitos, porém sem resolução total da mesma.

Os exames radiológicos de estadiamento tumoral e investigação de possível origem pulmonar para o tumor abrangeram tomografia computadorizada de tórax, cintilografia óssea, ultrassonografia abdominal e nova tomografia de seios da face e cervical que se revelaram normais.

O seguimento abrangeu exames de vigilância para metástases cervicais e recidivas locais através de ressonância de seios paranasais e tomografia cervical, sendo que, até o sexto mês pós-operatório, a paciente permaneceu assintomática e sem sinais de recidiva.

A paciente não foi submetida a rádio ou quimioterapia.

DISCUSSÃO

Carcinoma de pequenas células (CPC) extrapulmonar foi primeiramente descrito em 1930 e compreende cerca de 4% de todos os CPC. Apesar de rara, vem se estabelecendo como uma entidade clínica distinta dos CPC pulmonares por sua epidemiologia e comportamento clínico.

Diferentemente dos CPC pulmonares, para os extrapulmonares não foi possível estabelecer uma relação predisponente evidente com o tabagismo, apesar de estudos mostrarem que cerca de 63% dos pacientes afetados com CPC extrapulmonar são tabagistas5. Morfologicamente, podem ser semelhantes ao apresentarem grânulos neurosecretórios, associados, em alguns casos, a síndromes paraneoplásicas. Clinicamente, sua semelhança reside apenas em promoverem metástases para linfonodos regionais, fígado e ossos.

O caso relatado é de uma paciente feminina de 31 anos. Segundo a literatura, aparentemente não há predomínio de sexo6-8 e a idade de diagnóstico é variável, podendo ocorrer entre 20 e 70 anos, com média em 50 anos de idade6-8.

Clinicamente, em nosso caso, a obstrução nasal vem como sintoma principal, dado também encontrado por outros autores9. Mas para Ordonez et al.7 e Kameya et al.6 a epistaxe é o sintoma mais freqüente, seguido por dor facial, exoftalmo e obstrução nasal.

Em relação ao sítio de origem destes tumores, a maioria dos relatos, inclusive o nosso, tem no seio maxilar um dos principais locais de acometimento6-8. Mas há relatos de tumores originados em outros seios, como o etmóide e frontal6. Para Ordonez et al.7 a cavidade nasal é o principal local de origem dos CPP, sendo as conchas média e superior as mais freqüentemente acometidas. Já Pierce et al.10, ao revisar 33 casos deste tumor, constatou que a maioria (26 casos) surgiu na cavidade nasal em íntima relação com a concha média.

O diagnóstico destes tumores deve ser estabelecido rádio e histologicamente. Exames complementares como tomografia de seios paranasais e nasofibroscopia são úteis para determinar a extensão tumoral e sítio de origem.

Segundo revisão de literatura realizada por Franzen et al.2 a maioria dos CPP de cabeça e pescoço são tumores extrapulmonares primários e não metástases pulmonares. Mas como os critérios de diagnóstico diferencial histológico são os mesmos para ambos locais de acometimento, um sítio pulmonar primário deve sempre ser excluído. A diferenciação entre CPP primário de cabeça e pescoço e tumor metastático pulmonar, a localização e estádio são critérios essenciais para definição de terapia e prognóstico.

Histologicamente, os CPP apresentam-se como carcinomas indiferenciados com padrão trabeculado e extensas áreas de necrose e hemorragia6,7. Alguns pacientes apresentaram granulações intracitoplasmáticas responsáveis pelas características neuroendócrinas destes tumores8.

Testes imunohistoquímicos podem ser realizados para investigar especificamente marcadores neuro-endócrinos. Entre eles temos Cam 5.2, CD99, sinaptofisina, cromogranina, proteína S-100, enolase neuro-específica que são úteis no diagnóstico diferencial entre CPC e demais tumores da cavidade nasal, como melanoma, neuroblastoma, linfomas não-Hodgkin, sarcoma de Ewing e rabdomiossarcoma7. No caso relatado, estes testes foram realizados, mas resultaram inconclusivos.

Porém, Ordonez et al.7, estudando CPC de seios paranasais de 6 pacientes, obteve testes positivos de Cam 5.2, enolase neuro-específica e cromogranina em todos os pacientes, sinaptofisina positiva em quatro, enquanto que a proteína S-100 foi negativa em todos os tumores.

O tratamento destes tumores não está bem estabelecido, mas existe uma tendência a submeter os pacientes a terapias agressivas devido ao comportamento tumoral.

Galanis et al.5 relatou que, de 7 pacientes com CPC de seios paranasais, 5 foram submetidos exclusivamente à cirurgia com caráter curativo e 1, apenas à radioterapia. Dos pacientes submetidos à cirurgia todos apresentaram recorrência local em média após 10 meses e o paciente submetido à radioterapia permaneceu livre de recidivas por 5 meses com sobrevida de 11 meses.

Ordonez et al.7 avaliou 6 pacientes: cinco tinham sido submetidos à cirurgia, sendo que 3 deles receberam rádio e quimioterapia adjuvante. Após seguimento de 37 meses, 4 haviam apresentado recorrências ou morreram em decorrência de metástases independentemente da terapia recebida.

Já Silva et al.8, ao avaliar 10 pacientes, encontrou em 70% deles recorrências ou metástases locais apenas após 3 anos enquanto Pierce et al.10, ao revisar 33 casos deste tumor encontrou metástases em 40% dos pacientes o que foi compatível com uma taxa de 50% de sobrevida em 1 ano.

O tratamento dos pacientes com CPC envolveu tanto cirurgia, quanto rádio e quimioterapia isoladamente ou em associação. Nenhum tratamento se mostrou superior, mas a cirurgia associada ou não a radioterapia promoveu remissões mais prolongadas9.

Considerando-se os sítios metastáticos mais freqüentes, temos gânglios cervicais e pulmões6-8,10, ossos6,8,10, sistema nervoso central8 e fígado7,10.

O estudo destas neoplasias revelou que os tumores extrapulmonares são morfologicamente semelhantes aos oat cells primários de pulmão. Alguns contêm grânulos neurossecretores à microscopia eletrônica, podendo estar relacionados a Síndromes Paraneoplásicas, como os tumores de pequenas células de origem pulmonar. Apesar de a heterogeneidade encontrada entre os diversos sítios primários relatados acima, o comportamento clínico desses tumores costuma ser agressivo, com sobrevida média de menos de um ano depois de firmado o diagnóstico e apresentando uma tendência a metastatização ganglionar e para outros sítios.

O impacto do tratamento cirúrgico, quimio e radioterápico na sobrevida desses pacientes ainda é alvo de estudos e não está bem determinado.

CONCLUSÃO

O CPC em sítio paranasal é uma neoplasia incomum. Apesar de apresentar semelhanças morfológicas e imunohistoquímicas ao CPC pulmonar seu comportamento clinico é distinto e agressivo, cursando com baixas taxas de sobrevida.

Em vista disso, há uma tendência em adotar uma conduta terapêutica agressiva envolvendo abordagem cirúrgica, rádio e/ou quimioterápica embora ainda existam dúvidas quanto ao beneficio na sobrevida destes pacientes.
Avaliação e seguimento cuidadosos destes pacientes pode ajudar a elucidar tais questões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Cancer. Principles and practice of oncology. 4th edition.
2. Franzen A, Schmid S, Pfaltz M. Primary small cell carcinomas and metastatic disease in the head and neck. HNO 1999 Oct; 47(10):912-7.
3. Ibrahim NBN, Briggs JC, Corbishley CM. Extra pulmonary oat cell carcinoma. Cancer 1984; 54:1645-61.
4. Weiss MD, Fries HO, Taxy JB, Braine H. Primary small cell carcinoma of the paranasal sinuses. Arch Otolaryngol 1983; 109:341-3.
5. Galanis E, Frytak S, Lloyd R. Extrpulmonary small cell carcinoma. Cancer 1997; 79(9):1729-36.
6. Kameya T, Shimosato Y, Adachi I, Abe K, Ebihara S, Ono I. Neuroendocrine carcinoma of the paranasal sinus. Cancer 1980; 45:330-9.
7. Ordonez BP, Caruana SM, Huvos AG, Shah JP. Small cell neuroendocrine carcinoma of the nasal cavity and paranasal sinuses. Human Pathology 1998; 29(8):826-32.
8. Silva EG, Butler JJ, Mackay B, Goepfert H. Neuroblastomas and neuroendocrine carcinomas ago the nasal cavity. Cancer 1982; 50:2388-405.
9. Remick SC, Ruckdeschel LC. Extrapulmonary and pulmonary small-cell carcinoma: tumor biology, therapy and outcome. Med Pediatr Oncol 1992; 20(2):89-99.
10. Pierce ST, Cibull ML, Metcalfe MS, Sloan D. Bone marrow metastases from small cell cancer of the head and neck. Head & neck 1994; 16: 266-71.

1 Médicos Residentes da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Médico Pós-Graduando da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4 Professor Associado da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para Correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP - Av. Dr Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6o Andar sala 6021
São Paulo SP 05403-000. - E-mail: mauraneves@hotmail.com
Trabalho apresentado no II Congresso de Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo realizado no período de 22 a24 de Novembro de 2001 em São Paulo.
Artigo recebido em 07 de junho de 2002. Artigo aceito em 01 de julho de 2003.

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