Versão Inglês

Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 4  - Julho-Agosto - (17º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 551 a 554

PDFPDF PT  
 

Adenoma da orelha média: relato de caso

Middle ear adenoma: case report

Autor(es): Celso Gonçalves Becker1,
Iolanda Mauro Barra2,
Hercília Helena de Oliveira Pimenta2,
Paulo Fernando Tormin Borges Crosara3,
Carlos Alberto Ribeiro4,
Lúcia Porto Fonseca de Castro4

Palavras-chave: Palavras-chave: adenoma, orelha média, cirurgia otológica.

Keywords: Key words: adenoma, middle ear, ear surgery.

Resumo:
Trata-se de relato de um caso de adenoma de orelha média em paciente jovem com perda auditiva de condução progressiva, massa retrotimpânica hiperêmica de evolução lenta e submetido a tratamento cirúrgico por mastoidectomia radical. Este tumor é raro, composto de células epiteliais glandulares e neuroendócrinas. O diagnóstico diferencial é vasto, sendo este definido através do exame anatomopatológico e de imunohistoquímica. O tratamento é cirúrgico, não havendo necessidade de terapia adicional, somente acompanhamento pós-operatório rigoroso, uma vez que seu prognóstico é favorável.

Abstract:
We describe a case report of a middle ear adenoma in man with progressive conductive hearing loss, hyperemic retrotympanic mass with slow growing and undergone a radical mastoidectomy. This is a rare tumor composed of adenomatous and neuroendocrine cells. It has a large number of differential diagnoses and it is done by microscopy and immunohistochemistry. The treatment is surgical in all cases with no additional therapy only clinical follow-up, once its prognostic is favorable.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de adenoma da orelha média em paciente jovem com perda auditiva de condução, massa retrotimpânica hiperêmica de evolução lenta, submetido a tratamento cirúrgico por mastoidectomia radical.

REVISÃO DE LITERATURA

O adenoma da orelha média é uma neoplasia rara, de caráter benigno, podendo, em alguns casos, apresentar comportamento agressivo local. O termo adenoma de orelha média foi proposto por Hyams e Michaels em 1976; no entanto, são utilizadas várias denominações que refletem a controvérsia existente entre a sua presumível histogênese e diferenciação1-4.

O adenoma é um tumor epitelial, composto de células epiteliais glandulares e neuroendócrinas, que parece originar-se da mucosa da orelha média ou do neuroectoderma da crista neural. Portanto, alguns autores sugerem que o termo adenoma neuroendócrino seria o mais adeqüado5-7.

Os sintomas clínicos clássicos incluem perda auditiva unilateral, otorréia, otalgia e zumbido. O acometimento do nervo facial, pode ocorrer em alguns casos não sendo, entretanto, fator prognóstico importante.

O diagnóstico por imagem é feito por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética que revelam a massa tumoral, envolvendo ou não os ossículos da orelha média. No entanto, não refletem a natureza biológica do tumor e apresentam valor prático variável8.

O diagnóstico histológico é imprescindível e é realizado através de microscopia ótica, imunohistoquímica e microscopia eletrônica. Os principais marcadores de imunohistoquímica são os epiteliais (citoqueratinas - AE1/AE3; citoqueratina 7), neuroendócrinos (anti-polipeptídeo pancreático humano, cromogranina A, anti-PP, dentre outros) e marcadores de células mesenquimais (vimentina)5,7.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com hidradenoma, adenocarcinoma de orelha média, tumores do saco endolinfático, paragangliomas, meningiomas, plasmocitomas, pólipos inflamatórios, tumores carcinóides, tumores papilares agressivos da orelha média, neoplasia adenomatosa, ceruminoma e tumor glômico, dentre outros9-12.

O tratamento consiste em cirurgia com acompanhamento pós-operatório rigoroso e nenhuma terapia adicional é recomendada já que o prognóstico é bom e não há relato de óbito em decorrência da doença13-15.

APRESENTAÇÃO DE CASO

MCMC, 26 anos, masculino, leucoderma, solteiro, natural e residente em Belo Horizonte/MG, estudante de nível superior.

Anamnese e evolução clínica

Paciente avaliado por colega otorrinolaringologista em janeiro de 2002, apresentando à história clínica quadro de otite de repetição à esquerda, de início há dois anos, sendo o primeiro episódio associado à paralisia facial periférica desse lado. Fez uso de antibiótico, que não sabia especificar, com regressão do quadro. Referia também obstrução nasal eventual, com períodos de tosse que correlacionava com quadros de sinusite. Ao exame otorrinolaringológico apresentava hiperemia e abaulamento do quadrante póstero-superior da membrana timpânica esquerda e otoscopia direita normal; desvio septal na área IV de Cottle para a esquerda; cavum, orofaringe, hipofaringe e laringe sem alterações. Foi medicado com Amoxicilina/clavulanato e solicitado audiometria, impedanciometria, fibronasolaringoscopia e tomografia computadorizada de mastóides.

A tomografia de osso temporal (Figura 1) foi realizada em fevereiro de 2002 e mostrava sinais de mastoidite crônica com velamento da orelha média. Foi prescrito levofloxacino.

Em março de 2002 o paciente retornou ao colega com queixas de otalgia, tipo pontadas, eventuais à esquerda. A otoscopia mostrava-se inalterada em relação ao exame prévio. Referia medo da cirurgia não tendo ainda realizado os exames solicitados.

Em abril de 2002 o paciente foi avaliado em nosso serviço sendo indicada a realização de timpanomastoidectomia considerando: relato de otalgia de início há 2 anos; passado de paralisia facial periférica esquerda no primeiro episódio; mastoidite crônica com retração atical e abaulamento póstero-superior. Foi novamente solicitada audiometria, impedanciometria e avaliação do risco cirúrgico após apresentação das hipóteses diagnósticas para o paciente e os riscos cirúrgicos.

Em maio de 2002 a audiometria revelava normoacusia à direita e disacusia de transmissão à esquerda com gap aéreo-ósseo de 35 dB NA em média, nas freqüências de 500, 1000 e 2000Hz. À otomicroscopia observava-se retração atical, hiperemia e abaulamento do quadrante póstero-superior da membrana timpânica esquerda.

Tratamento cirúrgico

O paciente foi submetido, em maio de 2002, à timpanomastoidectomia radical esquerda, sob anestesia geral. Observou-se uma massa poliposa ocupando toda a caixa timpânica e englobando os ossículos e bigorna desarticulada por erosão de seu ramo longo. Realizou-se coleta de material para exame anatomopatológico de congelação. A seguir, foi feito o broqueamento da mastóide com limpeza da ponta, ângulo sinodural e do antro que se encontrava preenchido pela massa poliposa e identificado o canal semicircular lateral. O exame anatomopatológico de congelação mostrou tumor muito celular, de características benignas porém agressivas, originado de bainha neural, sem o aspecto de paliçada sugestivo de neurinoma. A orientação do patologista foi para completa remoção, se possível. Prosseguiu-se a cirurgia com broqueamento da parede posterior do conduto decidindo-se por timpanomastoidectomia radical. Foi identificada massa poliposa envolvendo o segmento timpânico e o segundo joelho do nervo facial, sugerindo infiltração neural. Removeu-se a mucosa e massa poliposa do hipotímpano, da região do óstio da tuba auditiva, restos da bigorna e do martelo (que se encontravam englobados pelo tumor) e de toda lesão poliposa não diretamente aderida ao nervo facial. Identificaram-se restos da supra-estrutura do estribo, janela oval e janela redonda. Realizou-se a inversão das bordas de mucosa do óstio tubário, inserção de fragmento de músculo, selamento com cera de osso e meatoplastia ampla.

Devido à ausência de um diagnóstico histopatológico definitivo que propiciasse análise do prognóstico e/ou tratamento complementar e, principalmente, a necessidade de discutir com o paciente a relação risco-benefício de uma patologia ainda não definida optamos pela não remoção completa da lesão que se apresentava aderida ao nervo facial.

Anatomia patológica

O material foi fixado em formol a 10%, processado para cortes histológicos através de desidratação em álcoois, diafanização em xilol e emblocado em parafina. Os cortes histológicos foram corados em Hematoxicilina - Eosina e PAS.

O exame imunohistoquímico foi realizado pela técnica da "Labelled Streptavidin Biotin - Peroxidase (LSAB +)" com pesquisa dos antígenos: Cromogranina A (Figura 2), Antígeno de membrana epitelial, CD-99, GFAP (Glial Fibrillay Acidic Protein), Citoqueratina (AE1/AE3), Antígeno carcino-embrionário (CEA), Actina, Vimentina e Proteína S-100.

As células neoplásicas foram positivas para Citoqueratina (AE1/ AE3), Vimentina, Antígeno de Membrana Epitelial (irregularmente) e Cromogranina A, também irregularmente.

O quadro histopatológico e imuno-histoquímico foi compatível com adenoma da orelha média.

Evolução pós-operatória

O paciente foi acompanhado para remoção dos pontos de sutura e limpeza semanal da cavidade no primeiro mês do pós-operatório, evoluindo com epitelização da cavidade, sem sinais de processo infeccioso.

DISCUSSÃO

O adenoma da orelha média é um tumor raro; a suspeita diagnóstica pré-operatória é difícil por apresentar os mesmos sintomas e alterações audiométricas de patologias otológicas comuns como colesteatomas e pólipos inflamatórios.

Os exames de imagem não apresentam nenhum sinal adicional que sugiram sua etiologia. Podem revelar velamento ou massa tumoral que acomete ou não os ossículos, sem necessariamente ocorrer erosão óssea do esporão de Chaussé.

O diagnóstico definitivo se faz pelo exame histopatológico e imuno-histoquímico. O epitélio da orelha média tem uma tendência a desenvolver formações glandulares na otite média e o adenoma parece ser uma transformação neoplásica benigna deste epitélio.



Figura 1. Tomografia computadorizada de osso temporal esquerdo, corte coronal, demonstrando velamento da orelha média.



Figura 2. Imunohistoquímica do adenoma: presença de células neoplásicas identificadas pela Cromogranina A (1000x).



A microscopia ótica revela células regulares, cuboidais e colunares, que formam glândulas pequenas, justapostas, ou formando arranjos sólidos, ou ainda, trabecular. A coloração pelo PAS pode ser positiva (mucoproteína) no lúmen de algumas estruturas glandulares.

O diagnóstico diferencial morfológico se faz, principalmente, com o tumor carcinóide (neoplasia de baixo potencial de malignidade) sendo, às vezes, impossível de ser feito, já que ambas podem demonstrar peptídeos neuroendócrinos. As outras neoplasias da orelha média têm morfologia diversa, restringindo o diagnóstico diferencial.

A dificuldade de definição da melhor abordagem cirúrgica se dá pela raridade do tumor e ausência de uma padronização de sua classificação histológica que determinem o comportamento tumoral, como a invasão local. O tratamento cirúrgico compreende a remoção do tumor, com ou sem margens livres de segurança. O prognóstico é bom, sendo preconizado o acompanhamento rigoroso para detecção de recidivas.

A importância deste relato pretende salientar o adenoma da orelha média que, embora raro, deve fazer parte do diagnóstico diferencial das massas que acometem essa região e destacar a decisão do cirurgião em não ressecar parte da lesão que se apresentava aderida ao nervo facial por não se ter no pré-operatório diagnóstico histopatológico definitivo e conseqüente prognóstico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Namyslowski G,Scierski W, Lange D. Middle ear adenoma: a case report. Ultrastruct Pathol 2001; 25(1):73-8.
2. Bailey QR, Weiner JM. Middle ear adenoma: a case report with ultrastructural findings. J Laryngol Otol 1986; 100(4):467-70.
3. Kundig H, Kos I, Kurt AM, Guyot JP. Adenoma of the middle ear. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac 2000; 117(5): 274-80.
4. Hale RJ, McMahon RF, Whittaker JS. Middle ear adenoma: tumour of mixed mucinous and neuroendocrine differentiation. J Clin Pathol 1991; 44(8):652-4.
5. Davies JE, Semeraro D, Knight LC, Griffiths GJ. Middle ear neoplasms showing adenomatous and neuroendocine components. J Laryngol Oto 1989; 103(4):404-7.
6. Ketabchi S, Massi D, Franchi A, Vannuchi P, Santucci M. Middle ear adenoma is na amphicrine tumor: why call it adenoma? Ultrastruct Pathol 2001; 25(1):73-8.
7. Gunduz M, Yamanaka N, Saito T, Kuki K, Yokoyama M, Nakamine H. Middle ear adenoma with neuroendocrine differentiation. Auris Nasus Larynx 2000; 27(1):73-6.
8. Maintz D, Stupp C, Krueger K, Wustrow J, Lackner K.MRI and CT of adenomatous tumours of the middle ear. Neuroradiology 2001; 43(1): 58-61.
9. Zeise K, Kaschke O, Jautzke G. Middle ear adenoma. Long-term course of a rare neoplasm. J Laryngol Otol 2001; 115(3):216-9.
10. Ribe A, Fernandez PL, Ostertarg H, Claros P, Bombi JA, Palacin A et al. Middle-ear adenoma (MEA): a report of two cases, one with predominant "plasmacytoid" features. Ann Pathol 1996; 16(4):271-5.
11. Mc Donald KR, Vrabee JT. Synchronous middle ear osteoma and adenoma. Surg Neurol 1997; 48(4):368-73.
12. Caldas Neto S, Depart A, Bento RF, Caldas N. Tumours of the ceruminous glands: revision of the literature and report of a case in the middle ear. Rev Laryngol Oto Rhino (Bord) 1993; 114(1):43-7.
13. Wassef M, Kanavaros P, Nemeth J, Adjamagbo H, Ba Huy PT. Amphicrine adenoma of the midddle ear. Histological, immunohistochemical and ultrastructural study of a case. Ann Pathol 1993; 13(3):170-5.
14. Torske KR, Thompson LD. Adenoma versus Carcinoid Tumor of the Middle Ear: a Study of 48 Cases and Review of the Literature. Mod Pathol 2002; 15(5):543-55.
15. Paraskevakou H, Lazaris AC, Kandiloros DC, Papadimitriou K, Adamapoulos G, Davaris PS. Middle ear adenomatous tumor with a predominant neuroendocrine component. Patlhology 1999; 31(3):284-7.

1 Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Coordenador do Serviço de Otorrino do Hospital das Clínicas da UFMG.
2 Médicas Residentes do Núcleo de Otorrino BH.
3 Preceptor de Residência Médica do Núcleo de Otorrino-BH e Hospital das Clínicas da UFMG e Doutorando pela Faculdade de Medicina da UFMG.
4 Professor(a) Assistente do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFMG.
Instituição: Núcleo de Otorrino BH
Endereço para Correspondência: Celso Becker - Rua Levindo Lopes 191 Savassi Belo Horizonte MG 30.140-170
Telefax (0xx31) 3281-4604 - E-mail: cbecker@medicina.ufmg.br
Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia no dia 20 de novembro de 2003 em Florianópolis.
Artigo recebido em 24 de março de 2003. Artigo aceito em 15 de maio de 2003.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial