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Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 3  - Maio - Junho - (18º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 410 a 414

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Aplicações de Gelfoam® como tratamento de emergência na insuficiência glótica em cantora

Gelfoam® applications as an emergency treatment in glottic insufficiency in singer

Autor(es): Paulo A. L. Pontes 1,
Vanessa P. Vieira 2

Palavras-chave: laringe, insuficiência, implante, Gelfoam®

Keywords: larynx, insufficiency, implant, Gelfoam®

Resumo:
O Gelfoam®, produto utilizado em pacientes com paralisias unilaterais de prega vocal, foi aplicado em uma cantora que apresentava insuficiência glótica por atrofia de prega vocal e que necessitava prosseguir em suas atividades profissionais com urgência. O produto foi aplicado por via percutânea e transluminar em consultório e, em seguida, foram realizadas avaliações vocais para acompanhamento e comprovação da eficácia do tratamento. Foram realizadas duas séries com intervalo de um ano, ambas com duas aplicações a cada 28 e 30 dias respectivamente. O resultado foi positivo, permitindo que a paciente retornasse às suas atividades e concluísse o trabalho durante o período em que o Gelfoam®, mesmo sofrendo absorção progressiva, permitiu coaptação glótica compatível com as exigências do uso da voz.

Abstract:
Gelfoam®, a product referred to patients presenting unilateral vocal fold paralysis, was applied to a female singer who showed glottic insufficiency by vocal fold atrophy and who needed urgently to proceed with her professional activities. The product was applied through percutaneous and translumination viae, in clinic, and followed by vocal assessments to confirm the efficacy of the treatment. There were realized two series with one year of interval, both with two applications, respectively 28 and 30 days. The result was positive allowing the patient to return to her activities and to conclude her work during the period that Gelfoam®, that was in progressive absorption, permitted a glottic coaptation compatible with the necessities of the voice use.

INTRODUÇÃO

O Gelfoam® (esponja gelatinosa absorvível) tem sido utilizado há muitos anos em cirurgias na área de Otorrinolaringologia, especialmente em Otologia, para a acomodação de tecidos e, por vezes, em hemostasia. Recentemente passou a ser utilizado também para a correção da insuficiência glótica nos casos de paralisias unilaterais de prega vocal, com ou sem aspiração1-3. Nestes casos o objetivo é obter a medialização da borda livre da prega vocal paralisada durante o período em que se deve aguardar sua recuperação funcional. Por ser um material absorvível, a expectativa é de que haja coincidência ou proximidade entre a sua absorção e o reinício da atividade muscular. Se a absorção ocorrer mais rápido que o necessário, pode-se reaplicar o produto. Com base nesta experiência pensamos poder utilizá-lo também para a correção de insuficiências glóticas não decorrentes de paralisias, durante um curto período em que o paciente necessita melhor suporte vocal para responder a uma maior solicitação nas suas atividades.

O objetivo deste trabalho é mostrar os resultados obtidos com a utilização do Gelfoam® para a correção da insuficiência glótica por alterações estruturais em cantora, quando foi exigida urgência na melhora da voz.

RELATO DO CASO

E.C, sexo feminino, 46 anos, casada, natural e procedente de S.P., cantora, procurou atendimento otorrinolaringológico no Instituto da Laringe pela primeira vez em 1989, com queixa de rouquidão intermitente, pigarro e cansaço vocal há seis anos. Nesta época já havia sido submetida a vários tratamentos medicamentosos e à fonoterapia, referindo boa melhora da voz (porém ainda insuficiente para a sua atividade), mas não do catarro.

Cantora de música popular há vinte anos, a paciente fazia aulas de canto lírico para colocação da voz. Negava antecedentes familiares, tabagismo, etilismo, exposição a ar condicionado e asma brônquica. Apresentava rinite alérgica e referiu ter sido tratada com prednisolona. O exame revelou pregas vocais delgadas, levemente arqueadas, com presença de sulco vocal estria maior superficial bilateral, maior à esquerda, e fenda fusiforme anterior.

Como conduta inicial foi realizado tratamento clínico para alergia e fonoterapia, com evolução instável e sem alterações à laringoscopia até o início de 1993. Em fonoterapia fez exercícios de voz cochichada, exercícios de vibração incluindo o som basal e exercícios baseados no método proposto pela fonoaudióloga Jô Estill. Foram também pesquisados aspectos hormonal e digestivo, com resultados normais.

Optou-se então por tratamento cirúrgico, com as possibilidades de injeção de colágeno ou tireoplastia tipo I bilateral4; decidiu-se pela tireoplastia, que foi realizada em Janeiro de 1993. Após um mês, apresentou condrite e foi medicada com antibiótico, o que resultou na redução do processo inflamatório e na formação de fibrose em terço médio de prega vocal direita. Apesar da complicação, houve melhora da qualidade vocal, permanecendo apenas a dificuldade nas freqüências agudas da tessitura vocal no canto.

Dois meses após a cirurgia, foi observada à laringoscopia reação granulomatosa na prega vocal esquerda, sendo realizada microcirurgia de laringe neste mesmo mês para exérese do granuloma, quando se constatou a extrusão da placa de silicone, que foi removida neste ato; uma pequena área da cartilagem ficou exposta à esquerda da comissura anterior na região subglótica. Encontrou-se também uma ponte de mucosa delgada em terço anterior de prega vocal direita, que foi removida. Com quatro dias de pós-operatório já havia ocorrido a cicatrização e a voz readquiriu boa qualidade, permanecendo dificuldade apenas no canto, na exceção dos sons agudos. Iniciou novamente fonoterapia, obtendo melhora acentuada da voz com redução da fenda e vibração na face subglótica das pregas vocais. Retornou para as aulas de canto, na expectativa de estender a tessitura até o falsete.

Em setembro de 1993 fez aplicação de Gelfoam® na prega vocal esquerda com o objetivo de reduzir a fenda, e em conseqüência, auxiliar a fonoterapia. Após dois meses já conseguia cantar, sem rouquidão, com desaparecimento quase total da fenda anterior e vibração simétrica da mucosa das pregas vocais. As freqüências mais graves apresentavam estabilidade, mas com algumas quebras de sonoridade nas freqüências agudas. Pôde então retornar às atividades profissionais como cantora de música popular. A voz manteve-se estável e sem restrições ao seu uso até maio de 95, quando retornou para controle, referindo excelente melhora no canto, fazendo shows e cantando até 40 músicas em cada apresentação.

Fez novo retorno em agosto de 1998, referindo ter tido síndrome do pânico, da qual melhorou sob medicação. Após ficar oito meses sem cantar, ao retornar às atividades normais, voltou a sentir dificuldades. No exame laringológico observou-se aumento acentuado da fenda, atrofia de mucosa e saliência na borda da prega vocal esquerda durante a abdução. Foi orientada a retomar as aulas de canto. A causa da atrofia não foi determinada, mantendo-se a hipótese de ação medicamentosa ou atrofia por desuso, visto que, com o retorno às atividades, houve melhora da voz.

Em agosto de 2001 retornou referindo piora da voz nos últimos meses. Este período coincidiu com a gravação de um novo álbum, que já estava no final, sem conseguir concluí-lo devido à piora vocal. Ao exame observou-se placa de fibrose na comissura anterior e aumento da fenda fusiforme (Figura 1). Nesta consulta foi realizada avaliação fonoaudiológica do comportamento vocal, na qual se observou qualidade vocal soprosa, áspera e tensa de grau moderado a severo e bitonalidade discreta, tempos máximos de fonação reduzidos (7 a 9 segundos), inícios das emissões bruscos, relação s/z de 1,9, ressonância laringo-faríngea, com predominância laríngea; pitch grave, loudness reduzido, modulação com restrição discreta, tipo articulatório adequado, coordenação pneumofonoarticulatória inadequada, quebra de sonoridade nas freqüências agudas, redução discreta da aspereza e da soprosidade durante o canto e registro modal de cabeça. Na avaliação acústica da vogal /µ/ sustentada obteve-se f0 de 184 Hz, sinal acústico de crepitação ao final da emissão, harmônicos presentes até 1800 Hz, com presença de intenso ruído acima dessa região, quebras e flutuações de freqüência durante a emissão (Figura 2). Na espectrografia de uma frase cantada apresentou regiões de tensão, quebras durante as zonas de passagem, diplofonia, aumento de ruído nas vogais e instabilidade de emissão (Figura 3).

Foi então indicada aplicação de Gelfoam® na prega vocal direita como tratamento de emergência para fechar a fenda glótica e, com isso, reduzir os desvios fonatórios.

O Gelfoam® foi previamente preparado com hidratação progressiva, usando-se solução fisiológica, até se obter a consistência pastosa, e foi aplicado em profundidade na prega vocal direita na região correspondente à fenda fusiforme. A aplicação foi realizada utilizando seringa de pressão de Brunning e agulha de 30-8. A introdução da agulha na prega vocal fez-se pela via percutânea e transluminar, penetrando-se pelo lado oposto, na região da membrana cricotireóidea. O direcionamento e a profundidade da agulha foram monitorados sob visão através da videonasofibroscopia (Figura 4). A anestesia foi tópica, na região endolaríngea, com utilização de Xylocaína spray 10%, e local com o mesmo produto, sob a forma injetável a 2% na região cutânea.

Após a colocação do Gelfoam® (Figura 5) realizou-se nova avaliação perceptivo-auditiva e acústica da voz, em que se encontrou qualidade vocal do tipo soprosa moderada, áspera e tensa discreta, desaparecimento da bitonalidade, aumento dos tempos máximos de fonação (de 13 a 15 segundos), ataques vocais bruscos, pitch agudo, loudness adequada e quebras de sonoridade presentes apenas em freqüências muito agudas. No canto apresentou redução acentuada da soprosidade e aspereza com emissão mais nítida nas freqüências mais graves, ainda apresentando tempos de fonação encurtados para o canto, conseguindo emitir no máximo quatro palavras por inspiração. Na espectrografia observou-se harmônicos bem definidos com alcance até 5.400 Hz, sem presença de ruído entre suas faixas, oscilograma com configuração mais homogênea e boa definição das faixas dos formantes (Figura 6). Na espectrografia da mesma frase cantada anteriormente feita cinco dias após a aplicação, observou-se maior estabilidade nas vogais, redução do ruído, desaparecimento da diplofonia e manutenção da tensão (Figura 7).

A paciente voltou às atividades profissionais referindo conseguir cantar bem, mas sem exigir muito dos agudos. Após um mês e vinte dias iniciaram os sinais de absorção com piora da qualidade vocal, o que exigiu nova aplicação de Gelfoam®, cujo efeito perdurou até o término das gravações, o que ocorreu em trinta dias.

Em dezembro de 2002 a demanda vocal se mostrou intensa devido aos shows de fim de ano e novamente foi aplicado o Gelfoam em duas fases com intervalo de 30 dias, permitindo a continuidade do trabalho.



Figura 1. Imagem laríngea antes da aplicação do Gelfoam®



Figura 2. Emissão sustentada do /e/ antes da aplicação do Gelfoam®.



Figura 3. Emissão de frase cantada antes da aplicação do Gelfoam®.



Figura 4. Imagem laríngea com agulha durante aplicação do Gelfoam®.



Figura 5. Imagem laríngea após a aplicação do Gelfoam®.



Figura 6. Emissão sustentada do /e/ após a aplicação do Gelfoam®.



Figura 7. Emissão de frase cantada após a aplicação do Gelfoam®.



DISCUSSÃO

Este caso mostrou que a aplicação de Gelfoam® em prega vocal móvel com alteração estrutural mínima e ainda associada a cicatrizes pós-operatórias possibilitou a correção da suficiência glótica oferecendo ao paciente, de forma imediata, uma melhora da sua qualidade vocal para o desempenho da sua atividade profissional em um período de aproximadamente 60 dias.

Este procedimento, além desta finalidade, possibilitou a observação do comportamento vocal da paciente, mediante correção dos defeitos pelo método de injeção de substâncias. Ficou definido que a paciente se submeteria à nova cirurgia da laringe para inclusão de material não absorvível ou de baixa absorção, com o objetivo de se alcançar resultado permanente semelhante ao obtido com o Gelfoam®.

Neste caso em particular a escolha do material a ser implantado pouco dependerá de sua viscosidade, visto que da mesma forma que o Gelfoam®, o mesmo deverá ser aplicado em profundidade, mantendo-se a mucosa intacta na situação atual.

A tireoplastia fica descartada, considerando-se a ocorrência das reações adversas por ocasião do primeiro intento.

CONCLUSÃO

O emprego de Gelfoam®, além das indicações habituais nas paralisias unilaterais de prega vocal, demonstrou ser eficiente na correção de insuficiência glótica por alterações estruturais em profissional da voz, com melhora da performance vocal, em curto espaço de tempo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Anderson TD, Mirza N. Immediate Percutaneous Medialization for acute vocal fold immobility with aspiration. Laryngoscope 2001; 111:1318-21.
2. Morpeth JF, Willians MF. Vocal fold Paralysis after anterior cervical diskectomy and fusion. Laryngoscope 2000; 110:43-6.
3. Schramm VL, May M, Lavorato AS. Gelfoam paste injection for vocal cord paralysis:temporary rehabilitation of glottic incompetence. Laryngoscope 1978; 88:1268-73.
4. Isshiki N, Morita H, Okamura H, Hiramoto M. Thyroplasty as a new phonosurgical technique. Acta Otolaryngol 1974; 78:451-3.




1 Professor Titular de Otorrinolaringologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - EPM.
2 Fga. com Especialização em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo -
UNIFESP- EPM. Fonoaudióloga do Instituto da Laringe - INLAR.

Instituto da Laringe - INLAR - São Paulo
Endereço para Correspondência: Rua Dr. Diogo de Faria, 171 Vila Clementino São Paulo 04037-000
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Artigo recebido em 07 de abril de 2003. Artigo aceito em 24 de abril de 2003.

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