Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (22º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 916 a 918
Síndrome de Plummer - Vinson: relato de caso
Plununer-Vinson syndrome: case report
Autor(es):
Fernando Danelon Leonhardt 1,
Paulo Bedê Miranda 2,
Luc Louis Maurice Weckx 3
Palavras-chave: síndrome de Plummer-Vinson, glossite, anemia sideropênica
Keywords: Plummer-Vinson syndrome, glossitis, sideropenic anemia
Resumo:
A síndrome de Plummer-Vinson, caracterizada por disfagia, anemia ferropriva, glossite atrófica, queilite angular e membrana esofágica, com pico de incidência na sexta década e sexo feminino, é uma afecção rara em otorrinolaringologia, mas que deve ser acompanhada de perto pelo potencial de malignização que ela apresenta na região pós-cricoídea. Relatamos o caso de uma paciente de 84 anos, sexo feminino, com história de dispnéia aos pequenos esforços, adinamia e lesões em canto da boca e língua, que apresentava uma anemia hipocrômica, microcítica, alterações no ferro sérico e saturação de transferrina e esofagograma com a presença de uma membrana esofágica em seu terço proximal, sendo feito o diagnóstico da síndrome de Plummer-Vinson. A paciente foi submetida a transfusão sanguínea, dilatação esofágica e reposição de ferro, evoluindo com melhora total dos sintomas.
Abstract:
The Plummer-Vinson syndrome is characterized by dysphagia, iron-deficiency anaemia, atrophic glossitis, angular cheilitis and esophageal web. This rare otolaryngological disease, predominant in female at the sixth decade, must be closely followed-up due to its tendency to malignant transformation in the post-cricoid region. We report an 84 years-old female patient case, with dyspnea, dysphagia, angular cheilitis, smooth tongue, iron-deficiency anaemia and esophageal web demonstrated in the barium swallow test, diagnosed as Plummer-Vinson syndrome. The patient underwent blood transfusion, esophageal dilation and oral iron therapy, with total remission of the symptoms.
INTRODUÇÃO
Em 1922, Vinson, na clínica Mayo, descreve uma síndrome de disfagia faríngea e anemia, freqüentemente associada a esplenomegalia em mulheres de meia idade1, creditando a Plummer o reconhecimento desta entidade clínica, que passou a ser conhecida como síndrome de Plummer-Vinson. Na mesma época, na Inglaterra, Paterson-Brown-Kelly descrevem uma entidade semelhante, que recebe os seus nomes2, 3. Inicialmente a disfagia foi considerada histérica3 ou causada por espasmo muscular2 e em 1939 Waldenström a descreve como uma disfagia sideropênica4. Posteriormente, deficiência de ferro, glossite atrófica, dedos em baqueta, queilite angular, acloridria e membrana esofágica foram adicionados à síndrome.
A disfagia inicialmente é intermitente, tornando-se constante com a evolução do quadro. Quando tratado precocemente com reposição de ferro, o processo evolutivo pode ser detido, evitando a formação de fibrose decorrente da inflamação crônica da mucosa do esôfago que leva ao aparecimento da membrana esofágica, que se inicia anteriormente e se torna circunferencial com o tempo. A sua associação com a anemia ferropriva e os sinais clínicos característicos (quefite angular, glossite atrófica, e geralmente acloridria, hepato e esplenomegalia) confirmam o diagnóstico da síndrome de Plummer-Vinson.
Relatamos um caso clínico para exemplificar um quadro de Plummer-Vinson iniciado por dispnéia e adinamia, discutindo os achados clínicos, exames subsidiários e tratamento.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
Paciente de 84 anos, sexo feminino, branca, natural e procedente SP, do lar, deu entrada no pronto socorro com história de 1 semana apresentando dispnéia aos pequenos esforços (andar do quarto à sala) e adinamia. Refere há aproximadamente 3-4 anos, disfagia progressiva, inicialmente para alimentos sólidos, até alimentos pastosos, acompanhada de episódios de aspiração de conteúdo alimentar e aparecimento de lesões em canto da boca e língua, que apresentavam períodos de remissão espontânea. Referia emagrecimento não medido há 3 anos, hipertensão arterial sistêmica e gastrectomia há 40 anos por úlcera hemorrágica.
Ao exame físico, a paciente se encontrava em bom estado geral, descorada 3/4+, hidratada e dispnéica. Presença de cicatriz longitudinal mediana supra-umbilical no exame abdominal. No exame otorrinolaringológico, presença de glossite com atrofia de papilas, e queilite angular (Figura 1).
Os exames laboratoriais evidenciaram uma anemia hipocrômica, microcítica e alterações no ferro sérico e saturação de transferrina, como segue: HMG: Hb: 7,8 mg%, Ht: 25,2%, VCM: 65,8 (nl 80-100), HCM: 20,3 pg (nl 26-34), CHCM: 30,8% (nl 32-36), Ferro sérico: 34 ng/dL (nl 40-150), Saturação de tranferrina: 8% (nl 20-50).
Figura 1. Oroscopia com glossite.
Figura 2. Esofagograma com estreitamento
Figura 3. Esofagograma com estreitamento
O esofagograma com bário mostrou a presença de uma membrana esofágica em seu terço proximal (Figuras 2 e 3). À endoscopia digestiva alta mostrou uma diminuição do calibre e luz do órgão ao nível do vestíbulo laríngeo e esôfago proximal, devido à membrana espessa que compromete toda a circunferência do mesmo, com restante da mucosa sem alterações.
A paciente foi submetida a transfusão sanguínea, dilatação esofágica e reposição de ferro, evoluindo com melhora total dos sintomas de disfagia e aspiração alimentar.
DISCUSSÃO
O caso relatado apresenta as características clássicas da síndrome de Plummer-Vinson, cujo pico de incidência se encontra na sexta década, com predomínio no sexo feminino. Os sintomas clínicos podem ser divididos em determinantes maiores e menores, com a disfagia, anemia, glossite e membrana laríngea pertencentes aos maiores e a queilite angular, esplenomegalia e acloridria aos menores5.
A história clínica demonstra uma disfagia progressiva associada aos sintomas da anemia ferropriva, entretanto apenas dez por cento dos pacientes com esses sintomas desenvolvem uma membrana pós-cricoídea, usualmente associada com glossite atrófica e queilite angular, levando ao desenvolvimento de uma explicação auto-imune na sua fisiopatologia6.
As características anatomopatológicas são a atrofia epitelial, hiperqueratose, infiltrado inflamatório submucoso crônico e degeneração e atrofia muscular subjacente. Essas alterações podem ser facilmente encontradas na língua e mucosa oral, assim como na hipofaringe, esôfago, nariz, cólon, reto e vagina7, 8.
Os achados laboratoriais demonstram uma anemia hipocrômica, microcítica, diminuição na saturação de transferrina e um aumento na capacidade total de ligação ao ferro. O esofagograma com contraste iônico, bário, evidencia a membrana esofágica, que pode não ser aparente na endoscopia digestiva alta.
A síndrome de Plummer-Vinson é considerada uma precursora do carcinoma pós-cricoídeo, com o pico de transformação maligna 10 anos após o aparecimento da doença, e a incidência de evolução para o carcinoma varia na literatura de 2 a 70 por cento, sendo essa variabilidade decorrente da diferença no acompanhamento e severidade da anemia7, 9, 10. O local de malignização geralmente ocorre justa proximal à membrana, possivelmente devido à irritação crônica da mucosa.
O tratamento consiste na reposição oral de ferro, transfusão sanguínea quando necessário para a correção de anemia severa, e dilatação esofágica quando a disfagia e a membrana esofágica não responderem ao tratamento clínico, ou quando estiver presente há mais de dois anos5.
No caso relatado, a paciente apresentou uma anemia severa, com quadro clínico importante e disfagia avançada, tendo recebido transfusão sanguínea além da reposição oral de ferro, e foi submetida a dilatação esofágica para uma melhora mais rápida da disfagia.
COMENTÁRIOS FINAIS
A síndrome de Plummer-Vinson é uma entidade clinica rara, com diversos sintomas otorrinolaringológicos como a disfagia, glossite atrófica e queilite angular, entre outros, que merece uma atenção redobrada em relação ao seu potencial de transformação maligna na região pós-cricoídea, local com mau prognóstico no câncer de cabeça e pescoço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Vinson PO. Hysterical dysphagia. Minn Med 1922; 5: 107.
2. Kelly AB. Spasm at the entrance of the esophagus. J Laryngol Rhinol Otol 1919; 34:285.
3. Paterson DR. A clinical type of dysphagia. J Laryng Otol 1919; 34:289.
4. Waldenström J, Kjellberg SR. The roentgenological diagnosis of sideropenic dysphagia. Acta Radiol 1939; 20:618.
5. Mansell NJ, Jani P, Bailey CM. Plummer-Vinson syndrome: a rare presentation in a child. J Laryngol Otol 1999 May; 113:475-6.
6. Geerlings SE, Statios van Eps LW. Pathogenesis and consequences of Plummer-Vinson syndrome. Clin Investigator 1992; 70:629-30.
7. Entwhistle CC, Jacobs A. Histological findings in the Paterson Kelly syndrome. J Clin Pathol 1965; 18:408-13.
8. MacNab-Jones RF. The Paterson, Brown-Kelly syndrome: its relationship to iron deficiency and post cricoid carcinoma. J Laryngol Otol 1961; 75: 529-61.
9. Adams GL. Malignant tumors of the larynx and hypopharynx. In: Cummings, CW et al. Otolaryngology, Head and Neck Surgery, 3ª edição, Saint Louis: Mosby-Year Book Inc.; 1998. p. 2131-75.
10. Chilholm, M. The association of webs, iron and post-cricoid carcinoma. Postgrad Med J 1974; 50:215-9.
1 Médico Residente em Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
2 Médico Otorrinolaringologista.
3 Professor Livre-Docente pela Escola Paulista de Medicina-UNIFESP, Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
Instituição: Escola Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo-Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana.
Endereço para correspondência: Fernando Danelon Leonhardt - R. Bandeira Paulista, 142 apto. 22 - 04532-000 - São Paulo - SP
Tel. (0xx11) 3168-0103 - E-mail: fernandodanelon@uol.com.br
Artigo recebido em 22 de outubro de 2001. Artigo aceito em 13 de dezembro de 2001.