INTRODUÇÃOEm 1922, Vinson, na clínica Mayo, descreve uma síndrome de disfagia faríngea e anemia, freqüentemente associada a esplenomegalia em mulheres de meia idade1, creditando a Plummer o reconhecimento desta entidade clínica, que passou a ser conhecida como síndrome de Plummer-Vinson. Na mesma época, na Inglaterra, Paterson-Brown-Kelly descrevem uma entidade semelhante, que recebe os seus nomes2, 3. Inicialmente a disfagia foi considerada histérica3 ou causada por espasmo muscular2 e em 1939 Waldenström a descreve como uma disfagia sideropênica4. Posteriormente, deficiência de ferro, glossite atrófica, dedos em baqueta, queilite angular, acloridria e membrana esofágica foram adicionados à síndrome.
A disfagia inicialmente é intermitente, tornando-se constante com a evolução do quadro. Quando tratado precocemente com reposição de ferro, o processo evolutivo pode ser detido, evitando a formação de fibrose decorrente da inflamação crônica da mucosa do esôfago que leva ao aparecimento da membrana esofágica, que se inicia anteriormente e se torna circunferencial com o tempo. A sua associação com a anemia ferropriva e os sinais clínicos característicos (quefite angular, glossite atrófica, e geralmente acloridria, hepato e esplenomegalia) confirmam o diagnóstico da síndrome de Plummer-Vinson.
Relatamos um caso clínico para exemplificar um quadro de Plummer-Vinson iniciado por dispnéia e adinamia, discutindo os achados clínicos, exames subsidiários e tratamento.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICOPaciente de 84 anos, sexo feminino, branca, natural e procedente SP, do lar, deu entrada no pronto socorro com história de 1 semana apresentando dispnéia aos pequenos esforços (andar do quarto à sala) e adinamia. Refere há aproximadamente 3-4 anos, disfagia progressiva, inicialmente para alimentos sólidos, até alimentos pastosos, acompanhada de episódios de aspiração de conteúdo alimentar e aparecimento de lesões em canto da boca e língua, que apresentavam períodos de remissão espontânea. Referia emagrecimento não medido há 3 anos, hipertensão arterial sistêmica e gastrectomia há 40 anos por úlcera hemorrágica.
Ao exame físico, a paciente se encontrava em bom estado geral, descorada 3/4+, hidratada e dispnéica. Presença de cicatriz longitudinal mediana supra-umbilical no exame abdominal. No exame otorrinolaringológico, presença de glossite com atrofia de papilas, e queilite angular (Figura 1).
Os exames laboratoriais evidenciaram uma anemia hipocrômica, microcítica e alterações no ferro sérico e saturação de transferrina, como segue: HMG: Hb: 7,8 mg%, Ht: 25,2%, VCM: 65,8 (nl 80-100), HCM: 20,3 pg (nl 26-34), CHCM: 30,8% (nl 32-36), Ferro sérico: 34 ng/dL (nl 40-150), Saturação de tranferrina: 8% (nl 20-50).
Figura 1. Oroscopia com glossite.
Figura 2. Esofagograma com estreitamento
Figura 3. Esofagograma com estreitamento
O esofagograma com bário mostrou a presença de uma membrana esofágica em seu terço proximal (Figuras 2 e 3). À endoscopia digestiva alta mostrou uma diminuição do calibre e luz do órgão ao nível do vestíbulo laríngeo e esôfago proximal, devido à membrana espessa que compromete toda a circunferência do mesmo, com restante da mucosa sem alterações.
A paciente foi submetida a transfusão sanguínea, dilatação esofágica e reposição de ferro, evoluindo com melhora total dos sintomas de disfagia e aspiração alimentar.
DISCUSSÃOO caso relatado apresenta as características clássicas da síndrome de Plummer-Vinson, cujo pico de incidência se encontra na sexta década, com predomínio no sexo feminino. Os sintomas clínicos podem ser divididos em determinantes maiores e menores, com a disfagia, anemia, glossite e membrana laríngea pertencentes aos maiores e a queilite angular, esplenomegalia e acloridria aos menores5.
A história clínica demonstra uma disfagia progressiva associada aos sintomas da anemia ferropriva, entretanto apenas dez por cento dos pacientes com esses sintomas desenvolvem uma membrana pós-cricoídea, usualmente associada com glossite atrófica e queilite angular, levando ao desenvolvimento de uma explicação auto-imune na sua fisiopatologia6.
As características anatomopatológicas são a atrofia epitelial, hiperqueratose, infiltrado inflamatório submucoso crônico e degeneração e atrofia muscular subjacente. Essas alterações podem ser facilmente encontradas na língua e mucosa oral, assim como na hipofaringe, esôfago, nariz, cólon, reto e vagina7, 8.
Os achados laboratoriais demonstram uma anemia hipocrômica, microcítica, diminuição na saturação de transferrina e um aumento na capacidade total de ligação ao ferro. O esofagograma com contraste iônico, bário, evidencia a membrana esofágica, que pode não ser aparente na endoscopia digestiva alta.
A síndrome de Plummer-Vinson é considerada uma precursora do carcinoma pós-cricoídeo, com o pico de transformação maligna 10 anos após o aparecimento da doença, e a incidência de evolução para o carcinoma varia na literatura de 2 a 70 por cento, sendo essa variabilidade decorrente da diferença no acompanhamento e severidade da anemia7, 9, 10. O local de malignização geralmente ocorre justa proximal à membrana, possivelmente devido à irritação crônica da mucosa.
O tratamento consiste na reposição oral de ferro, transfusão sanguínea quando necessário para a correção de anemia severa, e dilatação esofágica quando a disfagia e a membrana esofágica não responderem ao tratamento clínico, ou quando estiver presente há mais de dois anos5.
No caso relatado, a paciente apresentou uma anemia severa, com quadro clínico importante e disfagia avançada, tendo recebido transfusão sanguínea além da reposição oral de ferro, e foi submetida a dilatação esofágica para uma melhora mais rápida da disfagia.
COMENTÁRIOS FINAISA síndrome de Plummer-Vinson é uma entidade clinica rara, com diversos sintomas otorrinolaringológicos como a disfagia, glossite atrófica e queilite angular, entre outros, que merece uma atenção redobrada em relação ao seu potencial de transformação maligna na região pós-cricoídea, local com mau prognóstico no câncer de cabeça e pescoço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Vinson PO. Hysterical dysphagia. Minn Med 1922; 5: 107.
2. Kelly AB. Spasm at the entrance of the esophagus. J Laryngol Rhinol Otol 1919; 34:285.
3. Paterson DR. A clinical type of dysphagia. J Laryng Otol 1919; 34:289.
4. Waldenström J, Kjellberg SR. The roentgenological diagnosis of sideropenic dysphagia. Acta Radiol 1939; 20:618.
5. Mansell NJ, Jani P, Bailey CM. Plummer-Vinson syndrome: a rare presentation in a child. J Laryngol Otol 1999 May; 113:475-6.
6. Geerlings SE, Statios van Eps LW. Pathogenesis and consequences of Plummer-Vinson syndrome. Clin Investigator 1992; 70:629-30.
7. Entwhistle CC, Jacobs A. Histological findings in the Paterson Kelly syndrome. J Clin Pathol 1965; 18:408-13.
8. MacNab-Jones RF. The Paterson, Brown-Kelly syndrome: its relationship to iron deficiency and post cricoid carcinoma. J Laryngol Otol 1961; 75: 529-61.
9. Adams GL. Malignant tumors of the larynx and hypopharynx. In: Cummings, CW et al. Otolaryngology, Head and Neck Surgery, 3ª edição, Saint Louis: Mosby-Year Book Inc.; 1998. p. 2131-75.
10. Chilholm, M. The association of webs, iron and post-cricoid carcinoma. Postgrad Med J 1974; 50:215-9.
1 Médico Residente em Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
2 Médico Otorrinolaringologista.
3 Professor Livre-Docente pela Escola Paulista de Medicina-UNIFESP, Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
Instituição: Escola Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo-Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana.
Endereço para correspondência: Fernando Danelon Leonhardt - R. Bandeira Paulista, 142 apto. 22 - 04532-000 - São Paulo - SP
Tel. (0xx11) 3168-0103 - E-mail: fernandodanelon@uol.com.br
Artigo recebido em 22 de outubro de 2001. Artigo aceito em 13 de dezembro de 2001.