Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (14º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 870 a 873

 

Eletrococleografia com estímulo tipo click condensado e rarefeito na doença de Menière

Electrocochleography with condensation and rarefaction click stimulation in Menière's disease

Autor(es): Cláudio M. Y. Ikino 1,
Edigar R. de Almeida 2,
Guilherme P. Caminha 3,
Paulo R. Crespi 4

Palavras-chave: eletrococleografia, doença de Menière, hidropsia endolinfática

Keywords: electrocochleography, Menière's disease, endolymphatic hidrops

Resumo:
A eletrococleografia transtimpânica é atualmente o método objetivo utilizado para o diagnóstico da Doença de Menière, tendo destaque a avaliação da relação entre os potenciais de somação e de ação. Os valores da latência da onda I com uso de clicks condensado e rarefeito e a diferença entre os mesmos tem se mostrado útil no diagnóstico de hidropsia endolinfática. Objetivo: Avaliar os valores de latência da onda I com uso de clicks condensado e rarefeito e a diferença entre os mesmos em pacientes com Doença de Menière. Forma de estudo: Clínico retrospectivo. Material e método: Estudou-se 22 pacientes com diagnóstico clínico de Doença de Menière submetidos a eletrococleografia transtimpânica no período de dezembro de 2000 a abril de 2002 no Centro de Diagnóstico Otorrinolaringológico, avaliando-se a relação dos potenciais de somação e ação, as latências da onda I com uso de clicks condensado e rarefeito e a diferença entre estes valores. Resultados: Em 36,4% dos pacientes a relação dos potenciais de somação e ação foi maior ou igual a 0,33 e neste grupo a latência com clicks condensados, rarefeitos e a diferença destas latências foram respectivamente 1,94 ms, 1,84 ms e 0,25 ms; nos pacientes restantes os valores foram 1,71 ms, 1,71 ms e 0,09 ms. Conclusões: Houve uma tendência de valores de latência da onda I com click condensado e da diferença entre as latências com clicks condensado e rarefeito maiores em pacientes com diagnóstico de hidropsia endolinfática pela eletrococleografla, porém não foi significativo.

Abstract:
Transtympanic electrocochleography considering the summating potential and action potential ratio is a diagnostic test in use for Menière's disease diagnosis. The latency to the condensation and rarefaction click and its difference may be suggestive of endolymphatic hydrops. Aim: The purpose was to examine the latency to the condensation and rarefaction clicks and its difference among patients with Menière's Disease. Study design: Clinical retrospective. Material and method: A group of 22 patients with Menière's Disease examined by transtympanic electrocochleography at Otolaryngology Diagnostic Center was avaliated from December of 2000 to April of 2002 considering the summating potential and action potential ratio, the latency to the condensation and rarefaction clicks and its difference. Results: In 36.4% patients the summating potential and action potential ratio was bigger than 0.33 and in these ones the latency to condensation click, to rarefaction click and its difference were respectively 1.94 ms, 1.84 ms and 0.25 ms. In the other patients those values were 1.71 ms, 1.71 ms and 0.09 ms. Conclusions: The latency to condensation click and the difference between latency to condensation and rarefaction click were not significantly larger in patients with endolymphatic hidrops.

INTRODUÇÃO

A Doença de Menière, afecção da orelha interna que se apresenta clinicamente com hipoacusia flutuante, vertigem e zumbido tendo como substrato fisiopatológico a hidropsia endolinfática, tem sido objeto de numerosos estudos e controvérsias desde sua descrição por Prosper Menière em 18611.

Em 1995, o Comitê de Audição e Equilíbrio da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (AAO-HNS) estabeleceu critérios clínicos para o diagnóstico da Doença de Menière com quatro níveis de certeza (certo, definido, provável e possível) e critérios audiológicos2. No entanto, encontramos diversos estudos de métodos objetivos para o diagnóstico da referida doença, destacando-se a eletrococleografia e as emissões otoacústicas3-8.

A eletrococleografia transtimpânica tem sido considerada o padrão ouro no diagnóstico objetivo da hidropsia endolinfática, com sensibilidade de até 83%4, utilizando-se a medida da relação entre a amplitude do potencial de somação e a do potencial de ação (PS/PA), com uso de estímulo tipo click alternado para anular o microfonismo coclear, com valores variando de 0,33 a 0,501, 3, 4, 5, 6, 9, Levine (1992)10, Johansson (1997)5 e Sass (1998)4, 6 estudaram as latências da onda I, utilizando clicks condensados e rarefeitos e encontraram diferença estatisticamente significativa nos pacientes com Doença de Menière em comparação a indivíduos normais ou com outras afecções cocleovestibulares.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a latência da onda I na eletrococleografia transtimpânica, utilizando clicks condensados e rarefeitos num grupo de pacientes com diagnóstico clínico de Doença de Menière e a diferença entre tais valores, considerando-se o resultado da relação entre o potencial de somação e o potencial de ação.

MATERIAL E MÉTODO

Avaliamos retrospectivamente as fichas clínicas dos pacientes que realizaram o exame de eletrococleografia transtimpânica no Centro de Diagnóstico Otorrinolaringológico de Florianópolis-SC no período de dezembro de 2000 a abril de 2002. Selecionamos 22 pacientes (22 orelhas) com diagnóstico clínico provável de Doença de Menière segundo os critérios da AAO-HNS descritos em literatura2. Os dados pesquisados foram: idade, sexo, média dos limiares da audiometria tonal nas freqüências de 500, 1000, 2000 e 3000 Hz (PTA) na orelha examinada pela eletrococleografia, a relação PS/PA nos traçados utilizando-se clicks alternados, a latência da onda 1 com uso de clicks alternados, condensados e rarefeitos e a diferença entre as latências com uso de clicks condensados e rarefeitos.

Todos os exames de eletrococleografia foram realizados pelo autor utilizando eletrodo tipo agulha como ativo, introduzido através do tímpano previamente anestesiado com fenol a 89% e eletrodos tipo disco na fronte e região mastóidea ipsilateral como referência e terra respectivamente. Os estímulos utilizados foram clicks de polaridade alternada, condensada e rarefeita, de taxa de 11/s, duração de 100 ms, somatória de 1000 traçados e intensidade de 120 dBSPL. Consideramos o valor da relação PS/PA maior ou igual a 0,339 como indicativo de hidropsia endolinfática e utilizamos este parâmetro para separar os pacientes em dois grupos e comparar os resultados dos dados avaliados entre os mesmos.

RESULTADOS

Avaliamos 22 pacientes, 16 do sexo feminino e 6 do masculino, onde encontramos 8 (36,4%) pacientes com relação PS/PA maior ou igual a 0,33, definido como grupo 1 e 14 (63,6%) com relação PS/PA menor que 0,33, definido como grupo 2. Tal relação variou de 0,11 a 0,78. A idade média no grupo 1 foi de 46,4 anos e no grupo 2 de 44,4 anos.

As medidas das latências com uso de clicks alternados, rarefeitos e condensados, a diferença entre as latências com uso de clicks condensados e rarefeitos e o PTA com seus respectivos desvios padrão dentro dos dois grupos são apresentados na Tabela 1.

A distribuição dos pacientes em relação ao grau de perda auditiva é apresentada no Gráfico 1.

DISCUSSÃO

Os pacientes avaliados apresentaram características semelhantes a de outros estudos. Houve predomínio do sexo feminino e a idade média na faixa dos 44 a 46 anos, assim como no estudo de Levine (1998)3. Já Celestino (1991)11 e Green (1991)12 encontraram idade média de 48 anos: Logo nossa casuística foi representativa com relação a idade e sexo.


Tabela 1. Resultados dos exames audiométricos e latências da onda I de acordo com a relação PS/PA.




Gráfico 1. Distribuição dos Pacientes em Relação ao Grau de Perda Auditiva. PTA: média aritmética das freqüências 500, 1000, 2000 e 3000 Hz


Ao considerarmos a relação PS/PA, obtivemos 36,4% pacientes com valores maiores ou iguais a 0,33, indicando hidropsia endolinfática. A taxa de pacientes com alteração de PS/PA é variável na literatura. Ferrraro (1985)13 encontrou 36 pacientes com alteração dentre 110 com diagnóstico clínico de Doença de Menière (DM) enquanto Goin obteve 62% em seu estudo14. Conlon (2000)1, utilizando o critério de alteração como PS/PA maior ou igual a 0,50, encontrou 30% de pacientes com alteração. Discute-se que a positividade da eletrococleografia no diagnóstico da DM em relação a PS/PA seria maior em estágios iniciais da doença ou na iminência de uma "crise" o que justificaria a diferença nos valores encontrados dentre os autores uma vez que os pacientes não seriam homogêneos nos diversos estudos3. Levine (1998) encontrou maior número de indivíduos com alteração de PS/PA quando havia história de DM de 7 a 12 meses em comparação com os com história mais longa da afecção3.

Sabe-se que a hidropsia endolinfática leva a uma distensão da membrana basilar, alterando a mecânica da transmissão sonora na orelha interna, sendo uma das explicações para a alteração na amplitude dos potenciais de somação e ação à eletrococleografia. Da mesma forma, por haver distensão da membrana basilar, a transmissão da onda sonora viajante com o uso de clicks condensados e rarefeitos ocorreria de maneira distinta, resultando numa diferença de latência da onda I em resposta aos mesmos4. Sass4, 6 e Johansson5 utilizaram clicks condensados e rarefeitos e compararam os resultados entre pacientes com DM e com outras afecções cocleovestibulares ou normais e encontraram aumento na latência da onda I com o uso de click condensado e diferença nos valores da latência da onda I com uso de clicks condensados e rarefeitos no grupo de pacientes com DM em relação aos demais. Levine, em seu estudo, definiu a diferença entre tais latências maior ou a igual a 0,30 ms como indicativa de hidropsia endolinfática10. Em nosso estudo, utilizamos o click condensado e alternado, mas comparamos os resultados entre pacientes com diagnóstico clínico de DM, porém separando os mesmos de acordo com o resultado da relação PS/PA, considerando que quando a mesma fosse maior ou igual a 0,33 sugeriria a presença de hidropsia endolinfática de forma significativa, com a presença das alterações na posição da membrana basilar e na transmissão da onda sonora discutidas acima. Assim poderíamos avaliar se os valores da latência da onda 1 com estímulos diferentes iriam refletir as alterações mecânicas do ducto endolinfático e se os mesmos poderiam ser utilizados como mais um parâmetro no diagnóstico de hidropsia endolinfática. Encontramos que a média da latência da onda I com uso de click condensado foi maior que a da latência com uso de click rarefeito entre os grupos estudados, porém de forma não significativa, ao contrário dos outros autores citados, porém nossa amostra foi pequena. Da mesma forma, a diferença entre tais latências esteve presente no grupo 1 (PS/PA > = 0,33), porém de forma não significativa, sendo menor que o valor de 0,30 ms estabelecido por Levine10, mas próximo ao de 0,23 mms encontrado por Saas5, e mais uma vez acreditamos que o tamanho da amostra teve influência nos resultados. Este valor pode parecer paradoxal uma vez que as latências não apresentaram diferença significativa, porém estas últimas são médias e em alguns pacientes os valores das latências com clicks rarefeitos foram maiores que com clicks condensados, o que refletiu no cálculo da diferença entre os mesmos que considerou o valor absoluto.

Sass, considerando o valor da referida diferença de latências, obteve aumento da sensibilidade da eletrococleografia para o diagnóstico de DM de 83 para 87%, mantendo a especificidade de quase 100%, porém tal dado isoladamente teve 37% de sensibilidade apenas. No entanto, em casos onde houvesse dificuldade na obtenção da relação PS/PA, este dado auxiliaria no diagnóstico, uma vez que sua especificidade é alta4.

Durante a realização dos exames, o acréscimo de traçados utilizando clicks condensados e rarefeitos, além do uso dos clicks alternados, não provocou aumento importante no tempo de exame, sendo de fácil realização e, como discutido, pode trazer dados a mais que possam vir a aumentar a sensibilidade da eletrococleografia na DM.

CONCLUSÕES

Nos pacientes do grupo 1 os valores da latência da onda I com clicks condensados e a diferença entre as latências com clicks condensados e rarefeitos foi maior que os do grupo 2, porém não foi significativo neste estudo. A avaliação destes parâmetros merece mais estudos para o estabelecimento definitivo de sua importância na prática clínica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Conlon BJ, Gibson WPR. Electrocochleography in the Diagnosis of Meniere's Disease. Acta Otolaryngol 2000; 120(4): 480-3.
2. Committee on Hearing and Equilibrium Guidelines for the Diagnosis and Evaluation of Therapy in Menière's Disease. Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 113(3): 181-5.
3. Levine S, Margolis RH, Daly KA. Use of Electrocochleography in the Diagnosis of Meniere's Disease. Laryngoscope 1998; 108(7):993-1000.
4. Sass K, Densert B, Magnusson M, Whitaker S. Electrocochleographic Signal Analysis: Condensation and Rarefaction Click Stimulation Contributes to Diagnosis in Menière's Disorder. Audiology 1998; 37(4):198-206.
5. Johansson RK, Haapaniemi JJ, Laurikainen EA. Transtympanic Electrocochleography in Evaluation of Cochleovestibular Disorders. Acta Otolaryngol (Stockh) 1997; suppl 529:63-5.
6. Sass K, Densert B, Arlinger S. Recording Techniques for Transtympanic Electrocochleography in Clinical Practice. Acta Otolaryngol (Stockh) 1998; 118(1):17-25.
7. Sakashita T, Kubo T, Kusuki M, Kyunai K, Ueno K, Hikawa C et al. Patterns of Change in Growth Function of Distortion Product Otoacoustic Emissions in Meniere's Disease. Acta Otolaryngol (Stockh) 1998; Suppl 538: 70-7.
8. Kusuki M, Sakashita T, Kubo T, Kyunai K, Ueno K, Hikawa C, et al. Changes in Distortion Product Otoacoustic Emissions from ears with Meniere's Disease. Acta Otolaryngol (Stockh) 1998; Suppl 538:78-89.
9. Gibson WPR, Prasher DK, Kilkenny GPG. Diagnostic Significance of Transtympanic Electrocochleography in Menière's Disease. Ann Otol Rhinol Laryngol 1983; 92:155-9.
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11. Celestino D, Ralli G. Incidence of Meniere's Disease in Italy. Am J Otol 1991; 12(2):135-8.
12. Green JJ, Blum DJ, Harner SG. Longitudinal Follow Up Patients with Meniere's Disease. Otolaryngol Head Neck Surg 1991; 104(6): 783-8.
13. Ferraro JA, Arenberg IK, Hassanein RS. Electrocochleography and Symptons of Inner Ear Dysfunction. Arch Otolaryngol 1985; 111(2):71-4.
14. Goin DW, Staller SJ, Asher DL, Mischke RE. Summating Potential in Meniere's Disease. Laryngoscope 1982; 92(12): 1383-9.




1 Médico Otorrinolaringologista do Hospital Governador Celso Ramos, Ex-Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
2 Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
3 Pós-Graduando (mestrado) da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Médico Otorrinolaringologista do Hospital Governador Celso Ramos.
4 Pós-Graduando (mestrado) da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis-SC.
Trabalho realizado no Centro de Diagnóstico Otorrinolaringológico, Florianópolis-SC.
Endereço para correspondência: Cláudio M. Y. Ikino - Av. Jornalista Rubens de Arruda Ramos, 2560
Centro Florianópolis SC - 88015-700
Tel/fax (0xx48) 224.1111- E-mail: claudioikino@hotmail.com
Artigo recebido em 16 de agosto de 2002. Artigo aceito em 19 de setembro de 2002.

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