Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (13º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 861 a 868

 

Correlação entre a morfologia craniofacial e doença da orelha média em adultos

Correlation between craniofacial morphology and mliddle ear diseases in adults

Autor(es): Renata Cantisani Lei Francesco 1,
Perboyre Lacerda Sampaio 2,
Ricardo Ferreira Bento 3

Palavras-chave: disfonia, prega vocal, nódulo vocal

Keywords: dysphonia, vocal fold, vocal nodule

Resumo:
A face de cada um de nós apresenta características únicas. As crianças apresentam proporções faciais distintas dos adultos. A otite média é mais freqüente na infância e o que se atribui à posição mais horizontal da tuba auditiva, em relação à base do crânio. Seu desenvolvimento é influenciado pelo crescimento craniofacial. Portanto, deve haver relação entre as otites em adultos com as características morfológicas da face. Objetivo: O objetivo deste estudo foi correlacionar as otites com a morfologia e tipologia craniofacial e determinar um traçado cefalométrico como fator prognóstico. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e métodos: Foram selecionados 2 grupos de pacientes entre 18 e 40, sendo 32 com otites e 34 sem, que constituiu o grupo controle. Os indivíduos não apresentavam nenhum dos fatores de exclusão a seguir: história pessoal ou familiar de fissura palatina, cirurgia bucal, maxilar, faríngea, nasal ou facial prévias, tratamento ortodôntico ou processos obstrutivos do óstio da tuba auditiva. Os pacientes foram submetidos a exame otorrinolaringológico, videotoscopia, fibronasofaringoscopia e telerradiografia de perfil. As telerradiografias foram analisadas através de traçado cefalométrico. Resultados: Observou-se diferenças das grandezas cefalométricas no grupo de indivíduos com otites, referentes à base do crânio, projeção da maxila e altura facial. Não houve predomínio de um tipo facial em especial. Conclusão: Dessa forma, o seguinte traçado apresenta valor preditivo para a evolução das doenças da orelha média N-S (comprimento da base do crânio anterior), N-S.Ba (ângulo entre as bases anterior e média do crânio, PMax (profundidade maxilar) e N-ENA (altura facial anterior superior).

Abstract:
There are thousand types of faces. The face proportions, in children, are distinct of adult ones. Diseases of middle ear are more frequent in children. The type of cranial base and the displacement of the maxilla during craniofacial growth influence the growth of the auditory tube. So, there should be a correlation between craniofacial morphology and otitis media. Aim: The aim of this study are to correlate facial types and cephalometric measurement morphology to otitis media and suggest which measurements can be used as a prediction of the evolution of otitis media. Study design: Clinical prospective. Material and Methods: We studied 64 patients, 18 to 40 years old, from Department of Otolaryngology of the University of São Paulo Medical School. They were divided into two groups: 32 with otitis media and 34 controls. We excluded patients with personal or familiar history of cleft palate, previous bucal, maxillar, pharyngeal, facial or nasal surgery, orthodontic treatment or obstructive process of the auditory tube ostia. All subjects underwent to complete ENT physical examination, videotoscopy, fibernasalendoscopy and lateral cephalograms. Results: Statistical analysis of the cephalometric measurements showed significant differences of cranial base; projection of maxilla and facial height, in patients with otitis media when compared to the control group or to the ideal measures of the harmonic face. There was no predominance of any facial type. Conclusion: The following measures were found to be predictive of the evolution of otitis media: N-S (anterior cranial base), N-S.Ba (angle between anterior and medial cranial base), PMax (projection of the maxilla) and N-ANS (superior anterior facial height).

INTRODUÇÃO

Todos os dias deparamo-nos com as faces de milhares de pessoas, e reconhecemos cada uma em função de suas diferentes características. Há faces ovais, triangulares e redondas. Cada tipo é único, conseqüência de combinações entre diferentes mandíbulas, órbitas, boca, maxilas, etc.1.

Hipócrates, em seu sexto livro sobre estados epidêmicos, descreve: "Entre os indivíduos cujas cabeças são alongadas, alguns têm pescoços largos e membros fortes, outros têm palato bastante arqueado, dentes dispostos de forma irregular, um sobre o outro e são freqüentemente acometidos por dores de cabeça e otorréia"2.

Politzer, desde 1862, já sugeria que o mau funcionamento da tuba auditiva parecia ser o fator mais importante na gênese de doenças infecciosas da orelha média3.

Sabe-se que as otites médias são mais freqüentes na infância 4 e sua incidência diminui com a maturidade. A disfunção da tuba auditiva é mais comum nesta faixa etária, em função de sua posição mais horizontal, em relação à base do crânio. É durante o processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial que a tuba auditiva adquire sua posição, mais vertical, característica do adulto4, 5, 6.

Em 1925, Pautow7 sugere que pode haver relação entre o formato da cabeça e a anatomia da tuba auditiva. Indivíduos com malformações faciais tais como fenda palatina, síndromes de Pierre-Robin, Crouzon e Down apresentam maior incidência de infecções da orelha média, em decorrência de alterações morfológicas da região craniobasal e relações dismórficas com a tuba auditiva8.

A cefalometria é uma técnica que possibilita a avaliação dento-crânio-facial através de radiografias frontal e lateral da cabeça, tomadas dentro de um padrão constante, através de grandezas lineares e angulares. Bastante utilizada em ortodontia, transcendeu os limites desta especialidade, tornando-se uma técnica complementar para o diagnóstico da arquitetura esquelética da face. A análise cefalométrica permite visualizar as variações de posição do complexo maxilar e mandíbula e ainda as relações com outras estruturas adjacentes.

É bastante comum, em nossa prática clínica, observarmos pacientes que apresentam otites na idade adulta, seja a efusão da orelha média ou otites médias supurativas. Muitas vezes, estes pacientes foram submetidos a timpanoplastias sem sucesso, mesmo tendo sido tratados de fatores que habitualmente levam à disfunção tubária, como obstrução nasal, alergias, obstrução do óstio faríngeo da tuba auditiva obstruído ao nível da nasofaringe, mas outros nunca os tiveram.

Se o desenvolvimento da tuba auditiva está relacionado ao crescimento craniofacial, é provável que sua anatomia e sua fisiologia guarde relações com a estrutura da face e do crânio em indivíduos adultos. Conhecendo-se esta correlação poder-se-ia compreender melhor o motivo de insucesso, em alguns casos, tanto do tratamento clínico quanto cirúrgico de doenças infecciosas da orelha média, cujo bom resultado teria relação com função tubária adequada. Dessa forma, temos como objetivo:

1. Pesquisar a correlação entre as doenças da orelha média, influenciadas pela disfunção da tuba auditiva, com a morfologia (medidas cefalométricas) e tipologia craniofacial

2. Determinar quais as grandezas cefalométricas mais importantes e sugerir um traçado cefalométrico com valor preditivo para as doenças da orelha média influenciadas pela disfunção da tuba auditiva.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O grupo estudado constituiu-se de 32 pacientes, voluntários, de 18 a 40 anos, atendidos na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade (20 homens e 12 mulheres). Os indivíduos apresentavam doenças da orelha média ou seqüelas, como: otite média serosa (OMS), otites média crônica simples (OMC Simples) ou otite média crônica supurativa (OMC Supurativa). Foram consideradas seqüelas retração e espessamento de membrana timpânica e placas de timpanosclerose. Todos os indivíduos apresentavam doença bilateral.

Treze pacientes apresentavam história pregressa ou atual de obstrução nasal ou alterações de exame físico nasal, como rinite alérgica controlada, 6, desvio septal, 4 e por hipertrofia de cornetos, 3.

Foram excluídos os indivíduos que apresentavam: história pessoal ou familiar de fissura palatina; história de cirurgia bucal, maxilar, faríngea, nasal ou facial prévias; processos obstrutivos dos óstios faríngeos das tubas auditivas à nasofibrofaringoscopia; otite média crônica colesteatomatosa ou que tenham sido submetidos a tratamento ortodôntico.

O grupo controle constitui-se de 34 pacientes, voluntários, (16 homens e 18 mulheres) atendidos na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade que não apresentavam doenças da orelha média e não preencheram os critérios de exclusão. Dentre estes, 13 referiam queixa de obstrução nasal por rinite alérgica, 7; desvio septal, 4; e hipertrofia de cornetos, 3.

Todos os indivíduos foram submetidos a anamnese e exame otorrinolaringológico completo. Os pacientes foram submetidos a telescopia de orelha com, aparelho Hopkins Optics de 4mm, uso otológico e a fibronasofaringoscopia com aparelho de endoscopia flexível Machida ENT de 3,2 mm, com fonte de luz+alógena de 250 Watts. O exame foi realizado sob anestesia tópica leve das fossas nasais com estovaína ou tetracaína 4% com solução de 0,5% de fenilefrina. O aparelho foi introduzido por uma das fossas, ao longo do corneto inferior ou meato médio, até a visualização da nasofaringe com atenção aos óstios da tubas auditivas que deveriam estar desobstruídos.

Tanto a telescopia de ouvido quanto a nasofibrofaringoscopia foram gravadas em fitas de videocassete VHS.

Cefalometria

Os indivíduos foram submetidos à telerradiografia em posição de perfil. As radiografias foram realizadas em aparelho de Raio X, marca "Dentoramix", com variação de 30 a 100mA e de 0 a 120 kV; regulado para 100mA, 90 kV e tempo de exposição de 0,30 segundos (30 mA).

Para padronização do exame radiográfico de perfil foi utilizado cefalostato, adaptado a uma distância fixa, entre a área focal do aparelho de raios X e o plano sagital mediano dos pacientes, da ordem de 1,52 m. Ao cefalostato adaptou-se a película de raio X, paralelo ao plano sagital mediano (para a norma lateral) aproximado ao máximo da cabeça do paciente, permitindo maior contato com o filme, pressionado de encontro ao suporte da oliva esquerda do cefalostato, de forma a produzir ampliação de imagem não superior a 4% em relação ao plano sagital mediano. O paciente foi posicionado no cefalostato de forma a ter seu plano sagital mediano perpendicular aos raios X centrais do aparelho, e seu plano de Frankfurt paralelo ao solo.

Os exames foram processados em filme radiográfico Kodak®, de tamanho 24x30 cm, através do método automático.

Análise cefalométrica

O traçado cefalográfico foi realizado utilizando-se papel ultraphan com lapiseira com grafite H13 0,5mm, desenhando-se o contorno de crânio e outras estruturas anatômicas.

Identificamos pontos de referência cefalométricos localizados nas radiografias. Estes pontos serviram como guia para a determinação de linhas e planos.

Optou-se por realizar a análise cefalométrica à mão, apesar de haver vários softwares para a sua realização. Estes programas avaliam medições padronizadas de cada análise descrita em particular, o que dificulta a realização de associação de medidas realizadas por vários autores, como foi utilizado neste trabalho.

Para análise cefalométrica foram utilizadas medidas lineares e angulares (Figura 1).

Determinação do tipofacial11

O tipo facial é determinado através das grandezas EF, PF, PM, AFAI e AM. Definido-se o índice VERT (média aritmética da diferença entre as medidas supracitadas, obtidas na análise cefalométrica do paciente, e os valores considerados ideais para a face harmônica, divididos pelo desvio padrão). O valor obtido é comparado à tabela, definido-se, assim, o eixo facial.

O valor obtido é comparado à tabela, definido-se, assim, o eixo facial (Tabela 1).

A metodologia deste trabalho foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Todos os pacientes participaram de forma voluntária. Foram informados sobre os procedimentos a serem realizados e assinaram Termo de Consentimento Informado.



Figura 1. Traçado cefalométrico


Medidas lineares para análise em norma lateral (Figura 1):

1. N-S: comprimento da fossa anterior base do crânio anterior

2. S-Ba: comprimento da fossa medial da base do crânio

3. Go-Me: comprimento do corpo mandibular

4. N-Me altura facial anterior

5. Plano de Frankfurt: linha que passa pelos pontos Po e Or (plano de referência)

6. ENA-ENP: comprimento do palato ósseo

Medidas Angulares:

7. S-N.Go-Me: ângulo entre a base do crânio anterior e a mandíbula

8. ENA-ENP.Po-Or: relação do plano palatino com plano de Frankfurt

9. Plano Mandibular - PM (Go-Me.Po-Or): Medido pelo ângulo formado pelo plano mandibular Go-Me e o plano de Frankfurt.

10. Eixo facial - EF (Ângulo formado pela linha Ba-N, com a linha Pt-Gn): dá a Direção do crescimento do mento e exprime a proporção da altura facial).

11. Altura Facial Anterior Inferior-AFAZ: ENA-Xi.Pm: Ângulo formado através da espinha nasal até o ponto Xi, e deste até o ponto Pm

12. Arco Mandibular (AM): Ângulo formado pelo eixo do corpo da mandíbula (Xi-Pm, pelo seu prolongamento e eixo do côndilo Xi-Dc.

13. Profundidade Facial - PF: Ângulo formado pelo plano de Frankfurt (Po-Or) e o placo facial (Na-Pog). Localiza o mento horizontalmente na face.

14. Cone Facial (Go-Me.Gn-N): convexidade da face

15. N-S.Ba: ângulo entre bases anterior e média do crânio

16. Profundidade maxilar- PMax: ângulo entre os planos de Frankfurt e o N-A

17. Po-Or. Ba-N: deflexão craniana

Análise Estatística

A comparação entre os grupos foi realizada a partir de testes paramétricos e não paramétricos, considerando-se os dados e a variabilidade das medidas efetuadas.

Foram utilizados os seguintes métodos estatísticos12:

o Para comparar o grupo de indivíduos com doença da orelha média e controles e com o valor considerado ideal para a face harmônica: Teste "t" de student;


Tabela 1. Comparação de valores para o tipo facial



Tabela 2. Freqüência da obstrução nasal

Nota: Qui-quadrado: 0.04
Valor de P: 0.84


Tabela 3. Comparação das Medidas cefalométricas

NOTA: C/S: teste comparando o grupo com doença da orelha média com o grupo sem.
C/N: teste comparando o grupo com doença da o valor normal da literatura
*valores normais segundo JARABAK (1965)15
** valores normais segundo RICKETTS (1982)25


o Para a associação entre duas variáveis: Teste do Qui-quadrado (de Pearson);

o Em toda a análise estatística adotamos um nível de significância, de p< 0,05.

RESULTADOS

Estudaram-se 66 pacientes, com idade entre 18 e 40 anos. Dentre eles, 32 apresentavam doença da orelha média com média de 26,69 anos (desvio padrão de 7.94 anos) e 34 não (grupo controle), com média de 27,74 anos (desvio padrão de 5.81 anos). De acordo com o sexo, havia 36 homens e 30 mulheres, distribuídos em ambos os grupos, sem diferença estatística. Houve um predomínio de indivíduos da raça branca. Dentre os pacientes com doença da orelha média houve 24 brancos, 2 pardos e 6 negros e, entre os sem doença, 28; 2 e 4, respectivamente.

A. PRESENÇA DE OBSTRUÇÃO NASAL

Analisando-se a incidência da obstrução nos grupos, estudados, observamos um valor de Qui-quadrado = 0.04 e iam valor de P = 0,084, mostrando que não há influência da obstrução nasal nas amostras (Tabela 2).

B. RESULTADOS DAS MEDIDAS CEFALOMÊTRICAS

As medidas cefalométricas foram comparadas entre os dois grupos e algumas mediadas foram comparadas entre o grupo de indivíduos com doença da orelha média e os valores normais descritos na literatura. Os resultados podem ser analisados na Tabela 3.

C. TIPO FACIAL

Não houve relação entre o tipo facial e a doença da orelha média (Tabela 4).

DISCUSSÃO

O exame físico otorrinolaringológico começa pela face, e nela estão a maior parte das estruturas que tratamos nesta especialidade. Conhecer o tipo e as características craniofaciais de cada um, assim como seu desenvolvimento e crescimento, favorece o entendimento de muitas das anomalias ou variações desta região, contribuindo para a melhor compreensão da ocorrência e fisiopatologia de suas doenças.

Optamos por limitar a amostra entre 18 e 40 anos, uma vez que o crescimento craniofacial está estabilizado aos 17 e 18 anos, em ambos os sexos1. Não se encontram diferenças importante em relação às medidas em ambos os sexos13, 14.

Estudamos pacientes com otites médias secretoras e crônicas, exceto as colesteatomatosas que podem não ter sua etiologia associada a disfunção da tuba auditiva15.

Obstrução nasal

A análise da incidência da obstrução nasal nos grupos estudados mostrou que não há associação entre a obstrução nasal e a doença da orelha média nesta amostra. Sabe-se que a respiração bucal traz alterações de conformação da face. Entretanto, as principais conseqüências ocorrem no desenvolvimento de seu terço inferior, como retrognatia, mordida cruzada ou aberta, ângulo goníaco obtuso16, e como veremos a seguir, são diferentes das encontradas neste trabalho. Sugere-se, dessa forma, que a obstrução nasal faz parte dos fatores etiopatogênicos da disfunção tubária. Estes participam do processo de obstrução do óstio faríngeo da tuba auditiva, como a hipertrofia da tonsila faríngea e os processos alérgicos da mucosa nasal, mas aparentemente não são os responsáveis pela deformidade da tuba auditiva durante seu crescimento.

Poucos autores estudaram a morfologia craniofacial em relação às doenças infecciosas da orelha média de forma sistemática. A análise cefalométrica utilizada em nossa amostra foi baseada na localização anatômica da tuba auditiva, sendo importantes as medidas referentes à base do crânio e à maxila, assim como aquelas determinantes do tipo facial. As medidas consideradas normais da literatura são definidas em indivíduos americanos, mas de acordo com os estudos de CERCI17 não há diferenças ao compará-las às de indivíduos brasileiros, quando se trata da base do crânio e maxila.


Tabela 4. associação entre o tipo facial e a doença infecciosa da orelha média.

NOTA: Qui-quadrado = 9.40
Grau de liberdade = 5
Valor de p= 0.094




Figura 2. Comparação de traçados cefalométricos
A- indivíduo com doença da orelha média
B- indivíduo sem doença da orelha média


Medidas referentes à base do crânio

Para análise da base do crânio, foram utilizadas as medidas N-S, S-Ba; N-S.Ba e Ba-Na.Po-Or.

Observamos que medida linear N-S, que representa a fossa anterior da base o crânio, apresentou-se menor no grupo de indivíduos com doença da orelha média em relação ao grupo controle, entretanto esta diferença não é estatisticamente significante, provavelmente pelo tamanho reduzido desta amostra. Ao compararmos nossos valores de média e desvio-padrão do grupo com doença da orelha média ao valor referido na literatura como ideal para uma face proporcional e harmoniosa11 observamos que os indivíduos com doença da orelha média apresentam uma média menor, estatisticamente significativa. Estes dados estão de acordo com Jonas et al.18 kemaloglu et al.6, 8,e e Mann et al.4, em análises cefalométricas de crianças com disfunção da tuba, encontraram uma menor dimensão da fossa anterior da base do crânio; Worley et al.7 e Stolovitzky; Todd19 encontraram maior incidência de alterações de membrana timpânica em indivíduos braquicefálicos, os de base anterior do crânio mais curta.

Analisando-se a medida S-Ba, referente à fossa medial da base do crânio, observamos que indivíduos com doença da orelha média apresentam uma média menor em relação ao grupo controle, porém sem diferença estatística.

A medida N-S.Ba, que representa o ângulo entre as fossas anterior e medial da base do crânio, foi estatisticamente menor na amostra com doença da orelha média em relação ao grupo controle. Estes dados corroboram os achados de Vidal20 que encontram associação entre timpanogramas alterados e ângulo do clivo reduzido.

A porção óssea da tuba auditiva localiza-se no osso temporal na sutura perro-escamosa que apresenta íntima relação com os ossos esfenoidal e occipital21. A sincondrose esfeno-occipital é uma das mais importantes no crescimento da base do crânio1. A alteração de seu crescimento pode resultar tanto na redução da dimensão da fossa medial da base do crânio, assim como do ângulo desta em relação à fossa anterior, resultando em alterações da conformação da parte óssea da tuba auditiva e o que poderia influenciar na sua função.

A medida Ba-Na.Po-Or (inclinação da base do crânio em relação ao plano de Frankfurt) não apresentou diferença estatística em relação ao controle, mas sim em relação ao valor normal na população. Podemos notar que as medidas para indivíduos com e sem doença da orelha média é muito semelhante e ambos apresentam diferença estatística com as medidas referidas na literatura11. Esta deve ser uma característica da nossa população que está de acordo com outros dados que serão mostrados a seguir. Esta medida angular não nos fornece as dimensões da base crânio, e sim o ângulo que se forma com o plano de referência de Frankfurt. Isso nos mostra que não há diferenças na direção do crescimento mas sim nas dimensões e na relação entre as bases anterior e posterior.

Medidas referentes à maxila

O comprimento ântero-posterior da maxila, representado pela medida ENA-ENP não apresentou diferença estatística significante entre os grupos estudados, não havendo portanto, diferença no tamanho do palato/ maxila. Este parâmetro não foi utilizado por outros autores.

Considerando-se as grandezas angulares, podemos observar que a comparação da medida ENA-ENP.Po-Or (plano palatino em relação do plano -de Frankfurt) entre as amostras não mostrou diferença estatística, nem mesmo em relação aos dados da literatura. Esta medida relaciona-se à profundidade do palato duro e a tendência de má oclusão dentária, como mordida aberta. O palato em ogiva associa-se com a obstrução nasal e respiração bucal, pois a expansão da cavidade nasal e descida do palato dependem da função nasal1. Não foi encontrada influência da obstrução nasal nas amostras, e isto, aparentemente, não influi na configuração da tuba.

Analisando-se a grandeza cefalométrica, P-Max, profundidade maxilar, mostrou-se menor no grupo de indivíduos com doença da orelha média que no grupo controle, entretanto não foi encontrada diferença estatística significante. A grande variação das medidas em nossa casuística, resultando em grande desvio padrão necessita um número amostral muito maior, o que não dispúnhamos neste estudo. Ao compararmos os valores de indivíduos- com doença da orelha média com os valores ideais da população11, obtém-se um valor de p<0,5, demonstrando-se, assim, que o grupo estudado apresenta uma menor projeção da maxila em relação à população. A menor projeção da maxila contribui para uni hipodesenvolvimento do comprimento e/ou diferente ângulo da tuba auditiva, podendo contribuir para sua disfunção, uma vez que é a projeção da maxila ântero-inferior da maxila que contribui para a sua posição mais vertical no adulto4, 6, 8.

A posição da tuba auditiva e seus músculos em relação à maxila é a explicação para a disfunção da tuba durante a infância4, 5. A menor projeção da maxila pode estar relacionada, ainda, com alterações da inserção da musculatura da tuba auditiva, ângulo de inserção da musculatura tubária pode alterar seu vetor de tração, interferindo na abertura ativa da tuba auditiva. Este é um dos motivos para a disfunção da tuba na infância4, 5.

Observamos a partir dos achados acima citados que a disfunção de tuba auditiva está relacionada à posição relativa da maxila em relação à base do crânio (Figura 3).



Figura 3: Crescimento da maxila e redirecionamento da tuba auditiva


Medidas referentes à mandíbula

As medidas lineares da mandíbula não revelaram diferença de tamanho do corpo. Quanto às medidas angulares, observou-se que em relação ao ideal da face harmônica, há diferenças para as medidas Plano Mandibular, Profundidade facial e Go-Me.Po-Or, sendo maiores em ambos os grupos estudados. Tais achados devem ser uma característica da população estudada.

Medidas referentes à altura facial

Analisando-se as medidas lineares referentes à altura facial, pudemos observar neste estudo que N-Me (altura facial total) é menor no grupo com disfunção da tuba auditiva que no grupo controle. A medida N-ENA referente a altura do terço médio da face também mostrou-se menor no grupo de indivíduos com doença da orelha média. A maxila apresenta uma projeção no sentido ântero-inferior1 e, deste modo, uma vez que observamos uma menor projeção da maxila, seria esperada uma menor altura do terço médio, assim, podemos esperar que um menor crescimento no sentido vertical do terço médio influencie a função da tuba auditiva e, portanto, correlacione-se a uma maior incidência de otites médias.

Outras medidas

O Eixo Facial (EF) representa a direção do crescimento. Ao se analisar as medidas craniofaciais em relação ao crescimento deve-se considerar sua direção da face como um todo e não apenas de estruturas isoladas. Em nosso estudo, observou-se que não há diferença em relação ao Eixo Facial. Os indivíduos com doença da orelha média não devem apresentar um crescimento alterado, mas talvez um crescimento incompleto, o que leva a persistência de algumas características infantis (determinantes de maior propensão à disfunção) na tuba auditiva do adulto. Maw22 sugere que as alterações da morfologia craniofacial em crianças com otite serosa seriam decorrentes de um crescimento craniofacial retardado.

Tipos Faciais

Na análise da freqüência dos tipos faciais, pudemos observar que houve um predomínio dos tipos dolicofaciais. O índice VERT utiliza medidas referentes principalmente em relação à mandíbula11. Observou-se, deste modo, que este achado deve estar relacionado às características da população estudada, e está de acordo com os achados de Atherino24 que, analisando medidas cefalométricas em crânios secos de indivíduos brasileiros, população semelhante à casuística deste trabalho, encontra um predomínio de indivíduos dolicocefálicos que seriam indivíduos de base do crânio longa e estreita e que apresentam face alongada, portanto dolicofaciais.

Comparando os achados cefalométricos e a incidência de otites entre as raças, observamos que os nativos da América do Norte, que têm características braquicefálicas23, são os que apresentam maior incidência de otites25, 26 em relação a indivíduos da raça branca.

Há diferenças na base do crânio nos diferentes grupos étnicos, principalmente quanto a um maior ângulo entre as bases anterior e média no crânio entre os negros14, e uma maior protrusão da maxila11, que podem estar relacionados aos achados de Griffith (1979)28, de menor incidência de otites em negros. As diferentes incidências de otites entre estas raças não estão relacionadas aos fatores ambientais e nível sócio-econômico-social29.

Sabe-se que indivíduos com fissura palatina apresentam com maior freqüência doenças da orelha média. Nestes indivíduos, são descritas anomalias da base do crânio que provavelmente influenciam a abertura da tuba auditiva Apresentam um ângulo N-S.Ba reduzido em crianças com fissura palatina, assim como uma menor projeção da maxila, associadas a anomalias no curso e inserção da musculatura paratubária em indivíduos com fissura palatina30.

A análise dos dados obtidos neste trabalho mostrou-nos que há semelhanças entre os achados em relação à base do crânio e à maxila com os fissurados. Talvez haja associação entre microalterações morfológicas e/ou do crescimento craniofacial relacionadas à fissura palatina em indivíduos com maior propensão à otites que ainda não foram estudados. Todd26, estudando a incidência de otites em índios apaches, encontra 20% de indivíduos com microforma de úvula bífida, porcentagem superior à descrita entre os brancos americanos. Desse modo, ele conclui que os apaches poderiam apresentar variações anatômicas da tuba auditiva, determinadas, geneticamente, que poderiam estar associadas à microformas de fissura palatina.

Assim pode-se estabelecer que há, de fato, uma relação entre a morfologia craniofacial e uma maior tendência a otites.

Os dados desta pesquisas nos mostram uma relação entre a morfologia craniofacial e as doenças da orelha média.

Sabemos da dificuldade de se estabelecerem medidas preditivas quanto ao prognóstico das doenças da orelha média. As técnicas disponíveis para avaliar a função da tuba auditiva são ainda consideradas insuficientes para a predição individual de cada caso de otite média, secretora ou crônica31.

Dessa forma, sugerimos o estudo cefalométrico na avaliação da evolução das doenças da orelha média, assim como na prevenção de distúrbios do crescimento craniofacial que possam contribuir para a disfunção da tuba auditiva.

CONCLUSÕES

O grupo de indivíduos com doenças da orelha média, influenciada pela disfunção da tuba auditiva, apresentou diferenças da morfologia craniofacial como:

o fossa anterior da base do crânio mais curta;

o menor ângulo entre as fossas anterior e medial da base do crânio;

o menor projeção anterior da maxila;

o menor altura facial superior anterior;

o menor altura facial total.

Não foi observado tipo facial predominante.

As grandezas cefalométricas que podem ter um valor preditivo para doenças da orelha média influenciadas pela disfunção da tuba auditiva são:

o N-S (medida da base anterior do crânio)

o N-S.Ba (ângulo entre a base anterior e média do crânio)

o PMax (profundidade maxilar)

o N-Me (altura facial)

o N-ENA (altura facial superior)

Desse modo, propõe-se o seguinte traçado cefalométrico (Figura 4).



Figura 4. Traçado cefalométrico proposto para avaliação preditiva da evolução da doença


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1 Médica Assistente Doutora da Divisão de Otorrinolaringologia da FMUSP.
2 Médico Assistente Doutor da Divisão de Otorrinolaringologia da FMUSP, Chefe do Grupo de Cirurgia da Face.
3 Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP
Trabalho premiado com Menção Honrosa no II Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, Goiânia, GO, 2001.
Pesquisa de Tese de Doutorado, defendida na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 28 de março de 2001.
Endereço para correspondência: Rua Guarará 529 cj. 121 São Paulo SP 01425-001
E-mail: difran@attglobal.net
Artigo recebido em 19 de agosto de 2002. Artigo aceito em 05 de setembro de 2002.

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