Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (12º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 851 a 858

 

Emissões acústicas e potenciais auditivos evocados do tronco cerebral: estudo em recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos

Otoacoustic emissions and ABR: study in hyperbilimbinemics newborns

Autor(es): Francisco Sales de Almeida 1,
Paulo Roberto Pialarissi 2,
Afonso Celso Monte Alegre 3,
José Vitor da Silva 4

Palavras-chave: icterícia neonatal/ lesão do tronco cerebral, icterícia neonatal/ surdez, icterícia/ emissões otoacústicas, icterícia/ potenciais auditivos do tronco cerebral

Keywords: jaundice/ brainstem injury, jaundice/ deafness, jaundice/ otoacoustic emissions, jaundice/ brainstem audiometry

Resumo:
A bilirrubina, quando em elevadas concentrações séricas, provocando icterícia, pode comprometer o sistema nervoso central e o periférico e, até mesmo, impregnar-se neles. Objetivo: O objetivo do presente estudo é avaliar o sistema auditivo do recém-nascido a termo, ictérico e adequado para idade gestacional, enfatizando, também, identificar as alterações nas funções da cóclea e do tronco cerebral e comparar as afecções encontradas no sistema auditivo com a concentração sérica de bilirrubina. Adotam-se procedimentos eletrofisiológicos para avaliar o sistema auditivo, através da captação das otoemissões acústicas e das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: São avaliados 32 recém-nascidos ictéricos, que apresentam concentração sérica de bilirrubina maior que 10 miligramas por decilitro ou no pico de sua concentração, e reavaliados na época de sua normalização. Resultado: As variáveis, que representam a captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, as amplitudes das ondas I e V, as latências interpicos III-V e I-V e a latência da onda V, apresentam diferenças estatisticamente significativas, na avaliação e reavaliação. As variáveis, que representam a captação das otoemissões acústicas, na forma transiente na freqüência de 3 kiloHertz, e na forma produto de distorção nas freqüências de 4, 6 e 8 kiloHertz, também encontram diferenças estatisticamente significativas. Nos recém-nascidos que não apresentaram "kernicterus", o comprometimento do sistema auditivo foi transitório. A hiperbilirrubinemia compromete a cóclea e o tronco cerebral com alterações significativas, encontradas na otoemissão acústica e na audiometria de tronco cerebral. A elevação da concentração sérica de bilirrubina, segundo o estudo correlacionai linear, altera as respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, o que não ocorre com as otoemissões acústicas.

Abstract:
Bilirubin, when in high serum concentrations, causing jaundice, may impair the peripheric and central nervous system and also adhere to it. Aim: The objective of this study is to evaluate the hearing system of the icteric newborn, at term, adequate for his/her gestational age, also specially to identify `the alterations in the cochlea functions, brainstem and to compare the disorders found in the hearing system with serum concentration of bilirubin. Electrophysiologic procedures to evaluate the hearing system by receiving otoacoustic emissions and brainstem auditory evoked responses were adopted. Study design: Clinical prospective. Material and method: Thirty-two icteric newborns, presenting serum concentrations of bilirubin higher than 10 milligrams per deciliter or at the peak of its concentration, were evaluated and reevaluated at the time of its normalization. Result: The variables representing the receiving of brainstem auditory evoked responses, amplitude of waves I and V, interpeak latencies III-V and I-V and wave latency V, presented statistical significant differences in the evaluation and reevaluation. The variables representing the receiving of otoacoustic emissions in the transient form, at the frequency of 3 kilohertz and in the form distortion product in the frequencies 4, 6 and 8 kilohertz also presented significant statistical differences. Hyperbilirubinemia impairs the cochlea and the brainstem with significam alterations found in the otoacoustic emissions and in audiometry of the brainstem. An increase in the serum concentrations of bilirubin, according to a linear correlational study, alters the brainstem auditory evoked responses, which does not occur in otoacoustic emissions.

INTRODUÇÃO

O sistema auditivo humano oferece-nos a capacidade de nos relacionarmos com o meio ambiente. Para que este evento ocorra, são necessários: condução sonora, recepção sensorial, transmissão neural, mecanismo cortical temporal de discriminação e processos associativos centrais.

O sistema auditivo, formado por elementos anatômicos, tais como ligamentos, tendões, músculos, ossículos, células sensoriais e neurônios, pode sofrer interferência na função, acarretando alteração em alguma estrutura do processo da audição.

Uma causa comum e que compromete a audição do recém-nascido é a hiperbilirrubinemia. Esta afecção também é muito comum no berçário e manifesta-se clinicamente por icterícia. Esta tem como complicação séria o "kernicterus", que pode resultarem seqüelas de desenvolvimentos, seqüelas neurológicas e até o óbito1, 2, e além de poder também apresentar a surdez3, 4. Os primeiros casos de "kernicterus" são descritos em recém-nascidos a termo e com incompatibilidade do fator Rhesus (Rh) em 1945, por Docter5.

A hiperbilirrubinemia pode produzir efeito tóxico sobre os núcleos da base do encéfalo, assim como nas vias auditivas centrais, e acarretar surdez6.

Alguns autores ressaltam a importância do diagnóstico precoce da deficiência auditiva. A hiperbilirrubinemia produz afecção na orelha interna e no sistema nervoso central. Com a terapia adequada: fototerapia e/ou exsanguinitransfusão, a icterícia tende a apresentar boa resposta, havendo diminuição da concentração sérica da bilirrubina e restabelecimento da normalidade daqueles órgãos7.

É importante a avaliação eletrofisiológica das vias auditivas e a dosagem da concentração sérica da bilirrubina nos recém-nascidos. Este estudo deve ser realizado mesmo em baixas concentrações de bilirrubina, pois, mesmo nestas condições, são encontradas alterações que se confirmam nas avaliações seqüenciais. A perda auditiva é dano pertinente a hiperbilirrubinemia e é muito comum, sendo freqüentemente o único sinal clínico permanente do "kernicterus"3, 8.

A bilirrubina, substância produzida pelo metabolismo da hemoglobina, encontra-se na circulação, em condições fisiológicas e sem afetar, na maioria das vezes, o sistema auditivo. Em algumas condições, esta substância encontra-se em elevado nível sérico, às vezes maior que 10 mg/dl. O "Joint Commitee on Infant Hearing"9, em 1994, cita que a hiperbilirrubinemia, nos níveis que requeiram a exsanguinitransfusão, é fator de risco, devendo o recém-nascido ser avaliado.

A realização de controle periódico é importante para detecção da repercussão da toxicidade da bilirrubina na orelha interna e vias auditivas10, 11.

Uma vez a bilirrubina penetrando na barreira hematoencefálica pode produzir lesões no sistema nervoso central, o "kernicterus", e acometer também os nervos periféricos. Esta afecção apresenta como principal seqüela o comprometimento da audição, podendo afetar as seguintes regiões anatômicas: cóclea, tronco cerebral e córtex cerebral. Esta alteração da audição pode ser temporária ou permanente. Em recém-nascido ictérico pode ocorrer o depósito de bilirrubina em diferentes órgãos do organismo, e em especial no tronco cerebral, no cerebelo e no córtex5, 12.

A hiperbilirrubinemia se expressa clinicamente na icterícia. A classificação da icterícia, por zonas e seus níveis de bilirrubina, segue as zonas de Kramer. Na zona I, há comprometimento da face e do pescoço, com nível de bilirrubina entre 1 e 3 mg/dl. Na zona II há comprometimento do tórax até nível do umbigo, com nível de bilirrubina entre 3 e 6 mg/dl. Na zona III há comprometimento dos membros superiores até o cotovelo, e membros inferiores até o joelho, com nível de bilirrubina de 6 a 9 mg/dl. Na zona IV há comprometimento dos membros superiores até o punho, nos inferiores até o tornozelo, com nível de bilirrubina de 9 a 12 mg/dl. Na zona V há comprometimento dos pés e mãos, e dosagem com níveis maiores que 12 mg/dl12.

Estimulada com energia sonora a cóclea, há desenvolvimento de uma onda, que se propaga pelos líquidos labirínticos, movimentando a membrana basilar e provocando um deslocamento das células ciliadas externas (CCEs) em direção à membrana tectória. Estas duas membranas apresentam fases diferentes, promovendo alterações iônicas e ocorrendo a despolarização das CCEs. Há um movimento ativo alterando o comprimento das CCEs, o qual amplifica também o movimento da membrana basilar, por esta estar acoplada àquelas. Componentes desse movimento poderiam participar na formação das otoemissões acústicas. As CCEs constituem-se em um amplificador coclear, controlando a sensitividade da cóclea13, 14, 15.

A bilirrubina indireta é uma substância tóxica para células In vitro" e "in vivo", pelo menos em crianças a termo e sem nenhum fator de risco16.

As anormalidades auditivas, como diminuição da audição para altas freqüências, lesando a cóclea e o tronco cerebral, incidem em 33%. No pico da icterícia fisiológica, 90/o dos bebês recém-nascidos saudáveis sofrem de severa hiperbilirrubinemia com nível de 15 mg/dl, enquanto os prematuros com baixo peso ao nascimento, se saudáveis, têm uma alta incidência de icterícia neonatal, com valor da bilirrubina maior que 15 mg/dl, em aproximadamente 28% deles17.

Hiperbilirrubinemia é uma das mais importantes causas que acometem o recém-nascido, por atravessar a barreira hematoencefálica18.

O efeito da hiperbilirrubinemia na excitabilidade neuronal é transitório conforme estudo "in vivo", "in vitro" e em recém-nascidos19, 20. Em trabalhos realizados em porcos, não é observado o aumento da enolase, a qual é enzima glicolítica e marcadora de lesão neuronal21.

A captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral (ABR) pode ser usado para avaliação da via auditiva em qualquer idade. Quanto mais novo o recém-nascido, maiores serão as latências das ondas. A latência da onda I decresce até a décima semana e a latência da onda V, até dois anos de idade22.

Nakamura4 et al., em 1985, encontram a presença de todas as formas de ondas nos seis bebês ictéricos estudados, após terapia apropriada, observando apenas um atraso no tempo de condução na latência interpico I-V, correspondendo a uma reversão incompleta.

Tan23, et al., em 1992, estudam 30 recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos, com dosagem maior que 15 mg/dl e 30 recém-nascidos como grupo controle, e realizam o ABR. Todos foram submetidos à fototerapia a cada 24 horas. A dosagem de bilirrubina em períodos de 6 e 12 teve até 11 mg/dl. Os valores do ABR são estatisticamente significantes nos recém-nascidos com hiperbilirrubinemia submetidos à fototerapia, em comparação com o grupo controle para a latência da onda V e latências interpicos III-V e I-V. A melhora no ABR continuou até equiparar-se com o grupo controle, porém aqueles autores não conseguem determinar o nível crítico de bilirrubina que alterasse as respostas auditivas evocadas do tronco cerebral.

Em um estudo longitudinal, onde o nível de bilirrubina indireta era maior do que 22 mg/dl, inicialmente, e após a exsanguinitransfusão, ficou em menos do que 15 mg/dl, comprova-se o retorno à normalidade dos traçados do ABR10.

O tempo de condução do estímulo até o tronco cerebral encontra-se aumentado em recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos. Em níveis de bilirrubina acima de 28 mg/dl, toda resposta auditiva evocada do tronco cerebral se encontra anormal. Quando esta substância está em níveis de 24 mg/dl a 28 mg/dl, encontram-se 55% de anormalidades no ABR24.

As alterações encontradas mais comuns no ABR, e em recém-nascidos com nível de bilirrubina maior que 15 mg/dl, são limiar elevado da onda V, falta de todas as ondas a 90 dBNA, latência prolongada de várias ondas e permanência das alterações no ABR25.

Em vista do exposto anteriormente, elaboramos a seguinte pergunta de investigação: Em que medida e em que sentido a hiperbilirrubinemia afeta o sistema auditivo de recém-nascidos avaliados por meio da captação das otoemissões acústicas e das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral?

Aventamos a seguinte hipótese para este estudo: existe uma relação entre a hiperbilirrubinemia do recém-nascido e à afecção do sistema auditivo detectada por meio da captação das otoemissões acústicas e das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral.

O objetivo geral é: Estudar o sistema auditivo, até o nível do tronco cerebral, em recém-nascidos ictéricos a termo e adequados para idade gestacional.

Os objetivos específicos deste estudo são:

1. Determinar as alterações da função da cóclea em recém-nascidos ictéricos a termo e adequados para a idade gestacional, através da captação das otoemissões acústicas.

2. Determinar as alterações da função do tronco cerebral em recém-nascidos ictéricos a termo e adequados para a idade gestacional, através da captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral.

3. Comparar os níveis séricos de bilirrubina com as alterações detectadas no sistema auditivo.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O delineamento foi descritivo-exploratório, correlacional e longitudinal. A unidade da amostra foi o indivíduo e o tamanho da mesma foi de 64 recém-nascidos (RN). Destes, 32 constituíram o grupo controle (GC) e 32 o grupo ictérico (GI). Dos pertencentes ao grupo ictérico, 21 eram do sexo masculino e 11 do sexo feminino. Trinta e um recém-nascidos eram de cor branca e um de cor negra. As atividades foram realizadas em 14 hospitais, dos quais cinco universitários, situados em 12 cidades localizadas nos Estados de Minas Gerais e de São Paulo. Os exames foram realizados em uma sala do berçário dos hospitais públicos ou privados e em ambiente com baixo nível de ruído.

Os recém-nascidos do GC foram avaliados a partir do terceiro dia de vida e os mesmos foram incluídos, desde que apresentassem concentração sérica de bilirrubina menor que 10 mg/dl. No GI, o sistema auditivo foi avaliado quando a concentração sérica da bilirrubina encontrava-se com nível mais elevado, e que passamos a denominar de grupo ictérico inicial (GII). Este grupo foi reavaliado quando a concentração sérica de bilirrubina se normalizou e constituiu o grupo ictérico final (GIF). Todos os recém-nascidos estavam livres de quaisquer outras doenças, exceto hiperbilirrubinemia, e obedeceram aos critérios de inclusão e exclusão.

Em todos recém-nascidos do estudo foram realizadas as mesmas avaliações da função auditiva. Independentemente do grupo a que pertenciam, os recém-nascidos se submeteram à avaliação do sistema auditivo e o número de indivíduos de cada grupo foi assim constituído: 1- Grupo piloto (GP), 12 recém-nascidos, 2- Grupo controle (GC), 32 recém-nascidos, 3- Grupo ictérico (GI), 32 recém-nascidos que se submeteram a um estudo longitudinal: Grupo ictérico inicial (GII), avaliado entre primeiro e o vigésimo quarto dia do nascimento, Grupo ictérico (GIF), avaliado entre o décimo sexto e septuagésimo terceiro dia do nascimento.

As avaliações dos recém-nascidos dos GP, GC e GII foram realizadas uma dez entre o período de nascimento até o vigésimo quarto dia. O GIF foi constituído pelos mesmos recém-nascidos do GII e avaliados, quando normalizados os níveis séricos de bilirrubinas. Dois recém-nascidos do GI foram excluídos do estudo por não apresentarem os resultados completos.

Todos os dados obtidos, incluindo a anamnese, o exame físico, os exames laboratoriais e os resultados dos testes de avaliação auditiva que foram aplicados a todos os recém-nascidos fizeram parte de uma Ficha de Avaliação (FA).

A avaliação da função auditiva, com ênfase nas células ciliadas externas e no tronco cerebral, ocorreu através da realização dos exames de otoemissão acústica e ABR. Para que este estudo pudesse concretizar-se foram avaliadas também as orelhas externas e médias, através da meatoscopia com otoscopia e da imitanciometria, respectivamente.

O presente trabalho foi realizado com equipamentos próprios que a seguir são apresentados, incluído as técnicas utilizadas e as análises respectivas: para avaliação das otoemissões acústicas foi de marca "Celesta 503-Cochlear Emissions Analyser" (Versão 3.xx), fabricado pela Madsen Eletronics Norway. Este exame e os demais foram realizados pelo mesmo profissional. Foram realizados dois tipos de estudos: a otoemissão acústica transiente (OEAT) e a otoemissão acústica produto de distorção (OEAPD). Este equipamento foi acoplado a um microcomputador portátil, de marca Extensa, 166 MHz e 16 "MegaByte" de memória de acesso aleatório (MB RAM), para arquivamento e posterior impressão.

Na OEAT foram usados os seguintes parâmetros: período de supressão do estímulo: 3,00 ms; Duração do estímulo: 80 ps; Modo de aquisição: não-linear; Polaridade do estímulo: condensado; Nível do estímulo: 80 dB dBNPS; estímulos programados: 3000.

Na OEAPD foram usados os seguintes parâmetros: f2/f1: 1,22; fo: freqüência específica do estudo; f1: primeira freqüência primária e menor que a freqüência específica; f2: segunda freqüência primária e maior que a freqüência específica; 2f1-f2: menor que Fl; Intensidade sonora: 70 dBNPS; Total de estímulos: 3000.

Foram estudadas na OEAT as respostas totais (T) e as respostas nas regiões das freqüências de 1, 2 e 3 kHz expressas em energia acústica total. Estas foram agrupadas juntamente com o valor absoluto da reprodutibilidade para análise subseqüente.

Foram estudadas na OEAPD as regiões das freqüências de 0,75, 1, 2, 3, 4, 6 e 8 kHz. Ao término do exame, foram gravadas as respostas obtidas referentes a cada freqüência, para posterior impressão.

O aparelho utilizado para avaliação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral foi o audiômetro portátil "GSI 55 ABR Screener", fabricado pela "Welch Allyn Company". O aparelho tem quatro eletrodos de contato, sendo um de referência, um neutro e um para cada lóbulo auricular. Os exames foram realizados pelo mesmo profissional anteriormente citado.

Os parâmetros para obtenção dos registros foram: a) Estímulo e captação monoaurais; b) Polaridade: alternante; c) Número de estímulos igual a 1024; d) Tempo de análise: 12. ms; e) Intensidade sonora de 70 dBNA; f) Filtro situado entre 150 a 2000 Hz; g) O estímulo usado foi "Click" de 100 lis de duração; h) Divisão por escala igual a 100 s; i) Usaram-se eletrodos de contato.

Foram estudadas as latências das ondas I, III e V. Definimos a latência como sendo o intervalo entre o início do estímulo até o aparecimento da onda correspondente. Os intervalos interpicos I-III, I-V e III-V são as diferenças de tempo entre o aparecimento de uma onda e a outra. As amplitudes das ondas I, III e V são distâncias entre a maior deflexão positiva de cada uma, com a maior deflexão negativa posterior a ela. A medida das latências das ondas e dos intervalos interpicos foi obtida em milissegundos. As amplitudes das ondas foram medidas em nanoVolt (nV).

Os valores de referência, para as variáveis intervalos interpicos, amplitudes das ondas e latências das ondas, previamente estabelecidos como normais foram obtidos do grupo controle.

Os valores da bilirrubina total foram assim estabelecidos como parâmetros e em mg/dl (Burtis; Ashwood, 1998):

1. dosagem no cordão umbilical: menor que 2 mg/dl;
2. 0 ao 111 dia: 2,0 a 6,0 mg/dl;
3. 14 ao 2° dia: 6,0 a 10 mg/dl;
4. 3q ao 53 dia: 1,5 a 12 mg/dl;
5: adulto: 0,3 a 1,2 mg/dl. q

Os valores apresentados são utilizados para orientação e desta bilirrubina total, o maior percentual é constituído de bilirrubina indireta, a qual é livre para circulação12.

Os estudos desta pesquisa estão de acordo com a Resolução 196/96, que trata de pesquisa com seres humanos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

As variáveis foram representadas por média, desvio padrão (d.p.) e mediana. Foram aplicados os seguintes testes estatísticos: o "t de Student" e a correlação linear de Pearson (r). Adotou-se o nível de significância de 0,05 (a, = 5%). Níveis descritivos (P) inferiores a esse valor foram considerados estatisticamente significantes.

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados em forma de figuras. Os valores encontrados na Ficha de Avaliação de cada recém-nascido foram analisados com relação aos GC, GII e GIF.

O nível de significância das medidas do exame do ABR, apresentado na Figura 1, representa as seguintes variáveis: as latências das ondas I, III e V; os intervalos interpicos I-III, I-V e III-V as amplitudes das ondas I, III e V; nos recém-nascidos dos grupos ictérico inicial e ictérico final e a correspondente comparação entre estes grupos.

Encontramos diferenças estatisticamente significativas para as variáveis a latência da onda V, as latências interpicos I-V e III-V e as amplitudes das ondas I e V.

Os resultados das otoemissões acústicas transientes, para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final, são apresentados na Figura 2.

Encontramos diferenças estatisticamente significativas na freqüência de 3 quiloHertz.

Os resultados das otoemissões acústicas produto de distorção para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final serão apresentados na Figura 3.

Encontramos diferenças estatisticamente significativas nas freqüências de 4, 6 e 8 quiloHertz.

O coeficiente de correlação linear e o nível de significância entre a dosagem do nível de bilirrubina total e as medidas do exame ABR (as latências das ondas I, III e V, os intervalos interpicos I-III, I-V e III-V e as amplitudes das ondas I, III e V), no grupo ictérico inicial, são apresentados na Figura 4.

Encontramos diferenças estatisticamente significativas para as variáveis a latência da onda V, as latências interpicos I-V e III-V e as amplitudes das ondas I e V.

Não encontramos diferenças estatisticamente significativas para as otoemissões acústicas no estudo correlacional.

DISCUSSÃO

O processamento da informação acústica se equipara ao do adulto, por volta dos dois anos e seis meses, enquanto que a onda V, está em processo de maturação até os dois anos de idade22. A latência da onda I diminui progressivamente até a terceira semana. O comprometimento do sistema auditivo tem uma relação direta com a concentração sérica da bilirrubina indireta26.



Figura 1. Resultados das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final, quando aplicado o "t Student" para mostras relacionadas.



Figura 2. Resultados das otoemissões acústicas transientes, para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final, quando aplicado o "t Student" para amostras relacionadas.



Figura 3. Resultados das otoemissões acústicas produto de distorção, para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final, quando aplicado o "t Student" para amostras relacionadas.



Figura 4. Respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final, quando aplicado o coeficiente de correlação linear de Pearson.


A importância deste estudo destaca-se pela possibilidade de haver muitas seqüelas, em decorrência da hiperbilirrubinemia em recém-nascidos8, 18, 27. Destacamos, também, a importância deste estudo, porque a hiperbilirrubinemia está presente como um fator de risco da deficiência auditiva, como relatado pelo "Joint Committee on Infant Hearing", da "Academy of Pediatrics"9 em 1994.

A deficiência auditiva pode ocorrer pelo efeito tóxico da bilirrubina sobre a cóclea e sobre os núcleos da base do encéfalo6, 10, 11.

Por este motivo, analisaremos em separado os efeitos da hiperbilirrubinemia sobre a função coclear, através da captação das otoemissões acústicas, e sobre a função dos núcleos auditivos da base do encéfalo, através da captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral.

FUNÇÃO AUDITIVA DOS NÚCLEOS DO TRONCO CEREBRAL

Desde os primeiros casos de "kernicterus" apresentados por Docter5, em 1945, são descritas as seqüelas de desenvolvimentos neurológicos e até o óbito. Outros estudos1, 2, 6 mostram que a deficiência auditiva é muito comum em recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos. Em nosso trabalho encontramos ausência de traçado ao ABR, em dois recém-nascidos, no período da reavaliação, um na intensidade de 70 dBNA e outro em 55 dBNA.

As variáveis dependentes analisadas através do ABR, tais como a latência da onda V, o intervalo interpico III-V, o intervalo interpico I-V e as amplitudes das ondas I e V, quando comparados os GII e GIF, apresentaram diferenças estatisticamente significativas.

As amplitudes das ondas I e V apresentaram diferenças estatísticas significativas quando comparados os GII e GIF. O estudo correlacional foi negativo e apresentou resultado estatisticamente significativo6, 21, 28.

A latência da onda V, e seu desvio padrão, para o grupo ictérico inicial e o grupo ictérico final, foi de 6,72 ± 0,28 e 6,24 ± 0,32 ms e com significância estatística. Encontramos uma correlação positiva para as alterações no ABR com o nível sérico de bilirrubina26.

Os valores encontrados por Rodrigues Fernández et al.11 em diferentes doenças, em um total de 40 crianças, são 6,55 ± 0,43 e 6,63 ± 0,43 para orelha direita e esquerda respectivamente, e são valores menores que os obtidos neste estudo, que foram de 6,72 ± 0,28 ms.

Alguns estudos têm mostrado que as latências das ondas no ABR diminuem com o processo de maturação após o nascimento, apresentando uma correlação negativa22.

Alterações significativas no ABR, dos intervalos interpicos III-V e I-V, são encontradas nos estudos de Tan et al.23 em 1992, em recém-nascidos com dosagens séricas de bilirrubina maiores que 15 mg/dl.

Encontramos diferenças estatisticamente significativas no grupo ictérico para os intervalos interpicos I-V e III-V e correlação linear positiva6, 10, 24.

Foi constatada uma correlação significativa entre os valores existentes na latência da onda V, nos intervalos interpicos III-V e I-V e nas amplitudes das ondas I e V, com o nível de concentração sérica de bilirrubina. Estes resultados foram confirmados quando fizemos um corte no valor da concentração sérica de bilirrubina em 18 mg/ dl, constituindo dois subgrupos, e todos os resultados já citados anteriormente mantiveram-se estatisticamente significativos, ratificando os achados anteriores. Não fizemos corte em outros valores das concentrações séricas de bilirrubina além do citado, portanto não sabemos qual seria a mínima concentração sérica de bilirrubina que ainda manteria uma correlação estatisticamente significativa.

A correlação entre o nível sérico de bilirrubina com a latência da onda V ou com os intervalos interpicos III-V e IV é positiva. O aumento das alterações das respostas auditivas, variáveis dependentes, ocorre com o aumento da concentração sérica de bilirrubina, variável independente. As amplitudes das ondas I e V, variáveis dependentes, apresentam correlações negativas, pois o aumento da bilirrubina sérica diminui as amplitudes das ondas.

Quando os recém-nascidos apresentam altas taxas de bilirrubina sérica, apresentam também muitas alterações no ABR e, após o tratamento, com a diminuição desta substância, ocorre uma conseqüente normalização dos traçados no ABR23. O inverso acontece, segundo estudo de Funato26 et al. em 1994, em 37 recém-nascidos, os quais evidenciam uma correlação positiva das alterações das anormalidades do ABR, com o aumento da concentração sérica de bilirrubina.

Conforme resultados com significância estatística para os intervalos interpicos I-V, III-V, e para a amplitude da onda V, comprovam-se o envolvimento e o comprometimento do tronco cerebral3, 6, 17.

Detectamos uma melhora significativa do traçado do ABR nos recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos, após sua normalização; ratificada com a avaliação do grupo ictérico final6, 9, 24.

Estudos de Tan23 et al., em 1992, também não conseguem detectar o valor crítico de bilirrubina que produza alteração no ABR.

FUNÇÃO COCLEAR

Na hiperbilirrubinemia, de acordo com Chisin; Sohmer3, a função coclear, avaliada através da captação das otoemissões acústicas, encontra-se alterada, observando-se a ausência de respostas. Segundo Anand; Gupta17 e Funato26 et al., o comprometimento coclear incide em 33% dos recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos, acarretando o prolongamento de latência da onda 1 e diminuição de sua amplitude, donde se deduz que a hiperbilirrubinemia comprometeria a cóclea.

O comprometimento coclear, com seletividade para células ciliadas externas, foi evidenciado através da OEAT e da OEAPD, porém o estudo correlacional não foi estatisticamente significativo.

Na análise dos resultados das otoemissões acústicas, para os grupos ictérico inicial e ictérico final, encontramos diferenças estatisticamente significativas na forma transiente na freqüência de 3 kHz. Na forma produto de distorção, encontramos diferenças estatisticamente significativas nas freqüências de 4, 6 e 8 kHz.

Não evidenciamos uma correlação das respostas obtidas nas otoemissões acústicas com a concentração sérica de bilirrubina.

Não existem relatos na literatura consultada de estudos de otoemissões acústicas com hiperbilirrubinemia. Com base nos estudos até então existentes, não conseguíamos obter as freqüências de, forma satisfatória, através dos exames da eletrococleografia, da audiometria comportamental e da resposta auditiva evocada do tronco cerebral, quando aplicados aos recém-nascidos. A captação das otoemissões acústicas veio preencher esse vazio, reportando-nos ao funcionamento da cóclea e apresentando também suas respostas nas freqüências estudadas. O ABR não analisa as freqüências altas, normalmente as maiores que 4 kHz. O "click" não é um estímulo específico; geralmente ele estimula a cóclea, principalmente, nas freqüências entre 2 a 4 kHz.

O comprometimento das freqüências altas captadas através das otoemissões acústicas vem de encontro a este estudo, corroborando os achados de Anand; Gupta17 em 1993, que relatam os mesmos comprometimentos auditivos nos recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos.

Observamos apenas um RN do grupo de estudo, que apresentou cocleopatia em caráter definitivo, confirmada pela otoemissão acústica.

A avaliação do sistema auditivo em recém-nascidos de alto risco, especificamente em hiperbilirrubinêmicos, é de suma importância13, 14, 15.

As energias obtidas nas respectivas regiões das freqüências através das otoemissões acústicas no grupo ictérico inicial foram menores que as obtidas no grupo ictérico final.

Não encontramos diferenças estatísticas significativas nos coeficientes de correlação linear entre a dosagem de bilirrubina e as respostas obtidas através da captação das otoemissões acústicas.

CONCLUSÕES

Em conseqüência do efeito da hiperbilirrubinemia no sistema auditivo, são as seguintes as conclusões fundamentadas na diferença dos resultados dos grupos ictéricos inicial e final quanto a:

Função coclear - Houve, nos recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos, comprometimento nítido da função coclear, o qual foi verificado:

1. Nas alterações encontradas na captação das OEAT, na região da freqüência de 3 kHz.

2. Nas alterações encontradas na captação das OEAPD, nas regiões das freqüências de 4, 6 e 8 kHz.

Função auditiva do tronco cerebral - Houve, nos recém-nascidos hiperbilirrubinêmicos, comprometimento nítido da função auditiva do tronco cerebral, o qual foi verificado:

3. Nas alterações encontradas no tronco cerebral, avaliadas através da captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, observando-se prolongamento das latências das ondas V.

4. Nas alterações encontradas no tronco cerebral, avaliadas através da captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, observando-se aumento dos intervalos interpicos III-V e I-V.

5. Nas alterações encontradas no tronco cerebral, avaliadas através da captação das respostas auditivas evocadas do tronco cerebral, observando-se diminuição das amplitudes das ondas I e V.

Níveis séricos de bilirrubina

6. Há uma correlação positiva da concentração sérica da bilirrubina com a afecção no sistema auditivo no ABR para as variáveis: latência da onda V e intervalos interpicos I-V e III-V.

7. Há uma correlação negativa da concentração sérica da bilirrubina com a afecção no sistema auditivo, no ABR, no que se refere às amplitudes das ondas I e V.

8. Não há uma correlação da concentração sérica da bilirrubina com a afecção no sistema auditivo, nas otoemissões acústicas, no que se refere ao estudo das freqüências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Professor Doutor da Faculdade de Medicina de Itajubá.
2 Professor Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
3 Professor Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4 Professor Mestre de Metodologia Científica da Escola de Enfermagem de Itajubá.
Publicação parcial da tese apresentada à Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no ano de 2000, para obtenção do título de Doutor em Medicina.
Trabalho realizado no Hospital Odontomed de Itajubá e mais 13 Hospitais do Sul de Minas Gerais e do Vale do Paraíba no estado de São Paulo.
Endereço para correspondência: Hospital Odontomed - Rua Major Belo Lisboa, n° 88
Centro Itajubá-MG 37500-000
Tel/Fax (0xx35) 3621-2000 - E-mail: Fsalesdr@sulminas.com.br
Artigo recebido em 31 de agosto de 2001. Artigo aceito em 05 de setembro de 2002.

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