Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (10º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 834 a 837

 

Injeção de substancia esclerosante na base da língua: modelo experimental para tratamento da SAOS

Injection of esclerosant substance on tongue base: experimental model for OSAS treatment

Autor(es): Rony P. Lopes 1,
Luciano G. Gomes 1,
Danielle Ramos 1,
Maria Célia Jamur 2,
José A. A. Oliveira 3,
Denílson S. Fomin 4

Palavras-chave: SAOS, base da língua, injeção, substância esclerosante

Keywords: OSAS, tongue base, injection, esclerosant substance

Resumo:
A síndrome da apnéia obstrutiva do sono é um problema de ordem médico-social com importantes comorbidades. Tem como proposta de tratamento a desobstrução das vias aéreas que colapsam causando a parada respiratória. A terapêutica empregada varia desde o uso do CPAP até cirurgias nasais, palatais e de base de língua conforme o sítio obstrutivo, demonstrando bons resultados proporcionalmente à avaliação prévia do sítio obstrutivo. Forma de Estudo: Experimental. Objetivo: Avaliar alterações histológicas na base da língua de suínos após o uso de substância esclerosante ethamolin®. Material e método: Foi injetado ethamolin® na base da língua de suínos, que foram divididos em três grupos: um animal controle não injetado; dois animais injetados na base da língua que foram sacrificados em sessenta horas; cinco animais injetados na base da língua sacrificados em cinco semanas. Todos os suínos foram injetados no mesmo dia. Foi retirada a língua desses animais e preparados cortes para avaliar histologicamente o colágeno. Resultados: Ocorreu fibrose tecidual com aumento do colágeno nos locais injetados com ethamolin após sessenta horas, mostrando-se mais evidente em cinco semanas. Discussão: O uso de ethamolin provocou reação fibrótica na base da língua dos animais tratados constatado pelo aumento do colágeno nesse local, fato este que poderá ajudar na terapia da SAOS, uma vez que a fibrose induz redução tecidual. Conclusão: Concluímos nesse estudo que ocorreu formação de fibrose tecidual, com aumento do colágeno na base da língua dos suínos pelo uso da etanolamina (ethamolin®), em relação ao animal controle.

Abstract:
The obstructive sleep apnea syndrome is a medical and social problem with important comorbidities. It has being treated by desobstruction of the airway that collapse causing breathing stop. The treatment varies since using CPAP until nasal, palatal and tongue base surgeries demonstrating good results proportionally to the previous sites evaluation. Study design: Experimental. Aim: Evaluate histological changes on pigs tongue base after injection of ethamolin® in that site. Material and Method: It has injected ethamolin® in pigs tongue base wich were divided in three groups: a control pig not injected; two pigs that were injected in tongue base and sacrified in sixty hours; five pigs that were injected in tongue base and sacrified in five weeks. All of them were injected in the same day. The animals had their tongues took of and slices were prepared for histological analysis. Results: Increase of collagen occured in the sites injected with ethamolin® after sixty hours and was showed more evident in five weeks. Discussion: Use of ethamolin® induced fibrotic reaction in the treated animals tongue base comproved by the increase of the collagen in this site, a fact that can help on treatment of OSAS because fibrosis leads to tissue reduction. Conclusion: We have concluded in this study that occurred tissue fibrosis formation with collagen increase in pig tongue base by using etanolamina (ethamolin®).

INTRODUÇÃO

O ronco e a síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) são problemas de ordem médico-social associados a comorbidades importantes como a hipertensão arterial sistêmica, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral1-5. Associado a essas alterações, os indivíduos que sofrem de apnéia do sono têm sua qualidade de vida prejudicada pela sonolência diurna que pode ser de graus variados, dependendo da gravidade da doença.

A incidência da SAOS varia de 40% a 60% de acordo com o autor, sendo duas vezes mais prevalente no sexo masculino que no feminino1-6.

Várias formas de tratamento são utilizadas, demonstrando altos índices de resolução dessa doença proporcionalmente à avaliação precisa do sítio obstrutivo1-10. Um dos fatores importantes para o sucesso no tratamento da SAOS é o diagnóstico topográfico da obstrução respiratória e a precisa indicação das diversas modalidades de tratamento, seja cirúrgica ou não. O tratamento da SAOS é baseado na manutenção da patência da via aérea superior, evitando dessa forma que haja interrupção do fluxo aéreo na naso, hipo ou orofaringe, garantindo assim a saturação adequada de oxigênio no sangue. Na investigação de possíveis sítios de obstrução aérea, devemos nos atentar para os desvios do septo nasal e hipertrofia das conchas nasais, flacidez ou redundância do véu palatino, redução do espaço da oro ou hipofaringe pelas tonsilas faríngeas ou linguais aumentadas ou pelo aumento de volume da base da língua. Essas estruturas, quando hipertrofiadas, podem levar à diminuição ou até mesmo interrupção total da coluna de ar nesses locais.

Dentro das opções cirúrgicas para o tratamento da SAOS, nós encontramos técnicas realizadas com instrumental "a frio" e técnicas assistidas por instrumentais específicos, como laser de CO2, eletrocautério e radiofreqüência, que propiciaram maior segurança e conforto, tanto para o médico quanto para o paciente, quando há a necessidade de intervenção cirúrgica10-14. Todos esses procedimentos cirúrgicos têm resultados comprovados7, 9, 12, 14, trazendo melhorias na qualidade de vida desses pacientes, porém um grande inconveniente do tratamento cirúrgico da SAOS vem sendo a dor pós-operatória referida de forma importante e sistemática, sendo de menor ou de maior intensidade9. Outro importante obstáculo no tratamento dos distúrbios respiratórios do sono é ainda o custo elevado, devido ao alto grau de complexidade tecnológica apresentado pelos instrumentais envolvidos nos procedimentos cirúrgicos. O uso da substância esclerosante ethamolin® pode ser uma alternativa. O ethamolin® é um agente irritante da túnica íntima da parede vascular, estéril, utilizado na escleroterapia de varizes. Procedimento semelhante vem sendo realizado por Brietzke10, que utiliza outra substância esclerosante, o Sothradecol®, injetado no palato de pacientes com ronco. O autor refere melhora significativa do ronco em 92% dos casos pelo aumento da tensão palatal, com pouca dor intra e pós-operatória (média de 3 na escala visual de 1 a 10). Não existem ainda estudos histológicos sobre a ação de substâncias esclerosantes que expliquem as alterações observadas por Brietzke.

OBJETIVO

O objetivo desse estudo é analisar histologicamente a ação da substância esclerosante etanolamina (ethamolin®) na base da língua de suínos.

MATERIAL E MÉTODO

Optamos pela utilização de suínos devido à semelhança entre a língua desses animais e a língua humana13, principalmente na sua espessura. Os animais estavam em jejum por doze horas e foram submetidos à anestesia geral com tionembutal endovenoso após pré-medicação com ketamina intramuscular. A exposição da orofaringe foi feita por meio da fixação da mandíbula inferiormente e elevando-se o maxilar do animal, obtendo-se ampla visualização da região posterior da língua. Foi injetado 1,5 ml na base da língua dos porcos, sendo escolhidos três pontos acompanhando o "V" lingual, e injetados 0,5 ml de ethamolin (etanolamina 50mg com álcool benzílico 20mg) em cada ponto com aproximadamente 0,5 mm de profundidade. Foram utilizados oito animais, cujos pesos variaram entre 10,5 kg e 17 kg (média de 14,5 kg), sendo um controle que não foi submetido ao procedimento. Esses suínos foram injetados no mesmo dia, sendo três (incluindo o controle) sacrificados sessenta horas após o procedimento e outros cinco sacrificados cinco semanas após a injeção de ethamolin. A analgesia e a antibioticoprofilaxia foram feitas quando da realização do procedimento e durante mais dois dias após o procedimento. Foram utilizados Baytril® e Banamine® como antibiótico e analgésico, respectivamente, na dose de 0,1 ml por kg de peso. Não houve indícios de dor ou lesão epitelial na língua desses animais, que se alimentaram sem dificuldade. A alimentação foi feita por meio de ração específica para evitar o aumento muito grande do peso dos animais, que tiveram pouca variação ponderal ao final do experimento. As línguas foram retiradas e preparadas para análise histológica do local das injeções. Foi realizada fixação em formol tamponado a 10% por 72 horas. As peças foram então desidratadas em seqüência crescente de etanol, diafanizada em xilol, e incluídas em parafina. Foram então cortadas em espessura de 5 m, desparafinizadas em xilol, hidratadas em seqüência decrescente de etanol e lavadas em água destilada. A seguir, os cortes foram corados com uma solução de 0,lg de Sirius Red em 100m1 de solução de ácido pícrico saturado de pH 2.0 por vinte minutos e lavados em água corrente por cinco minutos duas vezes e uma vez em água destilada. Foi feita a contra-coloração com hematoxilina de Harris por um minuto e em seguida as lâminas foram lavadas em água corrente uma vez. Posteriormente, as lâminas foram desidratadas em seqüência crescente de etanol, diafanizados e montados em Permount (EM Sciences-Fort Washington, USA). As lâminas contendo os cortes corados com Sirius Red foram observadas e fotografadas por microscopia de luz em microscópio Olympus BX50 em campo escuro obtido por filtro polarizador.

RESULTADOS

Ao analisarmos microscopicamente as lesões provocadas pela injeção de ethamolin na base da língua dos suínos constatamos, na microscopia óptica de polarização, que a fibrose é observada por meio da compactação e espessamento das fibras de colágeno na submucosa (Figuras 3 e 4) em relação ao controle (Figuras 1 e 2). Sessenta horas após a injeção do ethamolin visualizamos um aumento na espessura da camada subepitelial secundário à fibrose, inclusive ao redor das fibras musculares. Em relação ao controle, houve aumento do colágeno verificado na submucosa e ao redor das fibras musculares nos animais que foram sacrificados com cinco semanas. Não foi observada lesão na cobertura epitelial em animais submetidos ao tratamento em relação ao controle.

DISCUSSÃO

Neste estudo observamos a compactação e espessamento das fibras de colágeno na submucosa da língua dos suínos injetados com ethamolin® em relação ao animal controle. Esse padrão de alteração sugere que pode ocorrer aumento tensional e uma redução volumétrica local, conforme Fomin (2002). Não foi observada lesão da cobertura epithelial ou área de necrose nos animais submetidos ao tratamento em relação ao controle.





Figuras 1 e 2. microscopia de polarização dos cortes dos animais controle.

(FIGURA 3, PÁG. 836)

Figura 3. microscopia de polarização dos cortes da língua dos animais submetidos a tratamento e sacrificados em sessenta horas. Sessenta horas após a injeção do ethamolin visualizamos um aumento na espessura da camada subepitelial secundário à fibrose, inclusive ao redor das fibras musculares.



Figura 4. microscopia de polarização dos cortes da língua dos animais submetidos a tratamento e sacrificados em cinco semanas. Esse aumento apresentou-se igualmente pronunciado na língua dos porcos que foram sacrificados com cinco semanas.

Legendas: SM-submucosa; Ep-epitélio; FM-feixe muscular; Seta-fibrose entre os feixes musculares (espessamento do colágeno)


Powell et al. (1997) demonstraram o uso de radiofrequência na base da língua de suínos, e a análise histológica evidenciou, três semanas após o procedimento, fibrose e processo crônico de inflamação. Courey et al. (1999) e Fomin (2000), usando radiofreqüência no palato de suínos, também evidenciaram, após cinco semanas, o processo de fibrose no palato; entretanto, apontaram uma área extensa de depósito de colágeno entre as fibras musculares, provavelmente resultante do processo crônico de inflamação. Brietzke & Mair (2001) sugeriram que a substância sotradecol seria ideal em palato de pacientes com ronco, pois após lesão local seguida de provável depósito de colágeno, que promoveria aumento de tensão palatal, porém não publicaram nenhuma análise histológica. Os autores obtiveram apenas resultados clínicos e subjetivos de melhora no ronco dos pacientes submetidos a esta técnica de escleroterapia.

Fomin (2002) demonstrou que a quantidade de colágeno no palato de pacientes submetidos a radiofreqüência ou Laser apresenta-se aumentada, principalmente o colágeno tipo I, e está estreitamente relacionada à melhora subjetiva do ronco e da sonolência diurna.

CONCLUSÃO

Concluímos nesse estudo que ocorreu a compactação e espessamento do colágeno e formação de fibrose na base da língua dos suínos pelo uso da etanolamina (ethamolin®), fato que poderá contribuir nos estudos experimentais de novas terapias não-invasivas da síndrome da apnéia obstrutiva do sono causada pela obstrução da base da língua.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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17. Fomin DS. Análise Histológica pós-operatória do colágeno no palato mole de pacientes submetidos à uvulopalatoplastia. Tese de Doutorado apresentada a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP, 2002.




1 Médico residente na área de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP.
2 Professora do Departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP.
3 Professor Titular e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP.
4 Doutor em Medicina e Mestre em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP. Assistente Doutor do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, USP.
Departamento de Otorrinolaringologia, Oftalmologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP.
Trabalho vinculado ao Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Av. Bandeirantes, 3900 Ribeirão Preto SP 14049-900
Tel (0xx16) 602-3000 - Fax (0xx16) 633-1586.
Artigo recebido em 01 de outubro de 2002. Artigo aceito em 17 de outubro de 2002.

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