Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (8º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 821 a 824
Diagnóstico de microweb de comissura anterior por videolaringoestroboscopia
Diagnosis of anterior comissure microwebs by laringovideostroboscopy
Autor(es):
Adriana da Silva Lima 1,
Domingos H. Tsuji 2,
Natasha M. A. Braga 1,
Rui Imamura 3,
Luiz Ubirajara Sennes 4
Palavras-chave: microwebs de comissura anterior, videolaringoestroboscopia
Keywords: anterior comissure microwebs, laringovideostroboscopy
Resumo:
O microweb é uma fina membrana mucosa de 2 a 3 mm de comprimento localizado na superfície infraglótica da comissura anterior da prega vocal. Devido a sua localização e seu pequeno tamanho, o microweb pode facilmente passar despercebido em exames laringoscópicos realizados na prática clínica. Objetivo: Estimar a freqüência de ocorrência do microweb nas pregas vocais de pacientes com disfonia submetidos ao exame de videolaringoestroboscopia, analisando a relação dessa lesão com o sexo, idade, além da associação com outras lesões laríngeas. Forma de Estudo: Série de casos. Casuística e Método: Foram analisados 100 exames de videolaringoestroboscopia de boa qualidade técnica realizados em pacientes com disfonia durantes os anos de 1997 a 2001. Resultados: Foi identificada a presença do microweb no exame de 12 pacientes (12%). Em todos eles, o microweb foi diagnosticado concomitantemente a outras lesões laríngeas, não ocorrendo isoladamente. As lesões associadas ao microweb foram nódulos (5 casos), cisto (3 casos), sulco (2 casos), cordite (1 caso) e neoplasia (1 caso). Não houve diferença estatisticamente significativa em relação a sexo, idade, ou lesões laríngeas concomitantes em pacientes com e sem microweb. Conclusão: O microweb é uma alteração laríngea pequena, porém, não rara, podendo ocorrer em associação com outras lesões laríngeas em pacientes disfônicos. Os pacientes com microweb não diferiram do grupo dos pacientes sem microweb quanto ao sexo, média de idade e associação com outras lesões laríngeas.
Abstract:
The microweb is a very thin mucusal membrane with 23mm located on the infraglotic surface of the anterior comissure of glottis. Because of its small size and location it is a lesion usually difficult to detect with routine clinical examination of the larynx. Aim: To estimate of microwebs in patients with dysphonia using strobovideolaryngoscopy, and to analyses its relation with sex, age and association with another vocal fold lesions. Study design: Case series. Patient and Method: We analysed 100 strobovideolaryngoscopy video records of patients with dysphonia, between 1997 and 2001. Results: The presence of microweb was detected in 12 patients (12%). The microweb was always found associated with other vocal fold lesions; it was never diagnosed alone. The laryngeal lesions most commonly associated with the microweb were: vocal nodules (5 cases), cysts (3 cases), sulci (2 cases), corditis (1 case) and cancer (1 case). No statistically significant difference in regard to sex, age or associated laryngeal lesion was found between patients with and without microwebs. Conclusion: The microweb is a small but not rare laryngeal lesion that can be associated with other lesions in patients with dysphonia. The patients with microweb did not differ from those without microweb in regard to sex, age or associated laryngeal lesion.
INTRODUÇÃO
Segundo Sataloff & Spiegel (1993), as webs ou membranas laríngeas conectam as pregas vocais e podem ser de origem congênita ou adquirida por conseqüência de um trauma. Pode ser pequena envolvendo apenas uma porção da comissura anterior, denominada microweb ou microdiafragma laríngeo, ou comprometer toda a borda livre da prega vocal e se estender além da glote para subglote e supraglote1. Ford et al. (1994), descrevem o microweb como uma fina membrana mucosa de 2 a 3mm de comprimento localizada na superfície infraglótica da comissura anterior da prega vocal2.
Devido a sua localização e seu pequeno tamanho, o microweb pode facilmente não ser identificado em exames laringoscópicos realizados na prática clínica, mesmos em centros de referência em laringologia2. Por outro lado, o microweb pode estar associado a outras lesões laríngeas, como nódulos vocais em torno de 7 a 23% dos casos2, 3, 4.
Na prática clínica, a videoestroboscopia representa incontestavelmente o método mais amplamente utilizado no estudo da vibração cordal, permitindo análise detalhada dos ciclos vibratórios, além da visibilização geral das estruturas laríngeas5, 6.
A ocorrência de microwebs de comissura anterior em exames de videolaringoestroboscopia é pouco estudada na literatura. Portanto, o objetivo do nosso trabalho é estimar a freqüência da ocorrência de microweb nas pregas vocais de pacientes com disfonia submetidos a esse exame, estudando a associação dessa lesão com o sexo, idade e outras lesões laríngeas.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Foram selecionados 100 exames que apresentaram boa qualidade técnica da documentação, capaz de permitir uma apurada análise das lesões de comissura anterior. Para tanto, foram analisados sequencialmente um total de 707 exames de pacientes com queixas de disfonia submetidos a videolaringoestroboscopia em clínica privada durante os anos de 1997 a 2001. Todas as avaliações foram realizadas durante respiração espontânea, no momento de máxima abdução e precedido do ato de pigarrear para eliminação de qualquer secreção que pudesse ser confundida com o microweb. Excluíram-se todos os exames cuja análise foi duvidosa por presença de secreção, cirurgia pregressa e abertura glótica incompleta. Segundo esse critério, excluiu-se 607 exames, sendo que os restantes 100 exames corresponderam aos 100 pacientes utilizados no estudo. Todas as filmagens foram avaliadas por dois pesquisadores.
O equipamento utilizado nos exames foi telescópio de laringe marca Machida, modelo LY-CS30 de 70° com 8mm de diâmetro externo; fonte de luz estroboscópica marca Bruel & Kjaer, tipo 4914; câmara Toshiba, modelo IK-CU43 A; adaptador de endoscópio marca Machida, modelo CA-34VS2; videogravador NTSC, SHVS, marca Sony, modelo WVSW1 e monitor de vídeo marca JVC, modelo AV-M150S.
As principais lesões laríngeas encontradas foram divididas em 4 grupos: nódulos, lesões inflamatórias (pólipo, pseudocisto, edema de Reinke e cordite), alteração estrutural mínima (cisto, sulco e ponte) e outros (leucoplasia, câncer e atrofia de prega vocal).
A princípio distribuímos os pacientes do estudo em relação a sexo, idade e diagnóstico da lesão laríngea. A seguir, os pacientes foram divididos em dois grupos: com microweb e sem microweb. Comparamos, então, a média da idade, a distribuição de acordo com o sexo e a freqüência de lesões laríngeas concomitantes em cada grupo.
A análise estatística foi realizada através do teste exato de Fischer para comparação de proporções (sexo e lesões laríngeas concomitantes) e do teste t de Student não pareado para comparação de médias (idade). Adotou-se como nível de significância estatística o valor de p menor ou igual a 5% (p < 0,05).
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo 73 mulheres e 27 homens com idade entre 7 a 69 anos de idade (média de 32,95 anos, mediana de 33 anos). Não foram encontradas diferenças quanto à distribuição por idade entre homens (média = 36,04 anos, desvio-padrão =17,11 anos) e mulheres (média = 31,31 anos, desvio-padrão = 10,38 anos). Presença de nódulos foi o diagnóstico mais freqüente entre os pacientes (n = 41), seguido por alteração estrutural mínima (n = 31), lesões inflamatórias (n = 22) e outros diagnósticos (n = 4). Dois pacientes não apresentaram afecções laríngeas ao exame (Tabela 1).
Foi possível identificar a presença de microweb no exame de 12 pacientes (12%; IC95% 6,4% a 20%). Em todos eles, o microweb foi diagnosticado concomitantemente com outras lesões laríngeas, não ocorrendo isoladamente em nenhum caso. Os diagnósticos associados ao microweb foram nódulos (5 casos), cisto (3 casos), sulco (2 casos), cordite (1 caso) e neoplasia (1 caso). Os dois pacientes com exame normal não apresentaram microweb.
Os pacientes com microweb não diferiram dos demais quanto ao sexo, média de idade e associação com outras lesões laríngeas (Tabela 2).Tabela 1. Lesões laríngeas identificadas à videolaringoestroboscopia e sua associação com o microweb.
Teste exato de Fischer (p = 0.53)
Tabela 2. Características sócio-demográficas e diagnóstico à videolaringoestroboscopia dos pacientes com e sem microweb (n = 100).
1 valor do p obtido a partir do teste t de Student
2 valor do p obtido a partir do teste exato de Fischer
DISCUSSÃO
Em nosso estudo, o microweb foi diagnosticado em 12% dos casos, ocorrendo em associação com nódulos vocais (5 casos), cisto (3 casos), sulco (2 casos), cordite (1 caso), e neoplasia (1 caso). A associação de microweb com outras lesões laríngeas tem sido descrita na literatura2, 4, 7. Bouchayer (1990), revisando 100 casos de microweb, constatou que 78 apresentavam associação com lesão nodular e 22 com outros tipos de lesões como pólipo, cisto e fibrose3. A prevalência desta associação, contudo, é provavelmente subestimada, uma vez que os exames laringoscópicos realizados na prática clínica muitas vezes não atentam para a região da comissura anterior. Em nosso estudo, mais de 80%o dos exames foram excluídos por não permitirem adequada avaliação dessa região. Desta forma, o diagnóstico de microweb pode não ser realizado durante o exame ambulatorial de rotina, sendo primordial a atenção e interesse do examinador em identificá-las.
Ford et al. (1994), identificaram em 105 pacientes com nódulos vocais a presença de microweb em 11 (10,5%), onde 10 foram diagnosticados no intra-operatório e apenas um no exame de videolaringoestroboscopia2. Em outro estudo, Benniger & Jacobson (1995), encontraram microweb em 8 (7%) dos 115 pacientes com nódulos vocais, e destes, metade foi diagnosticado através deste exame4. Apesar de nossa metodologia ter se baseado em achados ambulatoriais e não em intraoperatórios, encontramos um índice de 12,2% de microweb no grupos dos nódulos vocais, dados estes semelhantes aos dos autores supracitados que, em tese, identificaram a lesão sob melhores condições, ou seja, sob microlaringoscopia e palpação da região em questão. Essa semelhança entre, os índices deve-se muito provavelmente ao fato de termos sido criteriosos ao incluirmos apenas exames de boa qualidade no estudo, ou seja, que possibilitassem boa visibilização da comissura anterior através de uma abertura glótica completa e ausência de secreções na região.
Não encontramos diferenças significativas em relação a sexo e idade nos pacientes com e sem microweb, sugerindo que estas características não são relevantes para a identificação desta lesão.
Observamos que as lesões mais associadas ao microweb foram nódulos vocais e alterações estruturais mínimas, que juntas corresponderam a mais de 80% das lesões laringoestroboscópicas associadas. Contudo, no grupo dos pacientes sem microweb, estas lesões também foram bastante freqüentes, ocorrendo em mais de 70% dos casos. A comparação entre os dois grupos não mostrou diferença estatisticamente significativa, sugerindo que não existe uma forte associação entre microweb e estas lesões.
Por outro lado, devido à relativa prevalência de microweb em pacientes com nódulos vocais, alguns autores acreditam que essa associação não seria apenas uma coincidência. Pela localização do microweb, Bouchayer et al. (1988) suspeitam que haveria uma diminuição da vibração do terço anterior das pregas vocais, levando a um trauma mecânico, favorecendo a formação de nódulos3. Ford et al. (1994) referem que a presença de microweb diminuiria o segmento vibratório da prega vocal com conseqüente aumento da pressão subglótica e da amplitude de vibração, levando a um maior contato das pregas vocais. Além disso, a sua presença, associado ao mau uso da voz, impediria a espontânea reabsorção da lesão nodular. No entanto, segundo estes mesmos autores, as alterações de vibração da prega vocal foram similares nos pacientes com nódulos associados ou não ao microweb2. Existe ainda alguns estudos que relacionam a presença de microweb associado ao insucesso da fonoterapia de pacientes com nódulos vocais. Ford et al. (1993), observaram que 50% dos pacientes que tiveram insucesso com tratamento fonoterápico tinham nódulo associado ao microweb. Portanto, essa associação aumentaria a incidência de necessidade do tratamento cirúrgicos. Por outro lado, Benniger & Jacobson (1995), tiveram sucesso com tratamento fonoterápico em 78% dos pacientes com nódulos vocais e microweb, mostrando que a indicação cirúrgica dependeria da severidade da formação nodular, dos resultados do tratamento fonoterápico e do tamanho do microweb4. Em nosso estudo com pacientes disfônicos, o microweb não ocorreu de forma isolada em nenhum caso. Dessa forma, é provável que a lesão responsável pela queixa vocal não foi o microweb em si, mas a lesão associada (nódulo, alteração estrutural mínima, lesão inflamatória ou outra). O papel do microweb na fisiopatologia da disfonia e na origem de outras lesões secundárias ainda permanece pouco estabelecido e merece novos estudos para seu esclarecimento.
CONCLUSÃO
O microweb foi observado em 12% dos pacientes com queixas vocais, estando associado a nódulos, alteração estrutural mínima, lesões inflamatórias e neoplasia, não havendo nenhuma correlação significante com sexo, idade ou associação a lesões laríngeas.
REFERÉNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Sataloff RT, Spiegel JR, Gold WJ. Endoscopic Microsurgery. In: Gold WJ, Sataloff RT, Spiegel JR. Voice Surgery. 1ª ed. St Louis, MO: Mosby; 1993. p. 227-67.
2. Ford NC, Bless DM, Campos G Leddy M. Anterior comissure microwebs associated with vocal nodules: detection, prevalence, and significance. Laryngoscope 1994; 104(11):1369-75.
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5. Tsuji DH, Sennes LU. Videoquimografia de laringe: novo método de avaliação da vibração cordal. Arq Fund Otorrinolaringol 1998; 2(4):136-40.
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7. Bouchayer M. Congenital lesions of the vocal fold. Presented at the First Scandinavian Seminar on Phonosurgery, Stockholm, 1990.
8. Ford CN, Bless DM, Campos G, Leddy M. Anterior comissure microwebs associated with vocal nodules: detection, prevalence, and significance. NCVS Status Prog Rep 1993; 4:85-92.
1 Médicas Pós Graduandas da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Professor Colaborador Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Médico Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4 Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia do HCFMUSP
Endereço para correspondência: Drª Adriana S. Lima - Av. Brigadeiro Faria Lima 1853, 1° andar Jardins São Paulo SP 01452-912
Tel (0xx11) 3813.0211 - Fax (0xx11) 3814.9491 - E-mail: adri_lima@hotmail.com
Artigo recebido em 12 de agosto de 2002. Artigo aceito em 10 de outubro de 2002.