Ano: 2003 Vol. 69 Ed. 3 - Maio - Junho - (20º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 427 a 431
Síndrome de Rubinstein-Taybi: anomalias físicas, manifestações clínicas e avaliação auditiva
Rubinstein-Taybi Syndrome: physical anomalies, clinical and audiologic evaluation
Autor(es):
Regina H. G. Martins 1,
Elaine C. Bueno 2,
Marisa P. Fioravanti 3
Palavras-chave: Síndrome de Rubinstein-Taybi, otorrinolaringologia, surdez, retardo mental
Keywords: Rubinstein-Taybi Syndrome, otorhinolaryngology, hearing loss, mental retardation
Resumo:
Introdução: A Síndrome de Rubinstein-Taybi foi descrita pela primeira vez em 1963, após a observação dos traços físicos semelhantes apresentados por sete crianças com retardo mental, baixa estatura, polegares grandes e largos e anomalias faciais. Mais tarde, novas publicações definiram outras características dessa síndrome, a qual incide em 1 a cada 300.000 nascidos e apresenta etiologia incerta. Sintomas otorrinolaringológicos e fonoaudiológicos são freqüentes, daí a importância de melhor conhecimento dessa síndrome por esses especialistas. Relato de Caso: Apresentamos as principais manifestações clínicas, traços físicos e as avaliações auditivas de cinco crianças portadoras da Síndrome de Rubinstein-Taybi, em atendimento na Faculdade de medicina de Botucatu (UNFSP). Para as avaliações auditivas foram realizados exames de audiometria tonal, imitanciometria e potenciais evocados do tronco encefálico (BERA). As principais características observadas foram: retardo mental, baixa estatura, polegares largos, pirâmide nasal alta, palato ogival, má oclusão dentária, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e de linguagem. Discussão: Os traços físicos característicos dos portadores dessa síndrome facilitam o diagnóstico, e muitos deles são responsáveis por sintomas otorrinolaringológicos e fonoaudiológicos, como infeções de vias aéreas superiores, obstrução nasal, otites médias, hipertrofia adenoanligdaliana, surdez condutiva, hipotonia perioral e disfagia. O importante comprometimento cognitivo é responsável pelo atraso no desenvolvimento da linguagem e pelo baixo rendimento escolar. Conclusões: Frente às várias manifestações otorrinolaringológicas e fonoaudiológicas apresentadas pelas crianças portadoras da Síndrome de Rubinstein-Taybi, torna-se necessário que esses especialistas conheçam melhor essa síndrome para que possam fazer o diagnóstico precoce e orientar o tratamento dessas crianças.
Abstract:
Introduction: The Rubinstein-Taybi Syndrome was first described in 1963 when the authors presented seven children with mental and growth retardation, broad thumbs and big toes, associated to face anomalies. Years later new publications characterized other physical anomalies. The incidence in the general population is one in 300.000 borns and the aetiology is unknown until now. The purpose of this study was to present the clinical manifestations, physical anomalies and the audiologic evaluation of five children with Rubinstein-Taybi Syndrome. Report of Cases: Five children with Rubinstein-Taybi Syndrome were evaluated by main clinical manifestations, physical anomalies and audiologic evaluation. The main clinical and physical manifestations were: mental retardation, short stature, short and broad fingers, beaked nose, high palate, irregular placement of teeth and poor speech development. The auditory acuity was evaluated by tonal audiometry, tympanometry and auditory brainstem response (ABR). Discussion: The physical characteristics presented by the patients with Rubinstein-Taybi Syndrome facilitate the diagnosis and are responsible for otolaryngological and phonoaudiological symptoms, like airway infections, nasal obstruction, otitis media, tonsillar hyperplasia, deafness, perioral hypotonia and dysphagia. The cognitive impairment is responsible to speech delay and learning disabilities. Conclusion: The presence of otolaryngologic and phonoaudiologic symptoms in patients with Rubinstein-Taybi Syndrome permit specialists to make early diagnoses and treatment.
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Rubinstein-Taybi incide em 1 em cada 300.000 nascidos vivos da população geral e em 1 em cada 300 crianças com retardo mental. É menos freqüente na raça negra e não manifesta predileção por sexo. Entre as principais anomalias físicas e manifestações clínicas apresentadas pelos portadores da síndrome de Rubinstein-Taybi destacam-se a baixa estatura, polegares largos e dedos grandes, anomalias craniofaciais, entre elas microcefalia, disgenesia de corpo caloso, bossa frontal proeminente, fissuras palpebrais oblíquas antimongolóides, estrabismo, alterações da pirâmide nasal com dorso nasal alto, crescimento anterior do septo cartilaginoso em direção à columela, desvio de septo, hipoplasia da maxila, palato ogival, fissura palatina submucosa com ou sem úvula bífida, micrognatia e alterações morfológicas dos dentes. Essas crianças apresentam, com bastante freqüência, nível intelectual rebaixado e retardo no desenvolvimento neuropsicomotor (RDNPM) e da linguagem.
REVISÃO DE LITERATURA
A síndrome de Rubinstein-Taybi foi descrita pela primeira vez em 1963, quando os autores que a nomearam com seus sobrenomes chamaram a atenção para as semelhanças das manifestações clínicas e dos traços físicos apresentados por sete crianças portadoras de deficiência mental, anomalias faciais e dígitos largos1. A partir daí, outros casos semelhantes foram sendo relatados na literatura, colaborando na definição dos principais traços genéticos apresentados pelos portadores de tal anomalia2, 3, 4.
A exata etiologia ainda é desconhecida, embora alguns autores acreditem tratar-se de herança autossômica dominante com penetração variável, frente às várias descrições de fenótipos da síndrome em vários membros de uma mesma família, bem como em gemelares5, 6, 7. As características do fenótipo definem traços faciais marcantes e característicos da síndrome6, 8.
As diversas alterações crânio-faciais presentes nos pacientes portadores da síndrome de Rubinstein-Taybi fazem com que muitos deles manifestem sintomas otorrinolaringológicos,e fonoaudiológicos, daí a importância do conhecimento dessa síndrome genética por parte dos especialistas envolvidos no atendimento desses pacientes.
O presente artigo tem como objetivos descrever os principais traços físicos, as manifestações clínicas (dando ênfase às pertencentes à esfera otorrinolaringológica e fonoaudiológica) e os resultados das avaliações auditivas de cinco crianças portadoras da síndrome de Rubinstein-Taybi, em atendimento nos ambulatórios de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp).
RELATO DE CASO
O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Foram registrados os resultados das avaliações otorrinolaringológicas, fonoaudiológicas (linguagem, voz, sistema motor oral e habilidades na leitura e escrita) e da acuidade auditiva de cinco crianças portadoras da Síndrome de Rubinstein-Taybi. Na época da realização deste estudo, as crianças que já se encontravam de alta dos ambulatórios foram convocadas para nova avaliação.
Para as avaliações da acuidade auditiva, realizaram-se os seguintes exames: audiometria tonal limiar convencional (audiômetro Madsen OB822); imitanciometria, com os registros das curvas timpanométricas e dos reflexos do músculo estapédio, obtidos à intensidade de 70 a 90 dB aclima do limiar tonal auditivo do paciente (aparelho Amplaid 75); pesquisa dos potenciais evocados auditivos encefálicos (BERA) (aparelho Nihon Koden - MEB 7102 k). Para estes, os eletrodos positivos foram fixados à fronte e os negativos às regiões retroauriculares, após limpeza da pele com álcool e substância abrasiva. O eletrodo terra foi fixado no lóbulo da orelha direita. O exame foi realizado com estimulação monoauricular, à intensidade de 90 dB, com mascaramento contra-lateral de menos 40dB da intensidade do estímulo utilizado. Foram fornecidos 2000 clicks, com tempo de análise de 10 ms, repetidos para confirmação da reprodução das ondas. Após a obtenção dos registros, a intensidade dos estímulos foi progressivamente diminuída para 60 e 30 dB, ou até o desaparecimento da onda V, indicativo do limiar eletrofisiológico. Em caso da não obtenção dos registros dos potenciais eletrofisiológicos a 90 dB, a intensidade do estímulo foi aumentada até 100 dB.
A Tabela 1 sintetiza as anomalias físicas mais marcantes e as principais manifestações clínicas observadas nas crianças avaliadas. Em destaque, salienta-se a baixa estatura, polegares largos, pirâmide nasal alta, palato em ogiva, malformações das arcadas dentárias, alta ocorrência de retardo mental, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (ADNPM) e de linguagem, presentes em todos os pacientes desta casuística. Também se destacou a presença de sobrancelhas grossas e hipertelorismo, incidindo em 80% das crianças avaliadas. As Figuras 1, 2 e 3 referem-se à criança do caso clínico 1 e ilustram alguns dos traços genéticos citados acima.
Outras manifestações observadas foram: polidactilia, fendas palpebrais oblíquas, assimetria craniana, hirsutismo, ptose palpebral, microcefalia, micrognatia, implantação baixa de pavilhões auriculares, hipoplasia de maxilar, desvio de septo nasal e proeminência frontal.
A Tabela 2 apresenta os resultados dos exames de otoscopia e das avaliações auditivas, os quais mostraram-se alterados em apenas 2 crianças avaliadas (casos 1 e 5). Na criança do caso clínico 1 observou-se hiperemia e retração de ambas as membranas timpânicas, curva timpanométrica do tipo C bilateral e perda auditiva do tipo condutiva de grau leve, em ambos os ouvidos (limiares audiométricos em torno de 30 dB). Na criança do caso clínico 5 observou-se retração de ambas as membranas timpânicas, mais acentuada à direita, com curva timpanométrica tipo C e perda auditiva do tipo condutiva de grau leve à direita. As demais crianças apresentaram exame de otoscopia e avaliações auditivas normais.Tabela 1. Principais anomalias físicas e manifestações clinicas observadas nas crianças portadoras da Síndrome de Rubinstein-Taybi.
Figura 1. Criança portadora da Síndrome de Rubinstein-Taybi - notar o formato da pirâmide nasa e a hipoplasia do maxilar superior.
Figura 2. Malformações dos dedos dos pés em crianças com Síndrome de Rubinstein-Taybi
Tabela 2. Resultados dos exames de otoscopia e das avaliações da acuidade auditiva.
Figura 3. Malformações dos polegares (curtos e largos) de criança com Síndrome de Rubinstein-Taybi.
As avaliações dos potenciais evocados auditivos encefálicos foram realizadas em apenas 3 crianças (casos 1, 3 e 5). Uma das crianças não permitiu o exame, mesmo após várias tentativas, e a outra não compareceu à convocação para o exame. O exame dos potenciais evocados mostrou-se normal na criança do caso 3 e alterado nas crianças dos casos 1 e 5, sendo nestes casos evidenciado padrões de perda auditiva condutiva, ou seja, prolongamento das latências isoladas das ondas a partir de PI, mantendo-se normal os valores de LI-III, LI-V e LIII-V, com limiares dos potenciais eletrofisiológicos em tomo de 40 dB.
DISCUSSÃO
Os traços faciais marcantes da síndrome de Rubinstein-Taybi descritos na literatura puderam ser facilmente identificados nas crianças por nós avaliadas. O formato característico da pirâmide nasal alta e alongada ("nariz em bico"), associado à hipoplasia da maxila, hipertelorismo, polegares grandes e largos, permitiram-nos suspeitar do diagnóstico logo na primeira consulta (Figuras 1, 2 e 3).
As várias alterações faciais fazem com que essas crianças apresentem manifestações ligadas à área otorrinolaringológica como obstrução nasal, infecções de repetição das vias aéreas superiores, otites de repetição, hipertrofia adenoamigdaliana. A maioria das crianças por nós avaliadas apresentava queixas de infecções de vias aéreas superiores, mesmo após a primeira infância, caracterizadas por sinusites, otites e amigdalites de repetição. Em duas crianças (casos 1 e 5) o exame de otoscopia, bem como as avaliações auditivas, mostraram-se alterados, indicando comprometimento do ouvido médio (surdez do tipo condutiva), provavelmente secundário aos quadros repetidos de infeções das vias aéreas superiores. Stevens et al. (1990)9 realizaram um estudo com 50 pacientes portadores da Síndrome de Rubinstein-Taybi, e observaram alta incidência de quadros freqüentes de infecções de ouvido, presentes em 52% de seus pacientes, com perdas auditivas de graus variados.
As manifestações fonoaudiológicas que mais se destacam foram as dificuldades na aquisição da linguagem oral e as alterações no tônus da musculatura perioral, as quais podem ser percebidas logo ao nascimento durante as primeiras tentativas de amamentação, quando as crianças manifestam dificuldades na sucção e na deglutição. Essas queixas foram relatadas por duas mães (casos clínicos 3 e 4), que necessitaram de orientações fonoaudiológicas. Coffin (1964)3 avaliou seis crianças portadoras da síndrome de Rubinstein-Taybi, observando dificuldades na deglutição durante a infância em todas elas. Partington (1990)10 enfatizou a ocorrência de quadros de disfagia nessas crianças, responsáveis, muitas vezes, por quadros de pneumonias aspirativas.
Quanto ao desenvolvimento de linguagem e o desempenho escolar, pudemos acompanhar essas crianças durante a infância e a adolescência, época em que as reavaliamos, sendo evidenciado dificuldades na aquisição da linguagem e na alfabetização. Acredita-se que a alta incidência de retardo intelectual, presente em todas as crianças avaliadas (Tabela 1), foi o principal fator responsável pelas limitações no desempenho escolar e no desenvolvimento da linguagem. Pudemos observar grave comprometimento da atenção e da memória, pouco interesse nas sessões de terapia, mesmo em atividades lúdicas, dificuldades nas atividades pedagógicas, mesmo nas mais elementares, como identificação de cores e de figuras geométricas e ritmo evolutivo das capacidades cognitivas extremamente lento. Apenas uma das crianças (caso clínico 3) conseguiu freqüentar escola normal até a 4ª série do primeiro grau, porém, com sérias dificuldades na aprendizagem. De acordo com a literatura, o retardo mental está presente em todas as crianças portadoras da síndrome de Rubinstein-Taybi 9, 11, 12, em graus variados, fato também confirmado em nossa casuística.
Todas as crianças deste estudo apresentavam linguagem pouco elaborada, constituída por frases curtas, com poucos elementos de ligação, muitas vezes restrita ao verbo e ao objeto direto, vocabulário simples, com pouca criatividade nas narrações de contos. Com exceção da criança do caso clínico 3, em todas as demais o comprometimento da linguagem mostrou-se extremamente grave, repercutindo diretamente na falta de equilíbrio emocional, manifestada por irritabilidade e ansiedade. Em todas as crianças pudemos observar algum desempenho na comunicação por sinais associada à verbal. Apesar das dificuldades lingüísticas, observou-se, em todas as crianças, intenção comunicativa. A linguagem receptiva estava mais preservada que a expressiva, fato também observado por Battaglia & Ferrari (1993)12.
A reavaliação dessas crianças na adolescência nos permitiu observar que as novas aquisições, tanto na linguagem como no desenvolvimento cognitivo, a partir da alta, foram bastante limitadas. Essas crianças acabam se adaptando ao restrito meio social e realizando apenas tarefas domiciliares do cotidiano, uma vez que não acompanham as atividades escolares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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12. Battaglia A, Ferrari AR. Cognitive and psychological profiles in dysmorphic syndromes. La Pediatria Medica e Chirurgica 1993; 1:23-5.
1 Professora Assistente Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
2 Fonoaudióloga do Curso de Aprimoramento em Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
3 Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP)
Endereço para Correspondência: Regina Helena Garcia Martins - Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP)
Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço 18618-970 Botucatu SP
Tel (0xx14) 6802-6256 - E-mail: rmartins@fmb.unesp.br
Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
Artigo recebido em 14 de agosto de 2002. Artigo aceito em 29 de agosto de 2002.