Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 4  - Julho - Agosto - (20º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 575 a 578

 

Tumor Carcinóide de Seio Esfenoidal: Relato de Caso.

Carcinoid Tumor of Sphenoid Sinus: Case Report.

Autor(es): Elder Y. Goto*,
Luciana M. Nita*,
Fábio T. M. Lorenzetti*,
Marcus M. Lessa**,
Richard L. Yoegels***,
Ossamu Butugan****.

Palavras-chave: tumor carcinóide, neuroendócrino, seio esfenoidal, tomografia computadorizada

Keywords: carcinoid tumor, neuroendocrine, sphenoid sinus, computed tomography

Resumo:
Os tumores neuroendócrinos do trato nasossinusal são extremamente raros. Os tumores carcinóides têm origem nas células neuroendócrinas de todo, corpo, mas são encontradas principalmente no trato gastrintestinal, brônquios e pâncreas. Outras localizações são extremamente incomuns e, na revisão de literatura realizada, só foram encontrados dois casos de tumor carcinóide localizados em seio maxilar. O objetivo deste estudo é relatar um caso de tumor carcinóide localizado em seio esfenoidal. Paciente masculino, com 33 anos de idade, apresentando há 10 anos quadro de cefaléia bitemporal, sem melhora com uso de analgésicos ou antiinflamatórios não hormonais. Não apresentava sintomas de obstrução nasal, rinorréia ou epistaxe. Negava outra sintomatologia sistêmica. Ao exame otorrinolaringológico, verificava-se somente retração bilateral de membrana timpânica. Submetido à tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais, verificou-se massa ocupando seio esfenoidal e sela túrcica. O laudo anatomopatológico da biópsia da massa foi de tumor carcinóide. O paciente foi submetido a tratamento radioterápico por dois meses, e a TC de controle evidenciou novamente massa ocupando o seio esfenoidal. Optamos por nova intervenção cirúrgica, com o objetivo de remoção tumoral, mas, devido ao intenso sangramento intraoperatório, foi somente possível remover parcialmente o tumor. O resultado anatomopatológico da peça cirúrgica confirmou tumor carcinóide. Atualmente, o paciente encontra-se em tratamento radioterápico e quimioterápico, apresentando boa resposta terapêutica. Os tumores nasossinusais são raros e podem apresentar pouca sintomatologia. Descrevemos um caso de um tumor extremamente incomum no trato respiratório superior, cujo diagnóstico só foi possível através da TC e anatomia patológica.

Abstract:
Neuroendocrine tumors of the nasosinusal tract are extremely rare. Carcinoid tumors develop from the neuroendocrine cells of the whole body, but they are found mainly in the gastrointestinal tract, bronchia and pancreas. Other locations are extremely uncommon and there are only two cases of carcinoid tumor reported in the nasosinusal area, located in the maxillary sinus. The objective of the present study was to describe a case of carcinoid tumor located in the sphenoid sinus. It was a male 33-gear-old patient, presenting bitemporal headache for 10 years without improvement after use of analgesic or non-hormonal antiinflammatory. He did not present symptoms of nasal obstruction, rhinorrhea or epistaxis. He denied any other systemic symptomatology. During otorhinolaryngologic exam, we noticed bilateral retraction of the tympanic membrane. At computed tomography (CT) of paranasal sinus, a solid mass occupying the sphenoid sinus and sella turcica was detected. The pathology result was carcinoid tumor. The patient was submitted to radiotherapy treatment for two months and CT control evidenced a new mass occupying the sphenoid sinus. We decided to conduct a surgical intervention to remove the tumor, but due to intense intraoperative bleeding, we just partially removed it. Pathology result of the surgical specimen confirmed carcinoid tumor. The patient is currently undergoing radiotherapy and chemotherapy treatment, presenting good therapeutic responses. Nasosinusal tumors are rare and may present poor symptomatology. We described a case of an extremely uncommon tumor in the upper airways, whose diagnosis was only possible through CT and pathology.

INTRODUÇÃO

Os tumores neuroendócrinos do trato nasossinusal são extremamente raros, sendo descritos vários tipos, tais como neuroblastoma clássico, estesioneuroblastoma, tumor carcinóide, paraganglioma, carcinoma neuroendócrino e carcinoma de pequenas células2, 5, 7, 8.

O tumor carcinóide tem origem nas células neuroendócrinas de todo o corpo; porém, são mais prevalentes no trato gastrintestinal, no pâncreas e nos brônquios pulmonares3, 4, 6. Cerca de 90% destes tumores têm origem nas células enterocromafins (ou de Kulchitsky), dentro do trato gastrintestinal. Outros sítios primários de localização deste tipo de tumor são raríssimos7, 8. Na literatura, existem relatos de casos isolados de tumor carcinóide encontrados no seio maxilar9, 10. O objetivo dos autores é descrever um caso diagnosticado como tumor carcinóide de seio esfenoidal.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente do sexo masculino, com 33 anos de idade, de cor parda, técnico de segurança, natural da Bahia e procedente de São Paulo há 26 anos, com história de cefaléia há aproximadamente 10 anos. Sua cefaléia caracterizava-se por ser bitemporal, ora latejante, ora em pontada, sem melhora com o uso de diversos analgésicos e antiinflamatórios não hormonais. Houve aumento progressivo da intensidade e freqüência das crises álgicas, com piora importante nos últimos anos. Não apresentava queixas de obstrução nasal, espirros, prurido nasal, epistaxes ou rinorréia. Também não referia emagrecimento, outras queixas otorrinolaringológicas ou de outros aparelhos e sistemas.

Negava qualquer antecedente de doença sistêmica. Referia tabagismo de aproximadamente um maço de cigarros por dia, mas não apresentava história de exposição a outras possíveis substâncias carcinogênicas. Nega história de neoplasias na família.

Ao exame físico, apresentava-se em bom estado, sem alterações de exame físico geral. O exame otorrinolaringológico evidenciava retração bilateral de membrana timpânica, maior à direita.

Foi submetido a exame de tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais, realizado com cortes axiais e coronais de 5 mm de espessura, com a injeção venosa de meio de contraste iodado (Figuras 1 e 2). Em vista do quadro tomográfico, foi levantada a hipótese de cordoma.

Após o exame de imagem, foi realizada biópsia da massa em seio esfenoidal via endonasal, cujo resultado do exame anatomopatológico foi de tumor carcinóide.

Com este resultado, o paciente foi tratado com sessões de radioterapia durante dois meses, recebendo dose de 5.400 cGy. À análise do exame de TC, realizada para controle, observou-se o crescimento da massa no mesmo local.

Posteriormente, o paciente foi submetido à nova intervenção no seio esfenoidal, através de cirurgia endoscópica transnasal, com objetivo de remoção tumoral. Contudo, devido ao intenso sangramento, foi optado por remoção parcial, cujo exame anatomopatológico revelou o mesmo padrão da biópsia anterior.

O paciente encontra-se em tratamento radioterápico e quimioterápico há dois meses, apresentando boas condições clínicas. Atualmente, encontra-se em preparo pré-operatório, para nova abordagem cirúrgica via endoscópica.


 
Figuras 1 e 2. Tomografia computadorizada de seios paranasais evidenciando formação sólida que compromete a sela túrcica e o esfenóide direito, com erosão de clivus, assoalho selar, assim como o dorso e as paredes laterais da sela túrcica, com a lesão em íntimo contato com os seios cavernosos.



Figura 3. Exame anatomopatológico: blocos de células pequenas, com escasso citoplasma basofílico e finamente granuloso, arredondado, com núcleos ovóides, regulares, monomórficos, com discreta atividade mitótica.



Exame anatomo-patológico

Histologicamente, a neoplasia de ambas as amostras apresentava blocos de células pequenas, com escasso citoplasma basofílico e finamente granuloso, arredondado, com núcleos ovóides, regulares, monomórficos, com discreta atividade mitótica (Figura 3). Estroma colagênico era pouco evidente. O exame imuno-histoquímico revelou imunoexpressão de cromogranina, sinaptofisina e enolase, confirmando origem neuroendócrina da lesão e sendo altamente sugestivo de tumor carcinóide (Figura 4).

DISCUSSÃO

Os tumores malignos do trato nasossinusal constituem menos de 1% de todas as neoplasias do corpo e aproximadamente 3% dos tumores do trato respiratório superior1. Aproximadamente 55% dos tumores nasossinusais originam-se do seio maxilar; 35%, da cavidade nasal; 9%, das células etmoidais; e somente 1%, dos seios frontal e esfenoidal1, 5. Quanto ao tipo histológico, eles podem ser: a) de linhagem epitelial, como o carcinoma espinocelular, melanoma, neuroendócrinos (incluindo os tumores carcinóides), de glândulas salivares, adenocarcinomas .de origem mucosa, teratomas e teratocarcinomas; b) de linhagem não epitelial, como os provenientes de tecidos moles, tecidos conectivos e linforreticulares; c) metastáticos, principalmente renais e pulmonares. O tipo mais comum é o carcinoma espinocelular, que corresponde de 50% a 80% dos tumores malignos do trato nasossinusal1, 5.



Figura 4. Exame imuno-histoquímico: imunoexpressão de cromogranina, sinaptofisina e enolase.



Clinicamente, apresentam-se com os mesmos sinais e sintomas da doença inflamatória da região, como obstrução nasal, algia facial ou cefaléia, epistaxes e rinorréia. Esse fato torna a suspeita diagnóstica extremamente difícil, uma vez que de 20% a 40% de todas as consultas ao otorrinolaringologista são relacionadas a doenças inflamatórias e/ou infecciosas do trato nasossinusal. Além do fato de esses tipos de tumores serem extremamente raros, em 9% a 12% dos pacientes os tumores são assintomáticos nos estágios iniciais da doença1. Todos esses fatores levam a um retardo no diagnóstico, que geralmente é realizado em estágios avançados da doença. No caso deste paciente, seu único sintoma era a cefaléia, cuja causa só foi descoberta após 10 anos do início da sintomatologia. Devido à sua localização no seio esfenoidal, sintomas como obstrução nasal, epistaxe e rinorréia não foram encontrados.

O tipo histológico da neoplasia relatada, tumor carcinóide, é extremamente incomum no trato nasossinusal7, 8. Na literatura pesquisada, há somente dois relatos de caso de tumor carcinóide em seio maxilar9, 10, não tendo sido encontrado nenhum relato em seio esfenoidal.

Os tumores carcinóides são neoplasias com origem nas células neuroendócrinas de todo o corpo; porém, são mais prevalentes no trato gastrintestinal, no pâncreas e nos brônquios pulmonares3, 4, 6. Cerca de 90% desses tumores têm origem nas células enterocromafins (ou de Kulchitsky), dentro do trato gastrintestinal6. Todos carcinóides são tumores potencialmente malignos e a tendência para o comportamento agressivo relaciona-se com certos fatores, como local de origem e tamanho do tumor. Ainda não foram definidos os fatores de risco para esse tipo de tumor.

Sendo de origem neuroendócrina, os tumores carcinóides são capazes de produzir diversas síndromes ou endocrinopatias, como resultado direto da hiperprodução de determinada amina biogênica ou hormônio peptídico. Algumas dessas neoplasias, principalmente as localizadas em trato gastrointestinal e íleo, estão associadas com uma "síndrome carcinóide" peculiar, caracterizada por rubor paroxístico, episódios de respiração ofegante semelhante à asma, insuficiência cardíaca direita, crises de diarréia aquosa explosiva, dor abdominal, edema e lesões de pele e de mucosa oral semelhantes à pelagra4, 6. Já foram identificados vários produtos secretórios, tais como serotonina (5-hidroxitriptamina; 5-HT), 5-hidroxitriptofano (5-HTP), histamina, calicreína e bradicinina; porém, o principal agente na produção da síndrome parece ser a serotonina. O paciente em questão, cujo tumor era localizado somente no seio esfenoidal, não apresentava outros sintomas sistêmicos ou relacionados com a síndrome carcinóide.

O diagnóstico pode ser feito através da dosagem do ácido 5-hidroxiindol acético (5-HIAA), que é o maior metabólito da serotonina, na urina de 24 horas2, 4, e através da biópsia de lesões suspeitas. Neste caso relatado, o diagnóstico veio através de anatomopatológico da lesão em esfenóide, já que clinicamente o paciente apresentava sintomatologia pobre. Segundo Cotran e colaboradores3, o padrão histopatológico típico é o de ninhos sólidos de células separadas por uma rede delicada de tecido conjuntivo. As células individuais têm uma notável semelhança entre si, com uma uniformidade de tamanho e forma celular e nuclear. Os núcleos são redondos e ovais e profundamente cromáticos com fino pontilhado. Geralmente, existem abundantes grânulos secretores citoplasmáticos que se coram em vermelho com eosina, pardo-amarelado com sais de cromo, preto com hematoxilina férrica, e às vezes preto metálico com sais de prata. Perez-Ordonez8 e McCluggage7 relatam que a análise imuno-histoquímica dos tumores neuroendócrinos mostram reatividade positiva aos seguintes marcadores: CAM (5,2), enolase neurônio específico, sinaptofisina e cromogranina. O laudo anatomopatológico da peça cirúrgica é compatível com os dados descritos na literatura e a imuno-histoquímica confirma o diagnóstico encontrado.

O tratamento inclui a remoção cirúrgica da lesão, radioterapia e/ou quimioterapia. Inicialmente, optamos pela radioterapia para o tratamento do paciente. Após dois meses de sessões de radioterapia, verificamos que havia crescimento de massa tumoral no mesmo local da lesão anterior. Segundo Cryer4, esses tumores não costumam responder bem a radioterapia isoladamente, sendo melhor indicada, quando possível, a remoção cirúrgica da lesão. Outros autores2, 3, 6 também consideram a ressecção tumoral como tratamento preferencial desses tumores. Realizamos nova intervenção cirúrgica, cujo objetivo inicial seria de remoção da maior extensão tumoral possível através da cirurgia endoscópica transnasal; porém, devido ao intenso sangramento intraoperatório, foi realizada apenas ressecção parcial do tumor. A análise anatomopatológica confirmou novamente tumor carcinóide; e, atualmente, o paciente encontra-se em tratamento radioterápico e quimioterápico, há dois meses, apresentando boa evolução clínica e aguardando nova intervenção cirúrgica de ressecção tumoral.

COMENTÁRIOS

Os tumores nasossinusais são raros e apresentam sintomatologia inespecífica na maioria das vezes. Descrevemos um caso de tumor neuroendócrino - tumor carcinóide -, localizado em seio esfenoidal, cuja ocorrência é extremamente rara no trato respiratório superior. Em vista do quadro clínico pobre, somente a análise da TC e do anatomopatológico pôde levar a um diagnóstico para esta lesão isolada em seio esfenoidal; e, desta forma, pudemos oferecer uma opção terapêutica para o paciente.

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* Médico Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médico Pós Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado no período de 17 a 20 de outubro de 2000, em Natal/ RN.
Endereço para correspondência: Elder Yoshimitsu Goto - Rua São Marcelo, 19 - 02250-050 São Paulo/ SP - Telefone: (0xx11) 201-9144 - Fax: (0xx11) 202-0827.
Artigo recebido em 2,6 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 9 de março de 2001.

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