Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 507 a 510

 

Correlação Etiológica entre Variações Anatômicas na Tomografia Computadorizada e a Rinossinusite Crônica.

Etiological Correlation Between Anatomical Variations in Computed Tomography and Chronic Rhinosinusitis.

Autor(es): Richard L. Voegels*,
Elder Y. Goto**,
Daniel Chung**,
Luciana M. Nita**,
Marcus M. Lessa***,
Ossamu Butugan****.

Palavras-chave: rinossinusite crônica, tomografia computadorizada, variações anatômicas

Keywords: chronic rhinosinusitis, computed tomography, anatomical variations

Resumo:
Introdução: A tomografia computadorizada tem sido cada vez mais utilizada para o diagnóstico e avaliação das estruturas nasais, sendo considerado o exame de escolha na avaliação das afecções nasossinusais. Alterações anatômicas como desvio septal, alterações da concha média e células etmoidais anteriores, podem levar a dificuldade de drenagem do infundíbulo etmoidal gerando uma maior incidência de rinossinusites. Forma do estudo: Clínico retrospectivo. Objetivo: O objetivo deste trabalho é analisar as principais alterações anatômicas encontradas em tomografias computadorizadas de pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica tratados cirurgicamente. Material e método: Foram analisados retrospectivamente os prontuários de 93 pacientes operados por rinossinusite crônica, no período de dezembro de 1995 a dezembro de 1999. Resultados: Observamos uma distribuição de 48 pacientes do sexo masculino (51,6%) e 45 do sexo feminino (49,4%). A idade média foi de 35, 31 anos. As principais alterações anatômicas encontradas foram: concha média bullosa (12,89%), desvio septal importante (4,30%), concha inferior hipertrofiada (3,22%), concha média paradoxal (2,15%), célula de Haller presente (2,15%) e hipertrofia de processo uncinado (2,15%). Os seios paranasais mais acometidos foram os maxilares, etmoidais anteriores e etmoidais posteriores. Conclusão: não obtivemos achados tomográficos suficientes que pudessem sugerir a correlação entre a presença de alterações anatômicas e o desenvolvimento de rinossinusite crônica. Esperamos que novos estudos sejam desenvolvidos para que se possa estabelecer a real importância dessas variações anatômicas.

Abstract:
Introduction: Computed tomography (CM has been increasingly used both to diagnose and to evaluate nasal structure. Furthermore, CT scanning has become the evaluation of choice for patients with sinunasal diseases. Anatomical variations such as septal deviation, middle turbinate and anterior ethmoid cell anomalies may impair the flow of secretions through the ethmoid infundibulum, leading to the development of sinusitis. Nevertheless, these findings are not supported by the literature. Study design: Clinical retrospective. Purpose: The purpose of the present study was to analyze the anatomical variations found in CT scans of patients with chronic sinusitis treated surgically. Material and method: Paranasal sinus CT scans were obtained in 93 patients from December 1995 to December 1999. Results: There were 48 men (51.6%) and 45 women (49.4%). The mean age was 35.31 years. The most prominent findings were concha bullosa (12.89%), severe septal deviation (4.30%), hypertrophic inferior turbinate (3.220/0), paradoxical middle turbinate (2.15%), Haller cells (2.15%), and hypertrophic uncinate process (2.15%). The most affected paranasal sinuses were maxillary, posterior and anterior ethmoid. Conclusion: The number of CT scan abnormalities in our stud was not sufficient to allow assessment of the correlation wit chronic sinusitis. Further studies are necessary to establish the role of these anatomical variations.

INTRODUÇÃO

A rinossinusite crônica pode ser definida como a doença sinusal na qual encontramos a persistência de sintomas como obstrução nasal, tosse, rinorréia purulenta, cefaléia e/ou hiposmia, por um período mínimo de três meses9. Com o recente desenvolvimento da abordagem endoscópica dos seios paranasais, introduzida por Messerklingler e Stammbergers, aliado às inovações técnicas no campo do estudo radiológico, muito se tem estudado sobre a anatomia do complexo óstio meatal e da parede lateral nasal e as implicações de suas anomalias na gênese de doenças inflamatórias sinusais.

A tomografia computadorizada tem se consagrado como o exame de escolha no diagnóstico das afecções dos seios paranasais, em especial os cortes coronais, nos quais podemos identificar claramente as estruturas de maior importância da cavidade nasal e estruturas adjacentes4, 9. Devemos ter em mente que na maioria das vezes o exame é importante, não tanto para o diagnóstico da doença inflamatória em si, mas para um melhor planejamento cirúrgico, pois a tomografia computadorizada, por revelar precisamente as estruturas nasais, se torna um ótimo guia do cirurgião no intraoperatório.

A primeira vista, pode parecer óbvio que as anomalias de concha média, células etmoidais anteriores, septo nasal e outras estruturas ósseas podem impedir o fluxo fisiológico de secreções pelo infundíbulo etmoidal, e levar a condições que favoreçam o desenvolvimento da infecção e inflamação dos seios paranasais. No entanto, essa suspeita não tem se confirmado na literatura3, 4, 7, 8, 9.

O objetivo desse estudo é a investigação tomográfica das anomalias anatômicas existentes na parede lateral nasal, principalmente a região etmoidal anterior, de pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica.

MATERIAL E MÉTODO

Foram avaliados 93 pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica, tratados cirurgicamente no período de dezembro de 1995 a dezembro de 1999, na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Os dados foram levantados através de uma análise retrospectiva de seus prontuários médicos. As tomografias foram realizadas sem qualquer preparo prévio, como o uso de vasoconstritores tópicos ou a lavagem nasal com soro fisiológico. Utilizaram-se aparelhos CT - PACE ou PROSPEED da General Eletrics (Milwaukee, WI, EUA), com kilovoltagem de 120, miliamperagem de 130 e tempo de aquisição da imagem de 2 segundos. Os pacientes eram posicionados em decúbito ventral, com as imagens no plano coronal obtidas através do posicionamento perpendicular ao palato duro e com cortes de 5 mm de espessura; porém, na região do complexo óstiomeatal, foram realizados cortes de 2 mm de espessura. Cortes axiais também foram realizados, com o paciente em decúbito dorsal, e cortes de 5 mm, indo desde o teto do seio frontal até o assoalho do seio maxilar, para auxiliar na identificação da extensão da doença e outras variações anatômicas como a presença de células de Onodi. Para avaliação das estruturas, utilizou-se janela para partes moles (nível aproximado de 50 e abertura de 250 H) e para estruturas ósseas (nível de 400 e abertura de 4.000 H). O meio de contraste utilizado foi o ioxitalamato de meglumina (Telebrix 30 meatal, foram realizados cortes de 2 mm de espessura. Cortes .axiais também foram realizados, com o paciente em decúbito Úorsal, e cortes de 5 mm, indo desde o teto do seio frontal até o assoalho do seio maxilar, para auxiliar na identificação da extensão da doença e outras variações anatômicas como a presença de células de Onodi. Para avaliação das estruturas, utilizou-se janela para partes moles (nível aproximado de 50 e abertura de 250 H) e para estruturas ósseas (nível de 400 e abertura de 4.000 H). O meio de contraste utilizado foi o ioxitalamato de meglumina (Telebrix 30® - Guerbet), a 30% de iodo, dose de 2 mL/kg.



Gráfico 1. Distribuição dos seios paranasais acometidos (em %).



Todas as tomografias foram analisadas e interpretadas em reuniões pré-operatórias, que contavam com a presença de médicos assistentes do Grupo de Rinologia. As alterações anatômicas investigadas foram: concha média bullosa, concha média paradoxal, células de Haller e Agger-nasi, processo uncinado volumoso, desvio septal importante e concha inferior hipertrofiada.

RESULTADOS

Foram estudados 93 pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica submetidos a tratamento cirúrgico. Destes, 48 eram do sexo masculino; e 45, do feminino. A idade variou de três a 76 anos, com média de 35,31 anos (desvio padrão: 17,85).

A distribuição dos seios paranasais acometidos se encontra no Gráfico 1. A análise dos exames de tomografia,e14-computadorizada (Tabela 1) revelou a concha bullosa como a alteração anatômica mais freqüentemente encontrada. Outras alterações incluem: desvio septal, hipertrofia de conchas inferiores, concha média paradoxal, célula de Haller presente, processo uncinado hipertrofiado e célula do Agger-nasi hiperpneumatizado.



TABELA 1 - Alterações anatômicas que supostamente facilitariam o desenvolvimento da rinossinusite crônica (em %).



DISCUSSÃO

Durante a abordagem diagnóstica inicial de um paciente com rinossinusite crônica, é interessante determinar quais são os seios que estão acometidos e qual é o grau de magnitude da doença (seios completamente ou parcialmente velados). Esse conhecimento nos permite o acompanhamento adequado da evolução do quadro e eventualmente a programação de uma abordagem cirúrgica específica.

Em nosso estudo, os seios paranasais mais acometidos foram, em ordem decrescente de freqüência: maxilar, etmoidal anterior, etmoidal posterior, frontal e esfenoidal (Gráfico 1). Nossos achados se assemelham aos encontrados por Willner9 no que se refere aos três seios mais acometidos (maxilar, 60%; etmoidal anterior, 51%; e posterior, 35%); porém, difere entre os dois últimos, tendo estes autores encontrado mais casos de sinusites esfenoidais (32%) que frontais (24%). Tonai e Baba8 e Bolger2 observaram, em seus estudos, incidências diferentes em relação aos dois seios mais envolvidos nas sinusites crônicas relatando, respectivamente, os seguintes achados: etmoidal anterior (86% e 84,3%) e maxilar (80,7% e 77,7%), apresentando incidências equivalentes entre os outros seios.

Chamamos de concha bullosa a concha média que se encontra pneumatizada, podendo inclusive obstruir o meato médio e infundíbulo, através da compressão do processo uncinado4. Sua incidência na população normal varia de 9% a 20%8. Em nossa investigação representou a alteração anatômica mais comumente encontrada (12,89%). Lusk4 descreve também a concha bullosa, juntamente com o desvio septal, como a alteração mais freqüente em crianças com rinossinusite crônica. Yousem10 e April1 relatam exatamente a mesma incidência (24%) entre seus pacientes e também consideram-na o achado mais comum. Nadas6, investigando tomografias de 308 pacientes com rinossinusite crônica, concluiu não haver correlação entre a presença ou tamanho da concha bullosa e o risco aumentado de desenvolver rinossinusite. A se julgar pela freqüência bastante semelhante à da população assintomática, não parece haver correlação entre a presença de concha bullosa e o desenvolvimento de rinossinusite crônica; porém, um estudo com grupo controle seria mais adequado para estudar este aspecto.

A hipertrofia de concha inferior certamente foi observada na maioria dos pacientes, mas só foi considerada positiva em 3,22% dos casos, pois o critério de inclusão para essa característica foi a necessidade de turbinectomia inferior. Lusk4 relata a hipertrofia em 6% de sua amostra, mas critica a validade do achado, pois não houve em seu estudo qualquer controle do ciclo nasal ou mesmo o uso de vaso constritores tópicos.

A causa da doença obstrutiva do complexo óstiomeatal pode ser atribuída a um desvio septal. Existem vários graus de desvio do septo nasal, mas neste trabalho só foram incluídos aqueles pacientes que necessitaram de cirurgia corretiva (septoplastia), que foi realizada conjuntamente (4,30% dos casos se encaixavam nessa categoria). Esse número é bastante inferior aos encontrados por Lusk4 (10,4%), April1 (13%) e Willner9 (13%), mas provavelmente se deve ao nosso rígido critério, no qual só consideramos desvios septais com indicação cirúrgica.

A concha média pode apresentar uma curvatura contrária à normalmente vista e nessas condições recebe a denominação de concha paradoxal. Foi encontrado em 2,15% dos casos representa o nosso quarto achado mais comum. Na literatura encontramos dados bastante variáveis em pacientes com rinossinusite crônica (4,4%5 a 29,8%8), sugerindo que ainda nos falam evidências para se considerá-la um fator predisponente da rinossinusopatia crônica.

A célula infraorbital, também chamada de célula de Haller, faz parte das células etmoidais e se diferencia das restantes pelo fato de se pneumatizar inferiormente à bulla etmoidal; e lateralmente, ao teto do seio maxilar, se interpondo entre a lâmina papirácea e o processo uncinado. Pode potencialmente obstruir o óstio maxilar e infundíbulo etmoidal, causando rinossinusite, mas nenhum trabalho da literatura conseguiu ainda determinar seu papel na causa da doença. Parece ser mais comum do que sugerem nossos resultados (2,15%), como pode ser visto no estudo de Milczuk5, que encontrou essa alteração em 5,3% de seus pacientes, ou ainda de Tonai e Babas, que observaram células de Haller em 33,3% de seus pacientes. Um dado curioso, encontrado por esses últimos autores, nos faz refletir sobre a importância dessa estrutura na manutenção da doença sinusal. Eles observaram essas células em 38,9% dos pacientes do grupo controle (sem rinossinusite), o que poderia erroneamente sugerir sua presença como um fator protetor contra o desenvolvimento da rinossinusite crônica.

O processo uncinado pode, seja pelo seu desvio ou seu aumento, dificultar a drenagem adequada do complexo óstio meatal. É relativamente raro e difícil de se identificar (2,5% dos casos de Bolgerz apresentavam o processo pneumatizado), tendo sido notado aumento em seu volume em apenas 2,15% dos nossos casos.

As células do Agger Nasi se situam logo acima e anteriormente à inserção anterior da concha média. Por apresentar uma definição pouco clara, sua incidência na literatura tem variado muito, com autores reportando a sua presença em valores oscilando entre 3 e 98,5% dos casos8. Não consideramos que este fator esteja implicado à rinossinusite crônica, pois foi considerado obstrutivo em apenas 1,07% dos nossos pacientes; no entanto, Brunner3, estudando o papel do Aggernasi nas sinusites frontais, concluiu que este seria um mecanismo etiológico significante.

CONCLUSÃO

Não obtivemos achados tomográficos suficientes, que pudessem sugerir a correlação entre a presença de alterações anatômicas e o desenvolvimento de rinossinusite crônica. Esperamos que novos estudos sejam desenvolvidos, para que possamos esclarecer a real importância destas variações anatômicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médico Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Médico Pós-Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho apresentado como tema livre no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado no período de 17 a 20 de outubro de 2000, em Natal/ RN.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Richard L. Voegels - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar - Sala 6021 - 05403-000 São Paulo/ SP.
Telefone: (0xx11) 3069-6288 - Fax: (0xx11) 270-0299.
Artigo recebido em 2 de fevereiro de 2001. Artigo aceito em 19 de março de 2001

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