Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 3  - Maio - Junho - (19º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 423 a 426

 

Sangramento Tonsilar Palatino Espontâneo: Relato de Caso.

Spontaneous Hemorrhage from the Palatin Tonsils: A Case Report.

Autor(es): Miguel A. Hyppolito*,
José A. A. Oliveira***,
João V. Dorgam**,
Daniel D. C. Pinheiro*.

Palavras-chave: tonsila palatina, tonsilite, hemorragia

Keywords: palatin tonsils, tonsillitis, hemorrhage

Resumo:
Hemorragia espontânea de tonsila palatina é rara e, na maioria dos casos, é secundária a tonsilite aguda e mais comumente a mononucleose infecciosa. Em revisão da literatura, não encontramos relatos de caso de sangramento oral causado por descolamento espontâneo das tonsilas palatinas. Expomos esse caso com o objetivo de discutir uma possível causa para o sangramento tonsilar palatino espontâneo idiopático, no qual não verificamos agente causal infeccioso ou traumático.

Abstract:
Spontaneous hemorrhage from palatin tonsil is rare. Infectious mononucleosis is the most common etiology. Spontaneous loosing of the palatin tonsils, causing spontaneous oral hemorrhage, was not reported in our literature revision. On this case, we report a possible cause to spontaneous palatin tonsil hemorrhage without a infectious or a traumatic etiology.

INTRODUÇÃO

Sangramento oral espontâneo, de origem tonsilar palatina, sem causa iatrogênica, tem sido descrito em raros casos10, 8, 11, 3, 5, 1, sendo que, na maioria; está relacionado com infecção e casos descritos na literatura, de causa idiopática9, 7, 12.

O processo infeccioso local agudo ou crônico levaria à erosão de grandes vasos como a artéria carótida ou vasos tonsilares palatinos periféricos2, 13. A erosão, comprometendo grandes vasos, levaria a sangramento importante, que poderia ser fatal; no entanto, tal fato não tem sido observado desde o advento dos antibióticos.

Griffies e colaboradores, em 1998, analisando 860 casos de sangramento oral, identificaram 10 casos de sangramento tonsilar palatino espontâneo. Destes, oito apresentavam tonsilite bacteriana aguda ou crônica e os outros dois casos estavam relacionados com mononucleose infecciosa e neoplasia tonsilar. Tais achados sugeriram que a tonsilite crônica seria um fator predisponente importante para sangramento tonsilar palatino espontâneo. Em tal estudo, verificou-se também que em todos os casos o sangramento era de origem venosa e originário de pequenos vasos tonsilares palatinos periféricos3.

Outras causas também menos freqüentes de sangramento tonsilar são o trauma em região cervical e intra-oral, com formação de aneurismas cervicais e trauma vascular direto, respectivamente.

Abscesso peritonsilar palatino tem sido relatado como causa de sangramento tonsilar espontâneo de maior volume, podendo levar à necrose séptica da artéria carótida interna, tais casos são de extrema raridade após o advento dos antibióticos2. No entanto, os sangramentos de menor volume ainda são observados e com resolução espontânea após a resolução do quadro de abscesso peritonsilar.

Como tratamento para a hemorragia tonsilar espontânea, com comprometimento vascular periférico das tonsilas palatinas e sangramento de médio volume, preconiza-se a tonsilectomia com resolução definitiva do quadro, quer seja de sangramento ou infeccioso predispohente.

Nos casos de sangramento de maior volume com suspeita de comprometimento de vasos arteriais de maior calibre, preconiza-se a realização de arteriografia prévia para identificação do vaso comprometido e ligadura seletiva do mesmo e tonsilectomia.

Com o objetivo de identificar possíveis causas para os casos de sangramento tonsilar palatino espontâneo, que são pouco freqüentes, relatamos esse caso, verificado pela primeira vez em nosso Serviço.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente com 20 anos de idade, do sexo masculino, branco, casado, natural e procedente de Ribeirão Preto, São Paulo, procurou o Serviço de Urgência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em fevereiro de 1998, com história de sangramento oral súbito, de início há aproximadamente duas horas e evoluindo neste período com sangramento de médio volume. Além do sangramento oral, apresentava dor submandibular do lado esquerdo, dificuldade para abertura bucal, odinofagia e sialorréia. Paciente relatou também a ingestão de bebida alcoólica e carne de peixe, sem espinhos no momento do ocorrido. Negou qualquer tipo de traumatismo oral ou cervical, negando qualquer quadro anterior de infecção aguda ou crônica de tonsilas palatinas ou quadro febril recente.

Como antecedentes pessoais, relatou uso de drogas via inalatória, negando uso de drogas injetáveis. Negou outras doenças infecto-contagiosas e comportamento homossexual ou promiscuidade sexual.

Exame físico geral e otorrinolaringológico

O paciente apresentava-se em bom estado geral, hemodinamicamente estável, fáscies ansiosa.

À oroscopia, apresentava dificuldade para a abertura bucal; sangramento oral de moderado volume, proveniente da tonsila palatina esquerda; tonsila palatina esquerda descolada de sua loja, pendente na região da orofaringe em direção à hipofaringe, presa somente pelo seu pólo inferior e tonsila palatina direita de difícil avaliação, aparentemente normal (Foto 1).

Exames pré-operatórios

Hemoglobina, hematócrito, contagem de glóbulos vermelhos e brancos normais.

Intra-operatório

O paciente foi submetido a tonsilectomia, tendo sido confirmado o achado do exame otorrinolaringológico, sendo que a loja tonsilar palatina esquerda não se mostrava cruenta (Foto 1).

Foi verificada também lesão sangrante no pilar anterior tonsilar direito, no pólo superior, com as mesmas características da que foi encontrada na torìsila esquerda (Foto 2).

As tonsilas removidas foram encaminhadas para exame anatomopatológico e culturas para aeróbios, fungos, tuberculose, não sendo encaminhada a cultura para anaeróbios por impossibilidade de recebimento da mesma pelo laboratório na primeira hora seguinte.

Pós-operatório (Fotos 3 e 4)

O paciente não apresentou qualquer sangramento oral no primeiro pós-operatório, com loja tonsilar palatina de aspecto normal.



Foto 1. Aspecto da tonsila palatina esquerda, exame no intra-operatório, mostrando a área de descolamento espontâneo, de onde provinha o sangramento oral (?) e tonsila palatina esquerda presa pelo seu pólo inferior (?).



Foto 2. Aspecto da tonsila palatina direita no intra-operatório, mostrando a área de descolamento espontâneo no pilar anterior, pólo superior (?)



Foto 3. Aspecto do pós-operatório, mostrando a loja tonsilar palatina esquerda. Diferença no aspecto da área de descolamento espontâneo (?) e da área de descolamento cirúrgico (?)



Foto 4. Aspecto do pós-operatório, mostrando a loja tonsilar palatina direita. Diferença no aspecto da área de descolamento espontâneo (?) e da área de descolamento cirúrgico (?).



O paciente recebeu alta hospitalar depois de ser submetido a exames sorológicos.

Com 10 dias de pós-operatório as lojas tonsilares palatinas mostravam-se de aspecto normal.

Exames laboratoriais

O exame anátomo-patológico revelou tonsilas palatinas esbranquiçadas, multinucleadas, fibro-elásticas e tecido esbranquiçado, com múltiplos sulcos em seu interior, com áreas enegrecidas em seu entremeio. Conclusão: abscesso retroamigdaleano associado a tonsilite crônica hipertrófica e críptica.

Culturas do tecido tonsilar palatino

Micobactérias: negativo (baciloscopia e cultura).

Fungos: negativo para 48 horas e três meses - Candida parapsulosis.

Aeróbios: Klebsiellapneumoniae-resistente a ampicilina e carbenecilina.

Sorologias

Sorologias para fungos, tuberculose e mononucleose infecciosa foram negativas.

Elisa anti-HIV, negativo.

COMENTÁRIOS FINAIS

Sangramento tonsilar palatino agudo espontâneo é uma entidade rara; e, na maioria dos casos, existe associado à infecção aguda ou crônica da tonsila acometida10, 8, 11, 43, 5, 1.

A literatura relaciona tais quadros com o comprometimento tonsilar por estreptococos -hemolíticos ou viral (mononucleose infecciosa)13 e raros casos de trauma oral, cervical ou neoplasia tonsilar palatina6, 4. Existem dois casos de sangramento tonsilar idiopático relatados na literatura.

Como manifestação de comprometimento para o paciente, além do sangramento, o descolamento e queda da tonsila na hipofaringe poderia levar à obstrução de vias aéreas.

No caso apresentado, a história clínica e exames subsidiários de urgência (hemograma) não mostraram indícios de processo infeccioso.

Submetemos o paciente a tonsilectomia, como preconiza a literatura, pois a tonsila palatina esquerda mostrava-se desabada na orofaringe, com sangramento local e risco obstrutivo para as vias aéreas.

Exames laboratoriais posteriores, anatomopatológico e cultura bacteriana do tecido tonsilar mostraram-se favoráveis a processo infeccioso tonsilar crônico, com áreas de necrose local sugestivas de abscesso local. A cultura do tecido mostrou a presença de Klebsiella pneumoniae, não sendo identificados outros agentes como estreptococos -hemolíticos.

A presença da Klebsiella pneumoniaena cavidade oral pode ser considerada como da microbiota local sem comprometimento para o indivíduo; no entanto, a amostra foi obtida do tecido tonsilar e não foi isolado qualquer outro patógeno que poderia ser responsabilizado pelo quadro infeccioso.

Neste caso de sangramento tonsilar palatino espontâneo, identificamos a causa como sendo um processo infeccioso local, como na maioria dos casos relatados na literatura, mas não podemos afirmar que o agente responsável pela tonsilite foi a Klebsiella pneumoniae. O achado anatomopatológico de áreas com micronecroses sugere a presença de anaeróbios, podendo o agente causal ser multimicrobiano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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14. VAUGHAN, M. M.; PARKER, J. - Idiopathic Spontaneous Tonsilar Haemorrhage. Journal of Laryngology & Otology., 107(1): 44-5, 1993.




* Médico do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia - Área de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
** Pós-Graduando em Mestrado do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia - Área de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
*** Professor Titular do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia - Área de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.

Trabalho apresentado na forma de pôster no 34° Congresso Basileiro de Otorrinolaringologia, em Porto Alegre/ RS, em 1999.
Endereço para contato: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - Departamento de oftalmologia e Otorrinolaringologia
Avenida Bandeirantes, 3900 - Campus Universitário - Monte Alegre - 14049-900 Ribeirão Preto/ SP.
Artigo recebido em 13 de novembro de 2000. Artigo aceito em 15 de janeiro de 2001.

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