Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 297 a 304

 

Hábitos e Limiares Auditivos de Jovens em Relação à Exposição à Música Eletronicamente Amplificada em Discotecas.

Youth's Habits and Hearing Threshold in Relation to Exposure to Electronically Amplified Music in Discotechs.

Autor(es): José J. Jorge Jr.*,
Afonso C. M. Alegre**,
Maria C. Greco***,
Maria C. A. Angelini****,
Patrícia M. Barros*****.

Palavras-chave: limiar auditivo, esposição ao ruído, música, jovens

Keywords: auditory thresholds, noise exposition, music, youth

Resumo:
Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Os autores avaliaram os limiares auditivos de jovens que estão expostos à música apresentada em ambientes fechados, que chamaram de exposição à musica amplificada ambiental (MAA). Foram analisados 908 indivíduos com idade entre 14 e 26 anos, através de questionário e audiometria tonal. Divididos em grupos que se expõem menos que uma vez por semana, uma vez ou mais que uma vez por semana. Conclusão: Concluíram os autores que há uma tendência de aumento do número de jovens com limiares audiométricos comprometidos em função da assiduidade de exposição, notadamente no grupo que freqüenta esses ambientes mais que uma vez por semana e de faixa etária mais elevada.

Abstract:
Study design: Clinical prospective. Material and method: The authors evaluated the hearing threshold levels of youngmen who expose themselves to music that is presented in closed environments that the authors called exposition to Environmental Amplified Music. 908 subjects between 14 and 26 years old were analised through questionary and audiometry. They were divided in groups that expose themselves less than once a week, once or more than once a week. Conclusion: The: authors observed that there is a tendency of increasing the number of subjects with impaired hearing thresholds in relation of the exposition ratio, mainly on the group that is exposed more than once a week and markedly on the older subjects.

INTRODUÇÃO

Com a evolução da eletrônica, a potência dos equipamentos de som e dos instrumentos musicais aumentou consideravelmente. A intensidade das "músicas" nos estabelecimentos onde são executadas chega a ser ensurdecedora, não permitindo, muitas vezes, a conversação entre as pessoas. A intensidade, nestes locais, chega a 122 dB (A), ultrapassando em muito os limites de risco para audição, como por exemplo os parâmetros adotados pelo estado da Califórnia, EUA12, 14. Os grandes grupos de rock carregam equipamentos de amplificação com potências de milhares de watts, ultrapassando os 120 dB (A) junto às caixas acústicas.

Lebo12 mediu a intensidade sonora de estabelecimentos em que havia música ao vivo. Verificou que nestes locais a intensidade sonora excedia aos limites impostos pela legislação naquele estado, e assim descreve o ambiente: "Os principais instrumentos eram guitarras amplificadas e grupo de percussão. O som era captado por dois microfones e fortemente amplificado. A música era caracterizada por padrões rítmicos fortes, coloração harmônica variada e temas simples com variações apresentando uma gama dinâmica de sons entre forte assai e fortissimo.

Rintelmann e Borus17, impressionados com o problema e impulsionados pela literatura popular sobre o assunto, imaginaram que, se há alguém que pode vir a sofrer como trauma sonoro deste tipo de música, este seria o próprio músico. Assim, fizeram um estudo no qual analisaram os níveis de pressão sonora em seis bandas de rock, determinaram os limiares auditivos de 42 músicos destes conjuntos e verificaram que apenas dois deles (5%), apresentavam alguma alteração dos limiares auditivos. Os autores comentam que dois aspectos devem ser considerados nestes achados: primeiro, que há nas apresentações uma pausa, um descanso, que, mesmo sendo de apenas um minuto após cinco ou seis minutos de música, seria suficiente para o sistema auditivo se recuperar; e, segundo, que se deve considerar a susceptibilidade individual como fator.

Lipscomb15 encontrou, em 3 mil jovens estudados, alguns com deficiência auditiva em freqüências acima de 2.000 Hz (12,6% em alunos de nível colegial) e responsabilizou sons ambientais de alta intensidade a que estão expostos, sendo o principal motivo a música rock: "discotecas e bailes de adolescentes contam com um som de perigosa alta intensidade". Realizou então um estudo em cobaias e demonstrou lesão coclear após exposição a ruído aproximadamente igual aos medidos em salão de danças (122 dB).

Rupp18 faz interessante introdução em artigo publicado em 1969, cujo título já é curioso: Efeitos da música barulhenta em ouvidos humanos. "Mas, mãe, rock-and-roll tem que ser barulhento!" Fez audiometrias em cinco componentes de um grupo de músicos de rock antes e logo após apresentação de duas horas e meia. Encontrou TTS em tons agudos (4.000 Hz e 6.000 Hz) nos exames na pós-apresentação. Mediu a pressão sonora gerada nestes locais, que resultou em 120 a 130 dB.

Speaks19 mediu a intensidade sonora de bandas de rock e também verificou TTS em 25 dos 44 músicos envolvidos no estudo. Fez audiogramas antes e logo após a exposição aos sons. E encontrou níveis de intensidade de 105 a 120 dB NPS no palco onde estavam atuando esses conjuntos.

Jerger e Jerger7 também estudaram os componentes de duas bandas de rock. Oito dos 15 músicos mostraram TTS entre 2.000 e 8.000 Hz. Três deles tinham perda auditiva provavelmente induzida por ruído, já no audiograma de pré-exposição. Comentam contudo que não se pode garantir que este fato seja devido à música, uma vez que existem outras fontes de ruídos de alta freqüência potencialmente danosas em nossa civilização.

Fearn (apud Whittle23) estudou diferenças de limiares auditivos entre jovens freqüentadores e não freqüentadores de discotecas, encontrando pequenas diferenças nos limiares; porem, constantes e estatisticamente significativas. Também observou aumento nestas diferenças com o aumento na assiduidade dos jovens às discotecas. Em média, de 2,0 dB naqueles que freqüentam uma vez por mês, de 4,4 dB nos que freqüentam uma vez cada duas semanas e de 6,8 dB nos que freqüentam uma vez por semana. Achou diferença estatisticamente significativa entre os que freqüentam uma vez por semana e uma vez por mês.

Objetivo: avaliar a relação de exposição à música em ambientes fechados com o limiar auditivo de jovens de até 18 anos.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Alunos de ambos os sexos, em número de 957, na faixa etária de 14 a 26 anos, de uma escola de classes sociais média e alta da cidade de São Paulo/SP, Brasil, foram submetidos a exame físico pela otoscopia, a um questionário sobre seus antecedentes pessoais, familiares e seus hábitos em relação a ruídos ambientais e a exames audiométricos, para obtenção dos limiares auditivos nas freqüências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz, 3.000 Hz, 4.000 Hz; 6.000 Hz e 8.000 Hz.

Utilizamos uma sala de aula onde foi montada uma cabine acústica. Os exames foram realizados com um audiômetro Dicton modelo CAT 745 .

Baseados nos procedimentos de screening sugeridos por Glorig6 (1958), que indica o nível de 15.dB NA (nível de audição) como referência para o procedimento, utilizamos inicialmente esta intensidade em cada freqüência estudada.

Adotamos como limite da normalidade a marca de 25 dB NA, de acordo com as recomendações ISO-1964. Nesta escala, os limites normais estão entre 10 dB e 26 dB NA, sendo que entre 27 e 40 dB os níveis são considerados como de perda leve10.

Foram considerados comprometidos: a) em freqüências com limiar tonal igual ou maior que 30 dB; b) ouvidos com, uma ou mais freqüências comprometidas; c) indivíduos com um ou ambos os ouvidos comprometidos.

Para este estudo, foram eliminadas as freqüências de 500 Hz, 1.000 Hz e 2.000 Hz, por conhecermos por experiência e pela literatura que a incidência de lesões neurossensoriais em conseqüência de ruídos ocorrem inicialmente nas freqüências agudas, notadamente acima de 3.000 Hz7, 15. Portanto, as freqüências consideradas foram as de 3.000 Hz, 4.000 Hz, 6.000 Hz e 8.000 Hz.

Os indivíduos responderam a um questionário para avaliar antecedentes otológicos pessoais e familiares, hábitos e costumes que possam ser potencialmente lesivos aos ouvidos e, principalmente, em relação à música eletronicamente amplificada8, 9.

Música amplificada ambiental

Definimos como exposição à música amplificada ambiental (MAA) aquela que ocorre em ambientes onde há emissão por alto-falantes de aparelhos de grande potência sonora. São os salões de bailes ou as chamadas discotecas. Também aqui são incluídos os grandes shows de rock-and-roll ao ar livre, onde a potência dos equipamentos é muito elevada8.

Escolha e divisão da amostra

Dos 957 indivíduos, 49 (5,12%) foram previamente eliminados: por apresentarem deficiência auditiva congênita ou rolha de cerúmen, por trabalharem em ambiente ruidoso, e um por apresentar deficiência auditiva grave, sem diagnóstico; a seguir, eliminamos os indivíduos com história de infecção de longa duração nos ouvidos e que apresentavam alguma perda auditiva. Foram também eliminados os indivíduos com problemas congênitos nos ouvidos e aqueles acostumados à pratica de tiro. Nenhum dos indivíduos servira às forças armadas.

Restaram assim 908 indivíduos (557 do sexo masculino - 61,34% e 351 do sexo feminino - 38,66%), que foram alvo do estudo em questão.

Consideramos ainda, para o estudo, duas faixas etárias, a fim de analisar o comportamento do grupo em função da idade: 14 a 17 anos (523 indivíduos ou 57,60%), chamados menores, e 18 a 26 anos (385 indivíduos ou 42,40%), chamados maiores.

Subdividimos a amostra em função dos hábitos de exposição à música eletronicamente amplificada, considerando indivíduos que:

- não se expõem à música amplificada ambiental (MAM ou a música amplificada individual (MAI), chamados grupo A;

- expõem-se exclusivamente à MAI, chamados grupo B;

- expõem-se à MAA menos que uma vez por semana, chamados grupo C;

- expõem-se à MAA uma vez por semana, chamados grupo D;

- expõem-se à MAA mais que uma vez por semana, chamados grupo E.

Neste trabalho, serão estudados os grupos: controle A, C, D e E, envolvidos com a música amplificada ambiental. O grupo B já foi alvo de publicação anterior9.

RESULTADOS

Distribuição da amostra

A distribuição dos 908 indivíduos em função dos hábitos em relação à música eletronicamente amplificada, revelados nas respostas ao questionário, ficou assim dividida: grupo controle - A (13,55%); grupo de indivíduos expostos exclusivamente à música amplificada individual - B (18,72%); grupo de indivíduos expostos à música amplificada ambiental menos que uma vez por semana - C (39,43%); grupo de indivíduos expostos à música amplificada ambiental uma vez por semana - D (21,37%); grupo de indivíduos expostos à música amplificada ambiental mais que uma vez por semana - E (6,94%).

Portanto, em relação aos indivíduos que se expõem à MAA, verificamos que a grande maioria dos indivíduos não freqüenta ou vai esporadicamente a estes lugares (grupos A, B e C, somados = 71,70%).

No presente estudo não consideraremos o Grupo B, que fez parte de outro trabalho9.

Comportamento da população em relação aos hábitos de exposição à música eletronicamente amplificada em função das faixas etárias.

A Tabela 1 mostra a distribuição dos grupos em função das duas faixas etárias estudadas. Podemos observar que estas comportam-se, percentualmente, aproximadamente da mesma forma em relação à divisão dos grupos, isto é, os hábitos da população estudada não se modificam da faixa mais jovem (14 a 17 anos) para a faixa dos maiores de idade (18 a 26 anos), o que nos levou a pensar que os indivíduos mais velhos estão expostos mais tempo à música eletronicamente amplificada, pois mantêm os mesmos hábitos.

Ao contrário do que imaginávamos, a exposição à MAA mais que uma vez por semana (grupo E) está aproximadamente na mesma proporção em ambas as faixas etárias: na de 14 a 17 anos, 33 indivíduos que correspondem a 6,31%, e na faixa de 18 a 26 anos, 30 indivíduos, correspondentes a 7,79% da amostra total, dentro de cada faixa. Estatisticamente, esta diferença não é significante (x2 = 0,76; 1g.l.; ? = 0,05).

alfa = 0,05 é de 3, 84


TABELA 1 - Distribuição dos indivíduos da faixa etária de 14 a 17 e 18 a 25 anos em relação aos hábitos de exposição a música amplificada. A = grupo controle; B = expostos à música amplificada individual; C = expostos à música amplificada ambiental menos que uma vez por semana; D = expostos à música amplificada ambiental uma vez por semana; E = expostos à música amplificada ambiental mais que uma vez por semana.



Para melhor analisar este fato, consideramos a questão de há quanto tempo o indivíduo freqüenta ambientes deste tipo. Indivíduos em número de 371 responderam a esse quesito e, considerando a média por idade e o tempo de exposição declarada, observamos no Gráfico 1 que há realmente um aumento do tempo de exposição em função da idade.

A média do tempo de exposição obtida na faixa de 14 a 17 anos foi de 2,35 anos; e na faixa de 18 a 26 anos foi de 5,46 anos.

Análise da distribuição dos indivíduos comprometidos dentro de cada grupo.

Analisamos em cada um dos cinco grupos as distribuições dos indivíduos comprometidos nas duas faixas etárias escolhidas (14 a 17 anos e 18 a 26 anos) e também entre os sexos.

Grupo controle (grupo A) (123 indivíduos)

Os indivíduos deste grupo foram distribuídos, conforme observamos na Tabela 2, considerando o número de indivíduos comprometidos e não comprometidos.

No total de 123 indivíduos, nove estão comprometidos (7,31%).

A análise estatística demonstrou que, quando comparadas as duas faixas, não há diferença significante em relação ao número de indivíduos com comprometimento dos limiares auditivos (x2 corrigido = 2,14; 1g.l; ? = 0,05).

O mesmo resultado, não significante, ocorreu na comparação dos limiares comprometidos entre os sexos nas duas faixas etárias (x2 corrigido = 1,61; 1g,l.; ? = 0,05).

Grupo de indivíduos expostos à AM menos que uma vez por semana (grupo C)

Os resultados obtidos com os 358 indivíduos que relataram expor-se menos que uma vez por semana estão demonstrados na Tabela 3.

No total de 358 indivíduos, 30 estão comprometidos (8,38%).



Gráfico 1. Médias do tempo de exposição à MAA declarada pelos indivíduos em função da idade. Obs.: Nas faixas de 24, 25 e 26 anos apenas um indivíduo respondeu a questão em cada uma delas.



TABELA 2 - Distribuição do grupo controle, ou grupo A, em relação ao comprometimento dos limiares auditivos à faixa etária e o sexo.



TABELA 3 - Distribuição dos indivíduos expostos à música amplificada ambiental menos que uma vez por semana (grupo C) em relação ao comprometimento dos limiares auditivos, a faixa etária e o sexo.



Neste grupo, as análises estatísticas demonstraram que, entre as faixas etárias, a diferença entre o número de indivíduos com limiares auditivos comprometidos não é significante (x2 = 3,17; 1g1; = 0,05). O mesmo ocorreu em relação aos sexos (x2 = 1,33; 1g1; = 0,05).

Grupo de indivíduos expostos à uma vez por semana (grupo D).

A Tabela 4 considera 194 indivíduos que estão expostos à MAA uma vez por semana.

No total dos 194 indivíduos, 20 estão comprometidos (10,31%).

A análise entre as faixas etárias, neste grupo, demonstrou que, estatisticamente, o número de indivíduos com limiares comprometidos não tem diferença significativa (x2 =1,89; 1g.l.; = 0,05). O mesmo ocorreu na análise destes indivíduos entre os sexos - não significativa (x2 = 0,1; 1g.l.; = 0,05).

Grupo exposto à AM mais que uma vez por semana (grupo E)

A Tabela 5 diz respeito aos 63 indivíduos que estão expostos à MAA mais que uma vez por semana, considerando os comprometidos e não comprometidos.
No total de 63 indivíduos, 11 estão comprometidos (17,46%).

A análise estatística deste grupo demonstrou que há diferença significativa entre o número de indivíduos com limiares auditivos comprometidos, quando comparamos as duas faixas etárias (x2 corrigido = 6,26; 1g.l.; = 0,05), com maior comprometimento na faixa de 18 a 26 anos.

Quando comparamos o número de indivíduos com limiares comprometidos entre os sexos, neste grupo, não encontramos diferença significativa (x2 corrigido = 2,95; 1 g.l.; = 0,05).

Resumindo, nos indivíduos expostos à MAA (grupos C, D e E) somente naqueles que estão expostos mais de uma vez por semana (grupo E), encontramos diferenças significativas quanto ao número de indivíduos com limiares auditivos comprometidos em relação às faixas etárias estudadas, mas não em relação aos sexos.



TABELA 4 - Distribuição dos indivíduos expostos à música amplificada ambiental uma vez por semana (grupo D) em relação ao comprometimento dos limiares auditivos, a faixa etária e o sexo.



TABELA 5 - Distribuição dos indivíduos expostos à música amplificada ambiental mais que uma vez por semana (grupo E) em relação ao comprometimento dos limiares auditivos, a faixa etária e o sexo.



Comparação dos dados dos grupos expostos à AM e o grupo controle

O Gráfico 2 mostra a relação percentual dos grupos C, D e E em relação ao grupo controle (A), considerando os indivíduos comprometidos.

Ambos os grupos; C e D, quando comparados ao grupo controle em relação ao número de indivíduos com limiares auditivos comprometidos, não demonstraram diferenças estatisticamente significativas (x2 =0,08 e x = 0,81, respectivamente).

Contudo, no grupo exposto à AM mais que uma vez por semana (grupo E), de 63 indivíduos, 11 (17,46%) apresentam limiares auditivos comprometidos. Foi observado anteriormente que neste grupo, entre as duas faixas etárias, não há diferença significativa quanto à assiduidade à exposição à MAA. Observamos que entre os mais velhos há não só maior tempo de exposição, mas maior número de indivíduos comprometidos, como foi demonstrado. Portanto, cabe-nos analisar agora se este grupo apresenta maior número de indivíduos com comprometimento dos limiares auditivos em relação ao grupo controle.



Gráfico 2. Comparação em porcentagem, dos casos comprometidos considerando o grupo controle (A - 7,31%) e os indivíduos expostos à música amplificada ambiental, representados nos grupos C ( 8,38%), D ( 10,30°/a) e E (17,46%).



Comparamos então os dois grupos dentro de cada uma das faixas etárias e encontramos que na faixa de 18 a 26 anos o número de indivíduos comprometidos é estatisticamente maior no grupo E que no grupo controle (x2 = 4,69 para 1g.l.; =0,05). Contudo, na faixa de 14 a 17 anos o número de indivíduos.comprometidos não é estatisticamente diferente do grupo controle (x2 corrigido= 0,77; 1 g.l.; = 0,05).

Portanto, analisando os grupos de indivíduos expostos à MAA anterior, apenas os indivíduos expostos mais que uma vez semana à MÀA demonstraram ser significativamente diferentes quanto ao comprometimento de seus limiares auditivos, quando comparados ao grupo controle.

DISCUSSÃO

Os diversos autores discutem se realmente os níveis de intensidade sonora produzidos por estas fontes seriam lesivos ao aparelho auditivo. Os que pesquisaram as pressões sonoras nos ambientes e equipamentos mostraram níveis altíssimos, que ultrapassavam os limites de riscos já conhecidos11 e os impostos pelos órgãos públicos regulamentadores.

Verificamos que os pesquisadores observaram níveis de pressão sonora que vão de 99 dB2 a 130 dB nestes ambiente18. Pesquisando in loco ou em laboratório, detectaram TTS na grande maioria dos indivíduos analisados - alguns apresentando TTS de grande intensidade (até 50 dB) e duração (Smitley, 1971), o que levaria potencialmente a um alto risco de lesão permanente desses ouvidos.

Rintelmann e Borus17 não acreditam na hipótese de lesão coclear definitiva, uma vez que, analisando músicos de bandas de rock, não encontraram, em sua maioria, lesões dessa natureza. Vários autores, entre eles Lipscomb15, contestam estas afirmações após pesquisarem também essa classe de músicos e encontrarem danos em seus limiares tonais. Este último autor apóia suas afirmações em pesquisas realizadas no ouvido interno de cobaias expostas a ruídos desta natureza e critica Rintelmann por não ter pesquisado a freqüência de 6.000 Hz.

Quatro fatores são apontados por Tamura20 como responsáveis pela lesão neurossensorial: a intensa pressão sonora das fontes, as suas características de duração e de freqüência e a susceptibilidade individual. Contudo, dois destes são considerados como mais importantes: o primeiro seria o fato de o "ruído" musical não ser constante por várias horas, havendo sempre um intervalo entre as seleções musicais, gravadas ou ao vivo, dando, portanto, oportunidade para o sistema auditivo, fatigado, se recuperar. Sugerem alguns autores que apenas um minuto de intervalo seria suficiente para essa recuperação. Outro fator - talvez o mais importante - é o da susceptibilidade individual, estando nó caso envolvida provavelmente uma carga genética que protegeria, ou não, o órgão às exposições. Isto é bem observado quando são analisados músicos de bandas ou orquestras em que alguns apresentam, e outros não, a lesão auditiva, estando todos expostos à mesma intensidade sonora e durante o mesmo período. Também, na grande maioria, os autores chegam à conclusão de que estes níveis de pressão sonora a que os jovens se expõem são potencialmente e não necessariamente danosos à audição.

Quanto à exposição à MAA, observamos que, na maioria, os indivíduos não freqüentam ou vão esporadicamente a esses ambientes. É interessante notar que, ao contrário do que imaginávamos, em relação à freqüência de exposição à MAA, não há diferença estatisticamente significativa entre a faixa etária abaixo dos 18 anos e os maiores de idade, que aqueles já têm permissão legal para freqüentar esses lugares. Também constatamos, através de questionário, que os indivíduos mais velhos declararam estar há mais tempo expostos: obtivemos, baseados nestes dados, uma média de tempo de exposição de 2,35 anos para a faixa de 14 a 17 anos e de 5,46 anos para a faixa de 18 a 26 anos.

Em relação a sexo, observamos que entre os freqüentadores mais assíduos desses ambientes (grupos D e E), os homens são mais presentes.

Na maioria, os autores, apesar de julgarem que a música eletronicamente amplificada é potencialmente lesiva, concordam que poucos são os indivíduos acometidos pela lesão. Contudo, Dey2 chega a escrever que a sociedade terá de arcar com esse ônus, que recai sobre a juventude, uma vez que os jovens são dificilmente controláveis nesse aspecto.

Nos diversos artigos revisados, notamos que foram detectados TTS importantes pelos pesquisadores, os quais, porém, não detectaram PTS que fossem seguramente diagnosticados como resultante da exposição à música eletrônica. Contudo, Fearn, estudando diferenças de limiares auditivos entre indivíduos que se expõem e não se expõem à MAA, encontrou diferenças estatisticamente significativas de limiares entre aqueles que freqüentam esses ambientes uma vez por semana e uma vez por mês.

Neste estudo, como já foi definido, adotamos como limite da normalidade a marca de 25 dB NA; e, portanto, chamamos de indivíduos comprometidos aqueles que apresentavam limiares acima de 30 dB NA, inclusive, em qualquer uma das freqüências estudadas.

O grupo controle foi escolhido através do questionário nos quais os indivíduos declararam não expor-se à MAI ou a MAA. Neste grupo, o número de indivíduos com limiares acima de 30 dB, em ambas as faixas etárias, é estatisticamente igual e, portanto, podemos dizer que o grupo é homogêneo. O mesmo ocorre em relação aos sexos.

Ao analisar o grupo de indivíduos exposto à MAA, verificamos que, em relação ao número dos que freqüentam ambientes onde há música amplificada eletronicamente de alta intensidade, mais que uma vez por semana, há uma diferença no sentido de que o número de indivíduos comprometidos na faixa mais velha é estatisticamente maior que na faixa mais jovem.

Esta constatação é de alto interesse para nosso estudo, pois os indivíduos mais maduros já vêm se expondo à MAA desde uma idade mais jovem e, portanto, com fator tempo de exposição muito maior.

Ao comparar agora os indivíduos expostos à MAA com o grupo controle, encontramos que os números de indivíduos comprometidos que freqüentam menos que uma vez, e até uma vez por semana, não diferem estatisticamente entre si. Contudo, o grupo de indivíduos que se expõem à MAA mais que uma vez por semana apresenta um número de indivíduos com comprometimento dos limiares auditivos significativamente maior. Analisando estes dados em relação às faixas etárias, verificamos que essa diferença ocorre realmente na faixa mais velha e exposta há mais tempo.

Este fato leva-nos a concluir sobre a existência de um grupo mais susceptível à lesão auditiva, que poderíamos chamar de grupo de risco. Os indivíduos que se expõem esporadicamente, ou mesmo os que se expõem uma vez por semana à MAA, não diferem, na população estudada, do grupo de jovens que não freqüentam estes ambientes, mas o mesmo não ocorre com o grupo que assiduamente se expõe à MAA, o que, somado a outros fatores, leva a uma maior predisposição à lesão auditiva.

Nos grupos expostos à MAA uma vez, ou menos que uma vez por semana, não encontramos diferenças estatisticamente significativas, do número de indivíduos comprometidos, tanto em relação a faixas etárias quanto em relação a sexo.

CONCLUSÕES

Os jovens, em geral, expõem-se esporadicamente à música amplificada ambiental (MAA), sendo que um pequeno número freqüenta estes ambientes mais que uma vez por semana. Indivíduos do sexo masculino tendem a ser mais assíduos que os do feminino.

Há uma tendência de aumento do número de jovens com limiares auditivos comprometidos em função da assiduidade de exposição à MAA. Este número é significativo no grupo que se expõe mais que uma vez por semana em relação ao grupo controle, notadamente no grupo mais velho (18 a 26 anos).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CHAWDWICK, D. L. - Music and Hearing. Proc. R. Soc. Med., 66, 1078-82, 1973.
2. DEY, F. L. - Auditory Fatigue and Predicted Permanent Hearing Defects from Rock-and-Roll Music. New England J. Med., 282, 467-70, 1970.
3. ENGSTRÖM, B.; BORG, E. - Choclear Morphology - Auditory Threshold. Acta Otolaryngol., 402, 5-23, 1983. Suplemento.
4. FEARN, R. W. - Hearing Levels in School Children aged 912 Years Old and 13-16 Years Associated with Exposure to Amplified Pop Music and Other Noisy Activities. J. Sound Vib., 74 (1), 151-3, 1981.
5. FLUGRATH, J. M.; IRWING, J. A.; WOLFE JR., B. N.; KRONE, B.; PARNEL, M. - Temporary Threshold Shift and Rock-and-Roll Music. J Aud. Research, 11, 291-3, 1971.
6. GLORIG, A. - Audiometric References Levels. Laryngoscope, 76, 842-9, 1966.
7. JERGER, J.; JERGER, S. -Temporary Threshold Shift in Rock-and-Roll Musicians. J Speech Hear. Res., 13, 221-4, 1970.
8. JORGE JR., J. J. -Avaliação dos Limiares Auditivos de jovens e Sua Relação com Hábitos de Exposição à Música Eletronicamente Amplificada. São Paulo, 1993. 113 Tese (Doutorado) Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
9. JORGE JR, J. J. - Hábitos e Limiares Auditivos de jovens em Relação à Música Eletronicamente Amplificada Através de Equipamentos Com Fones de Ouvido. - 1996.
10. KATZ, J. - Handbook of Clinical Audiology. Baltimore, The Williams and Wilkins Co., 1975.
11. KRYTER, K. - Hazardous Exposure to Intermitent and Steady-State Noise. Report of Working Group 46, NAS-NCR Commitee on Hearing, Bioacoustics and Biomechanics. J. Acoustic Soc. Amer., 39, 451-64, 1966.
12. LEBO, C. P.; OLIPHANT, K. S.; GARRET, J. -Acoustic Trauma From Rock-and-Roll Music. Califórnia Medicine, 107, 378-80, 1967.
13. LEBO, C. P.; OL1PHANT, K. S. - Music as a Source of Acoustic Trauma. Laryngoscope, 78, 1211-8, 1968.
14. UPSCOMB, D. M. - High Intensity Sounds in the Recreational Environment. Clin. Pediatrics, 8, 63-8, 1969.
15. LIPSCOMB, D. M. - Ear Damage from Exposure to Rock-and-Roll Music. Arch. Otolaryngol, 90, 545-55, 1969.
16. PANTHER, C. H. - Hearing Leve¡ Measurements on Students Aged 18 to 25 Years Exposed to Disco and Pop Music. J. Sound Vib., 113, 401-43, 1987.
17. RINTELMANN, W. F.; BORUS, J. F. - Noise-Induced Hearing Loss and Rock-and-Roll Music. Arch. Otolaryngol, 88, 377-385, 1968.
18. RUPP, R. R.; KOCH, L. J. - Effects of Too Loud Music on Human Ears. But, Mother, Rock'n'Roll Has to Be Loud! Clinical Pediatrics, 8, 60-2, 1969.
19. SPEAKS, C.; NELSON, D.; WARD, W. D. - Hearing Loss in Rock-and-Roll Musicians. J. Occup. Med., 12, 216-9, 1970.
20. TAMURA, N. - Hearing Loss Caused by Musical Sounds of Concert. Shigaku, 75, 1005-12, 1987.
21. ULRICH, R. F.; PINHEIRO, M. L. - Temporary Hearing Losses in Teen-Agers Attending Repeated Rock-and-Roll Music. Acta Otolaryngol, 77, 51-5, 1974.
22. WARD, W. D.; DUVAL, A. J. III - Behavioral and Ultrastructural Correlates of Acoustic Trauma. Ann. Otol., 80, 881-96, 1971.
23. WHITTLE, L. S.; ROBINSON, D. W. - Discothechs and Pop Music as a Source of Noise Induced Hearing Loss - A Review and Bibliography. National Physical Lab Acoustic Report, 66, 1974.




* Professor Doutor Associado ao Departamento de Cirurgia, Coordenador da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, PUCSP
** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da USP.
*** Fonoaudióloga da Santa Casa de São Paulo e da Unidade de Fonoaudiologia e Otorrinolaringologia SC Ltda.
**** Fonoaudióloga da Unidade de Fonoaudiologia e Otorrinolaringologia SC Ltda.
***** Fonoaudióloga.

Endereço para correspondência: Dr. José Jarjura Jorge Jr. - Rua Dr. Bacelar, 621 - Vila Clementino - 04026-001 São Paulo/SP.
Artigo recebido em 4 de dezembro de 2000. Artigo aceito em 24 de janeiro de 2001.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial