Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 2  - Março - Abril - (15º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 243 a 246

 

Seringocistoadenoma Papilífero de Conduto Auditivo Externo.

Syringocystoadenoma Paplliferum of the External Ear.

Autor(es): Roberto C. Meirelles*,
Marcelo M. Tepedino**,
Marcilio F. Marques Filho***.

Palavras-chave: orelha externa, tumor glandular, adenomas

Keywords: external ear, glandular tumor, adenomas, ceruminoma

Resumo:
Os autores relatam caso de tumor do conduto auditivo externo, em paciente do sexo masculino, com 70 anos de idade, com queixa de hipoacusia e sensação de ouvido esquerdo cheio - sem outros sintomas. Após a exérese cirúrgica, firmou-se o diagnóstico de seringocistoadenoma papilífero, variação extremamente rara de neoplasia benigna das glândulas sudoríparas.

Abstract:
The authors present a case of external auditory canal, in a 70 year old mate patient, with conductive deafness. After surgical excision, the pathologic diagnosis were syringocystoadenoma papilliferum, a rare form of benign neoplasm of sudoriparous glands.

INTRODUÇÃO

A denominação seringocistoadenoma é originária do grego. Syrinx significa tubo; kystis expressa bexiga; e aden quer dizer glândula. A nomenclatura é imprecisa, havendo confusão com ceruminoma, adenoma e sialoadenoma9.

O seringocistoadenoma papilífero (SCAP) é uma variação extremamente rara de neoplasia benigna originária das glândulas sudoríparas, pertencente ao grupo dos adenomas. Manifesta-se geralmente como placa verrucosa única no couro cabeludo, ocorrendo também nos grandes e pequenos lábios e região perianal. Apresenta aspecto nodular, com estrutura cística e papilífera. É comum a sua associação com diversos neoplasmas como hamartomas7, nevus sebáceo3 e condiloma13. Existe o relato de aspectos histológicos comuns a três tipos diferentes de tumores, em uma mesma lesão: hidrocistoma; hidroadenoma; SCAP12.

Os estudos de imuno-histoquímica e microscopias ótica e eletrônica revelaram características que permitem classificá-lo como adenoma apócrino tubular2. Em 10% dos casos, houve associação com carcinoma basocelular, mas em todos havia nevus sebáceo4.

RELATO DO CASO

N. B., com 70 anos de idade, do sexo masculino, de cor branca, advogado, residente em Nova Iguaçu, no Rio de janeiro. Veio à Clínica com queixa de perda auditiva em ouvido esquerdo, de início há aproximadamente um ano e com caráter progressivo. Há alguns meses, passou a sentir plenitude auricular e autofonia. Fez uso de diversos tipos de medicamento tópico, sem obter resultado.

Na otoscopia, observou-se lesão tumoral única, dura, amarelada, de bordas algo irregulares, ocupando quase todo o diâmetro do conduto auditivo externo esquerdo, impedindo a visão da membrana timpânica (Figura 1). A audiometria revelou disacusia mista em ouvido esquerdo, em todas as freqüências, na faixa de 50 dB. A impedanciometria mostrou perfil tipo B. A tomografia computadorizada evidenciou lesão tumoral circunscrita, única, aparentemente restrita ao conduto auditivo externo, com velamento da mastóide homolateral (Figuras 2 e 3).

Foi feita a remoção cirúrgica com a extirpação da lesão, sob anestesia geral, e realizado acesso por via retroauricular com exploração da mastóide, que não apresentou doença. Procedeu-se a retirada total da lesão pela via endoaural, seguindo-se a cauterização do local de implantação do tumor. No ato cirúrgico foi constatada a integridade da membrana timpânica. A evolução pós-operatória transcorreu sem problemas. A audiometria de controle, feita 30 dias após a cirurgia, revelou a recuperação total do componente condutivo da disacusia mista.



Figura 1. Aspecto do tumor, obliterando quase todo o conduto auditivo (microscopia de 6x).



No exame anatomopatológico, a macroscopia evidenciou formação nodular, irregular, pardacenta e firme, aparentemente encapsulada, medindo 2,0 x 1,5 x 1,3 cm. Aos cortes, a superfície era pardacenta e homogênea. A microscopia (Figura 4) revelou epiderme ora retificada, ora com acantose irregular. Na derme vêem-se várias cavidades císticas com numerosas projeções papilíferas no lúmen, que são revestidas por epitélio glandular, geralmente com dupla camada celular. Ocasionalmente, essas células mostram decapitação e restos celulares na luz. Em algumas áreas, as células da camada luminar são arranjadas em várias camadas. Vê-se ainda denso infiltrado plasmocitário no derme entre as estruturas glandulares. Pelo encontrado, firma-se o diagnóstico de seringocistoadenoma papilífero.

DISCUSSÃO

Em 1971, John Stokes descreve o SCAP pela primeira vez7, 5. Desde então, foram vistos 189 casos9. Ocorre, em cerca de 75% dos casos, na cabeça e pescoço; 20%, no tronco; e 5%, nas extremidades7, 1. O comprometimento da orelha é extremamente raro, com 12 relatos até 19959. Em aproximadamente 50% dos casos, o SCAP está presente ao nascimento; e, em 15%, aparece até a primeira infância5.

Na forma de apresentação auricular, estando situado no conduto auditivo externo, o início é assintomático. Com o seu crescimento, chega a obstruir o canal e causar dificuldade de eliminação de cerume, sensação de plenitude auricular e disacusia de transmissão. Muitas vezes, sobrevem otite externa secundária9, ,5.



Figura 2. Lesão tumoral circunscrita única, aparentemente restrita ao conduto auditivo externo. Velamento da mastóide homolateral.



O diagnóstico é puramente histológico. Geralmente, o SCAP é uma tumoração solitária, benigna, de superfície lisa ou ulcerada, originária das glândulas sudoríparas7, 5, 1. Localiza-se na porção fibrocartilagínea do conduto auditivo externo. Comporta-se ora como glândula apócrina, ora como écrina7, 10, projetando-se para a superfície a partir da porção superior da derme1 e desenvolvendo-se a partir de apêndices celulares pluripotenciais7, 10. Caracteriza-se histologicamente por apresentar invaginações císticas da epiderme, estendendo-se na superfície e tendo também projeções papilares em forma de vilosidades, que são revestidas por duas camadas de células epiteliais - uma mais profunda, de células epiteliais, e outra externa, de células cilíndricas5, 1. Na epiderme superficial, pode haver acantose e hiperceratose; e no derma, denso infiltrado linfoplasmocitário.

O local de origem da lesão é controvertido. Muitos acham que é derivada de glândulas apócrinas, ao verificar marcadores destas glândulas em adição à doença cística grosseira, protéina fluída e antígenos epiteliais8. Existem dúvidas se as células originais; são ou não provenientes de glândulas apócrinas. Na histologia, a lesão consiste em diversos ductos de tamanhos variados conectando a lesão à superfície. São dois os tipos de células epiteliais: as camadas celulares cuboidais interna e externa6. Paradoxalmente, múltiplos estudos mostraram que 90% dessas lesões ocorrem em áreas que não têm glândulas apócrinas4. Em adição, as formações glandulares apócrinas ocorrem em adolescentes e a maioria destas lesões estão presentes no nascimento ou na infância. Postulou-se a presença de células pluripotenciais, as quais poderiam originar estas lesões6 ou, então, à presença de células intermediárias entre os dois tipos4. Estudos recentes11 descrevem a presença de uma glândula apócrina, explicando o achado dos dois tipos de glândulas na lesão.



Figura 3. Detalhe do tumor no conduto auditivo externo.



Figura 4. Aspecto microscópico.



O tratamento é eminentemente cirúrgico. Para a reconstrução, o fechamento pode ser primário ou com enxerto. Não foram encontradas discussões sobre a melhor via de acesso ao tumor. Realizamos a abordagem por via retroauricular, com exploração da mastóide, para investigar o velamento mastóideo, e termos certeza de que a lesão não comprometia qualquer estrutura nobre. O tumor, restrito exclusivamente ao conduto auditivo externo, foi retirado pela via endoaural, seguindo-se a cauterização do sítio de implantação. Em relação a variantes técnicas de extirpação da lesão, a crioterapia com nitrogênio foi tentada, sem muito sucessos. Descrições recentes relatam o uso do laser de CO2, realizado em tumor do pavilhão auricular, sem prolongamentos intracanais5.

É importante lembrar ao otorrinolaringologista que existem muitos tipos raros de tumores cutâneos que podem comprometer a orelha externa. Ressaltamos a importância do exame histopatológico de qualquer biópsia excisional, mesmo aparentemente inócua, para que o diagnóstico seja realmente confirmado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Chefe de Clínica do Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo - Rio de Janeiro/RJ.
** Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo - Pró-Otorrino.
*** Ex-Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo - Pró-Otorrino.

Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo - Pró-Otorrino.
Trabalho apresentado no 33° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, de 1° a 6 de Novembro de 1996, em Recife/PE.
Endereço para correspondência: Avenida Pasteur, 72 - Botafogo - 22290-240 Rio de Janeiro/RJ - Telefone: (0xx21) 543-1909 - Fax: (0xx21) 543-1095.
E-mail: Meirelles@radnet.com.br
Artigo recebido em 6 de janeiro de 1999. Artigo aceito em 19 de março de 2001.

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