Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 2 - Março - Abril - (5º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 171 a 178
Audiometria de Respostas Evocadas de Tronco Cerebral em indivíduos Idosos Com e Sem Presbiacusia.
Brainstem Evoked Response Audiometry in Elder With and Without Presbyacusia.
Autor(es):
Marcos R. Freitas *;
José A. A. Oliveira**.
Palavras-chave: presbiacusia, idoso, potencial evocado auditivo
Keywords: presbyacusia, elder, auditory evoked potential
Resumo:
Introdução: O fenômeno da presbiacusia, em seus meandros fisiopatológicos, permanece ainda não completamente compreendido, haja vista aos debates que ainda se travam a respeito da participação da cóclea e das estruturas nervosas que compõem as vias auditivas em sua gênese. Objetivo: O objetivo principal do presente estudo foi avaliar os padrões de variação de latência das ondas I e V e dos intervalos I-III, III-V e I-V do BERA em indivíduos idosos com e sem presbiacusia, comparando-os com indivíduos jovens, no sentido de se estabelecer se as alterações de limiar e discriminação auditivos evidenciados em pacientes presbiacúsicos têm uma origem unicamente coclear ou se há também um componente retrococlear. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Foram submetidos a BERA 50 indivíduos normoacúsicos e 10 com presbiacusia, sendo o exame realizado em ambos os ouvidos. Os indivíduos foram divididos em seis grupos de 10, com igual número de homens e mulheres, de acordo com a idade e presença ou ausência de disacusia. Resultados: A latência das ondas I e V do BERA é maior em indivíduos presbiacúsicos que em normoacúsicos, no sexo masculino que no feminino e também aumenta de forma linear com o aumento na taxa de emissão do estímulo sonoro. Os intervalos I-III, III-V e I-V não variam com a idade dos indivíduos, sexo ou a presença ou ausência de presbiacusia, elevando-se apenas com o aumento na taxa de estimulação. Conclusão: O aumento das latências das ondas I e V em indivíduos presbiacúsicos, associado â não variação estatisticamente significativa do intervalo I-V nesses indivíduos, sugere uma etiologia periférica para a presbiacusia.
Abstract:
Introduction: The phenomenon of presbyacusia is still not fully understood in terms of its physiopathological mechanism, with ongoing debate about the participation of the cochlea and of the nervous structures that compose the auditory pathways in its genesis. Objective: The main objective of the present study were to assess the patterns of variation in I and V wave latency and of MU, III-V and I-V intervals of BERA in elderly subjects with and without presbyacusia and to compare them to those of young individuals in order to establish whether the changes in auditory threshold and discrimination observed in presbyacusic individuals are only cochlear in origin or whether there also a retrocochlear component. Study design: Clinical prospective. Material and methods: Fifty individuals with normal hearing and ten individuals with presbyacusia were submitted to brainstem evoked response audiometry (BERA) in both ears. The individuals were divided into six groups of 10 (five men and five women in each group) according to age and presence or absence of dysacusia. Results: The latency of I and V waves of the BERA is higher among presbyacusic than normoacusic individuals and is higher in males than in females, and that it increases linearly with increasing rate of emission of the sound stimulus. The intervals MU, III-V and I-V did not vary with age, sex or presence or absence of presbyacusia, and only increased with increasing stimulation rate. Conclusion: The increase in the latency of the I and V waves in presbyacusic individuals, taken together with the lack of significant variation in the I-V interval in these individuals, suggest a peripheral etiology of presbyacusia.
INTRODUÇÃO
O termo presbiacusia20 indica a mudança na função auditiva devida ao aumento da idade, caracterizada por perda auditiva progressiva de alta freqüência associada com discriminação vocal pior do que se esperaria com base nos limiares da audiometria tonal. Este evento pode acometer cerca de 40% dos indivíduos com mais de 75 anos de idade5.
O fenômeno da presbiacusia, em seus meandros fisiopatológicos, permanece ainda não completamente compreendido, haja vista a que os debates que ainda se travam a respeito da participação da cóclea e das estruturas nervosas que compõem as vias auditivas, em sua gênese. Tendo em mente essa assertiva, pensamos em contribuir para uma melhor compreensão da presbiacusia através do estudo das vias auditivas de indivíduos portadores, auxiliados pela audiometria de respostas evocadas de tronco cerebral que, há muito tempo, tem sido uma ferramenta eficaz no diagnóstico topográfico das afecções que acometem a audição, diferenciando-as em cocleares e retrococleares.
O presente estudo tem, portanto, como objetivos:
1.) - Avaliar os padrões de variação de latência das ondas I e V e dos intervalos I-III, III-V e I-V do Brainstem Evoked Response Audiometry (BERA) em indivíduos idosos com e sem presbiacusia, comparando-os com indivíduos jovens, no sentido de se estabelecer se as alterações de limiar e discriminação auditivos, evidenciadas em pacientes presbiacúsicos, têm origem unicamente coclear ou se há também um componente retrococlear.
2.) - Avaliar a influência do sexo nas latências das ondas e nos intervalos interpicos, e se essa possível influência está relacionada com a idade dos indivíduos.
3) - Observar o comportamento das latências e dos intervalos interpicos com a variação na taxa de estimulação pelo clique de rarefação, e se a sobrecarga de estimulação das vias auditivas, com o aumento da taxa de emissão do clique, afeta de maneira diferente indivíduos jovens e idosos com e sem presbiacusia.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizada audiometria de respostas evocadas de tronco cerebral em 60 indivíduos. Todos os exames foram feitos através de um audiômetro de respostas elétricas evocadas de marca Nicolet CA 2000, constituído da fonte sonora, monitor, pré-amplificador e fones de ouvido do tipo TDH-39.
Após prévia limpeza da pele da região do vértex craniano, região frontal e lóbulos das orelhas, com éter e material abrasivo, eletrodos de metal banhados em cloreto de prata foram posicionados nesses locais, da seguinte forma: eletrodo ativo, vértex craniano; eletrodos de referência, lóbulos das ore lhas ipsilateralmente; eletrodo terra, na fronte. Depois de conectados esses eletrodos ao pré amplificador, certificava-se que sua impedância estava inferior a 4.000 Ohms.
Foram utilizados como estímulo cliques de rarefação a uma taxa 11,4 por segundo, 22,8 por segundo e 34,2 por segundo em cada paciente, sendo o número de aquisições proporcionais à taxa de liberação do clique, respectivamente em 2.000, 4.000 e 6.000 aquisições. O aumento do número de aquisições para cada aumento da taxa de liberação do clique se fez necessário, para que obtivéssemos ondas com maior reprodutibilidade. A intensidade do estímulo foi constante em 90 dB NA, com mascaramento do ouvido contralateral com ruído branco emitido a 50 dB NA. Os potenciais gerados com a estimulação eram amplificados 100.000 vezes e filtrados em uma banda passante de 150 e 3.000 Hz. O tempo total de análise foi de 10 mseg.
Os pacientes não poderiam apresentar quaisquer doenças capazes de interferir com as latências e amplitudes das ondas nos potenciais evocados auditivos, tais como alterações metabólicas (diabetes melitus, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia), endocrinopatias, nefropatias, cardiopatias, hipertensão arterial, doenças neurológicas. Todos eram submetidos a otoscopia para avaliação de ouvido externo e médio, além de audiometria tonal com discriminação vocal e imitanciometria, antes da realização do BERA. Para serem introduzidos no estudo, era necessária uma imitanciometria com curva tipo An.
Os indivíduos foram então divididos em seis grupos de estudo, tendo cada um total 10 pacientes, sendo cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino: grupo A, menores de 30 anos, normoacúsicos; grupo B, entre 30 e 39 anos, normoacúsicos; grupo C, 40 a 49 anos, normoacúsicos; grupo D, 50 a 59 anos, normoacúsicos; grupo E, maiores ou iguais a 60 anos, normoacúsicos; grupo F, maiores ou iguais a 60 anos, com presbiacusia. As idades médias de cada grupo estão representadas na Tabela 1. Cada indivíduo era submetido a exame de ouvidos direito e esquerdo, gerando um total de 100 ouvidos com audição normal e 20 com presbiacusia. Foi considerada limiar auditivo normal uma média nas freqüências entre 250, 500, 1.000, 2.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz, menor ou igual a 30 dB NA. O limiar médio de audição nos pacientes do Grupo F está representado na Tabela 2.
Os traçados tiveram as ondas I, III e V perfeitamente identificáveis e reprodutíveis em pelo menos uma segunda estimulação, ou seja, foram realizadas no mínimo duas estimulações para cada taxa de estímulo.
A análise estatística foi realizada usando-se modelo matemático ajustado para medidas repetidas no mesmo indivíduo, cujos testes dos efeitos principais foram feitos através da análise de variância. Os de sub-hipóteses foram:
a) Teste de contrastes ortogonais, para ajuste da análise de perfil das taxas de estímulo.TABELA 1 - Idade média dos pacientes observados.
TABELA 2 - Perda média de audição dos pacientes observados com no mínimo 60 anos e com deficiência auditiva (grupo F).
b) T-Student, para comparação das médias entre os sexos.
c) Teste de Tuckey, para comparar duas a duas as médias das faixas etárias com e sem perda auditiva.
As hipóteses foram testadas com nível de significância (p) máximo de 5%.
RESULTADOS
1. Análise da latência da onda I
A latência média da onda I variou em função da idade (p=0,005), do sexo (p=0,040) e da taxa de estímulo (p=0,000).
Dentro de um nível de significância de 5%, houve tendência a um aumento da latência da onda I com o aumento da idade, sendo que essa diferença foi estatisticamente significante entre os indivíduos menores de 50 anos de idade e aqueles com 60 ou mais anos, com presbiacusia. O grupo com presbiacusia foi o que apresentou maior latência da onda I (Gráfico 1).
Os indivíduos do sexo masculino tiveram latência média da onda I sempre maior em relação aos do sexo feminino, em todas as faixas etárias (Gráfico 2).
Observou-se que há aumento linear da latência da onda I em função do aumento da taxa de estímulo de 11,4, para 22,8 e para 34,2 cliques por segundo. Este aumento pode ser representado pela equação Latência = 1,5533 + 0,0047. Isto significa que para um aumento de 11,4 na taxa de estímulo, ocorreu aumento de 0,05 mseg na latência da onda I, como é representado no Gráfico 3.
Gráfico 1. Latência média observada nos ouvidos e na onda I, em função das idades com ou sem perda de audição.
Gráfico 2. Latência média observada nos ouvidos e na onda I, em função dos sexos.
Gráfico 3. Curva de resposta da latência média observada e estimada dos ouvidos, segundo o estímulo em função da onda I.
Gráfico 4. Latência média observada na onda V, em função das idades com ou sem perda de audição.
2. Análise da latência da onda V
A latência média da onda V diferiu em função do sexo (p=0,000), idade (p=0,000), estímulo (p=0,000) e de um efeito conjunto de sexo e estímulo (p=0,027).
O aumento da idade foi acompanhado de um aumento da latência da onda V, sendo que, dentro de um nível de significância de 5%, os grupos de indivíduos a partir dos 50 anos de idade, com ou sem presbiacusia, mostraram latência dessa onda significativamente maior que os menores de 30 anos. Como observado com a onda I, os indivíduos que apresentaram maior latência foram aqueles com presbiacusia (Gráfico 4).
Como evidenciado pelo Gráfico 5, os indivíduos do sexo masculino tiveram a latência da onda V em média maior que os do sexo feminino. No entanto, essa diferença só foi estatisticamente significativa (p<0,05) com as taxas de apresentação do clique em 22,4 e 34,2 por segundo.
A latência da onda V aumentou de forma linear com o aumento da taxa de estímulo no sexo masculino, e esse aumento pode ser representado pela equação Latência = 5,5331 + 0,0099 (Gráfico 6). Portanto, a cada aumento de 11,4 na taxa de estímulo, houve um aumento de 0,11 mseg na latência dessa onda.
Semelhantemente ao que ocorre em indivíduos do sexo masculino, nos do sexo feminino a latência da onda V também aumentou de forma linear com o aumento na taxa de estímulo, sendo esse aumento representado pela equação Latência = 5,4170 + 0,00789, ou seja: para um aumento de 11,4 na taxa de apresentação do clique, ocorreu um acréscimo de 0,08 mseg na latência dessa onda (Gráfico 7).
Gráfico 5. Latência média observada na onda V, segundo o sexo em função dos estímulos.
Gráfico 6. Curva de resposta da latência média observada e estimada na onda V, em função do estímulo para o sexo masculino.
Gráfico 7. Curva de resposta da latência média observada e estimada na onda V, em função do estímulo para o sexo feminino.
Gráfico 8. Interlatência média observada no intervalo interpico MU, em função dos estímulos.
3. Análise da interlatência no intervalo interpico I-III
A interlatência do intervalo I-III variou de forma estatisticamente significativa apenas em função da taxa de estímulo (p = 0,039), não sendo entretanto variável em função do sexo ou idade.
Podemos observar que a interlatência do intervalo I-III aumentou de forma linear com o aumento da taxa de estímulo. Sua relação estimada é: Interlatência = 2,1174 + 0,0025. Desse modo, um aumento de 11,4 na taxa de estímulo correspondeu a um aumento de 0,2 mseg nesse intervalo (Gráfico 8).
4. Análise da interlatência no intervalo interpico I-V
Semelhantemete ao intervalo I-III, a interlatência média no intervalo I-V só apresentou diferença estatisticamente significante em função do estímulo (p = 0,000).
A relação da interlatência no intervalo I-V em função do estímulo é do tipo linear e crescente, sendo que a relação estimada é: Interlatência = 3,8977 + 0,0051. Dessa forma, esse intervalo aumenta em 0,05 mseg para um aumento de 11,4 na taxa de estímulo (Gráfico 9).
5. Análise da ínterlatência no intervalo interpico III-V
Também aqui houve uma variação do intervalo III-V apenas em função da taxa de estímulo (p = 0,000).
Como nos demais intervalos, o III-V também aumentou de forma linear com o aumento na taxa de estímulo, estando essa variação representada pela equação Interlatência = 1,7856 + 0,0025. Assim, se aumentarmos em 11,4 a taxa de estimulação do clique, ocorrerá um acréscimo correspondente de 0,02 mseg no intervalo III-V (Gráfico 10).
DISCUSSÃO
Os potenciais evocados auditivos de tronco cerebral têm-se constituído em instrumento valioso para o topodiagnóstico de afecções auditivas. Desde a definição, por Jewett, em 1971, das ondas dos potenciais evocados auditivos precoces, com seus possíveis locais de origem6, vários autores têm publicado trabalhos enfatizando a importância do BERA no diagnóstico de doenças retrococleares. Já em 1976, Starr e Hamilton descrevem as possíveis origens das ondas I e V e demonstram o valor do BERA no diagnóstico de doenças do sistema nervoso central16.
Gráfico 9. Interlatência média observada e estimada no intervalo I-V, em função dos estímulos.
Desde a criação, por Zwaardemaker, em 1894, do termo presbiacusia20, muitos autores têm tentado desvendar os mecanismos fisiopatológicos dessa entidade. Alguns trabalhos tentam relacionar as alterações do BERA em pacientes idosos e/ou presbiacúsicos, embora os resultados entre esses estudos permaneçam contraditórios.
Portanto, nosso estudo não tem a pretensão de se mostrar definitivo em relação à fisiopatologia da presbiacusia, mas, sim, colocar-se como um parâmetro a mais para as discussões que se possam travar sobre esse assunto.
As latências das ondas I e V variaram em função da idade, sexo e taxa de estímulo, sendo que, em relação à onda V, houve um efeito conjunto entre sexo e estímulo.
Apesar de uma tendência a aumento da latência da onda I com o aumento da idade, não houve diferença estatisticamente significante entre os pacientes com normoacusia. A significância estatística só se deu entre o grupo de menores que 50 anos e aqueles a partir de 60 anos com presbiacusia. A onda V também foi significativamente maior em idosos presbiacúsicos em relação àqueles menores de 50 anos normoacúsicos. Estes resultados estão de acordo com os estudos de Rosenhall e colaboradores (1986)12 e Martini e colaboradores (1991)1, que mostraram haver aumento da latência de todos os componentes do BERA em indivíduos presbiacúsicos, e evidenciaram que as alterações de latência estão mais ligadas à forma do audiograma que propriamente à idade, como proposto por Watson em 199619. Pacientes com lesões sensoriais em alta freqüência têm como resultado aumento maior da latência da onda I, que é secundária a ativação de porções mais basais, em relação à onda V, que resulta da ativação mais difusa da cóclea.
Gráfico 10. Interlatência média observada e estimada no intervalo III-V, em função dos estímulos.
Indivíduos do sexo masculino obtiveram latência das ondas sempre maior que as do feminino. Entretanto, para a onda V, esta diferença foi estatisticamente significante para as taxas de estímulo de 22,8 e 34,2 cliques por segundo. Inúmeros outros estudos1, 19 evidenciam resultados semelhantes. Essa diferença está provavelmente relacionada com o tamanho da cabeça e do tronco cerebral, que são relativamente maiores em homens que em mulheres, promovendo maior distância entre a fonte geradora e os eletrodos captadores da atividade elétrica, ou a outros fatores, tais como o comprimento do canal auditivo externo ou o diâmetro do nervo auditivo1, 17.
Considerando-se a taxa de estimulação com o clique de rarefação, observou-se que há um aumento linear das latências das ondas I e V com o aumento da taxa de estímulo. Esta relação foi também confirmada pelos trabalhos de Don e colaboradores4, 1977, Rowe13, 1978 e Soucec e Mason15, 1992. Don e colaboradores (1977) sugerem estar esse aumento da latência das ondas ligado a um mecanismo de fadiga neural e acomodação4. Esses fenômenos ocorrem devido a alterações metabólicas de receptores neurais conseqüentes a sua ativação. Os sistemas sensoriais requerem um período de tempo determinado, seguinte a um estímulo adequado, para completa recuperação de sua responsividade. Se um novo estímulo ocorre antes desse período, o sistema irá responder de forma alterada (atenuado ou prolongado em latência).
Em todos os três intervalos, houve variação da interlatência relacionada apenas à taxa de estímulo, ou seja: os intervalos interpicos variaram de forma linear e crescente com o aumento da taxa de emissão do clique.
Em relação à taxa de estímulo, nossos resultados são confirmados pelos trabalhos de Rowe13, em 1978, e Stockard e colaboradores17, também em 1979, sendo que o primeiro autor não evidenciou variação do intervalo III-V. O prolongamento nos intervalos explica-se pelo fenômeno de adaptação, quando estímulos repetidos, sem um adequado tempo interestímulo ME) levam a uma diminuição no número de fibras estimuladas, bem como a uma diminuição na relação estímulo/freqüência de descarga das fibras nervosas, como proposto por Thorton e Coleman18 em 1975.
A maioria dos estudos correlacionando as variações do BERA em relação ao sexo têm demonstrado que indivíduos do sexo masculino têm os intervalos interpicos maiores que os do sexo feminino1, 11, 17, 19. Os autores explicam essa variação pela diferença do tamanho do cérebro entre os indivíduos de um e outro sexo. O volume do cérebro nos homens é, em média, cerca de 10% maior que o das mulheres3. Por outro lado, as vias nervosas centrais variam em comprimento, com o cubo do volume do cérebro14. Assim, o maior valor dos intervalos interpico em indivíduos do sexo masculino em relação aos do sexo feminino pode estar ligado a um maior comprimento das vias auditivas centrais nos primeiros. Em nosso estudo, apesar de no geral os intervalos I-III, III-V e I-V terem sido maiores em homens do que em mulheres, com o método estatístico empregado não foi observada significância.
A variação das interlatências em relação à idade e presbiacusia é o parâmetro que permanece mais controverso. Estudos realizados em sujeitos normoacúsicos revelam um progressivo aumento dos intervalos, principalmente do I-V, com o aumento da idade9, 13. Outros relacionam o aumento do intervalo I-V em indivíduos idosos presbiacúsicos com indivíduos jovens normoacúsicos. Defendem estar esse aumento ligado a alterações das vias auditivas centrais no tronco cerebral, presentes na presbiacusia1, 8, 12. Entretanto, os trabalhos de Rosenhall e colaboradores11, 1985, Martini e colaboradores7, 1991, Ottaviani e colaboradores10, 1991, Soucec e Mason15, 1992 e Watson19, 1996, descartam o tronco cerebral como possível contribuinte na gênese da presbiacusia. Em nosso estudo, em nenhum dos intervalos interpicos estudados (I-III, I-V e III-V) houve alteração estatisticamente significativa relacionada à idade ou a presença de presbiacusia, o que ratifica os achados desses últimos autores. Esse fato, associado ao aumento absoluto da latência das ondas I e V em indivíduos presbiacúsicos, sugere uma origem coclear para essa patologia.
Na maioria, os estudos onde se encontra uma associação positiva entre presbiacusia e patologia do tronco cerebral, não têm levado em consideração os limiares auditivos tonais e a forma do audiograma, que pode influenciar na interlatência do intervalo I-V, como foi publicado por Ottaviani e colaboradores10, em 1991, e Watson19 em 1996. Os primeiros autores comparam o intervalo I-V de idosos presbiacúsicos com o de jovens com trauma sonoro (lesão sabidamente coclear), de limiar tonal e formato do audiograma correspondentes, não observando diferença significativa. O segundo autor afama que a onda I tem o aumento de sua latência associado ao aumento dos limiares em alta freqüência, enquanto que o aumento da latência da onda V está mais relacionado ao grau de inclinação da curva descendente do audiograma.
Apesar de os trabalhos de Behse e Buchthal (1971)2 afirmarem que a velocidade de condução nervosa diminui com a idade, nosso estudo não evidenciou prolongamento dos intervalos I-III, III-V e I-V em indivíduos idosos com ou sem presbiacusia. Podemos com isso concluir que as vias auditivas no tronco cerebral não são afetadas em grau mensurável nesses indivíduos, ou seja: a lesão na presbiacusia é predominantemente periférica.
CONCLUSÕES
1.) - As latências absolutas das ondas I e V, são maiores em indivíduos idosos com presbiacusia quando comparadas com as de jovens normoacúsicos.
2.) - Os homens possuem latência das ondas I e V maiores que as mulheres, o que provavelmente está relacionado ao maior volume do crânio em indivíduos do sexo masculino, deixando a fonte geradora da onda mais distante do eletrodo de superfície.
3.) - A latência das ondas I e V, e os intervalos interpico I-III, IV e III-V aumentam de forma linear com o aumento da taxa de emissão do clique, sendo esse achado explicado pelos fenômenos de fadiga e acomodação neurais.
4.) - Não há variação de qualquer dos intervalos interpico em relação ao sexo dos indivíduos.
5.) - Em nenhum dos intervalos interpico houve variação relacionada à idade ou e a presença ou ausência de perda auditiva, o que, associado ao aumento da latência das ondas em indivíduos presbiacúsicos, sugere uma origem coclear para essa patologia.
AGRADECIMENTOS
À Prof. Dra. Rosa Mota, do Departamento de Estatística e Matemática Aplicada da Universidade Federal do Ceará, pela análise estatística dos resultados.
À Sra. Maria Rossato, técnica de laboratório do Setor de Otorrinolaringologia dó HCFMRP-USP, pelo auxílio na execução dos exames e seleção dos pacientes.
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* Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
** Professor Titular e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP.
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP.
Apresentado como tema livre na forma de pôster no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado em Porto Alegre/RS entre 18 e 22 de novembro de 1998 e como conferência no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado em São Paulo/SP entre 13 e 18 de novembro de 1999.
Endereço para correspondência: Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará - Rua Professor Costa Mendes, 1608 - Rodolfo Teófilo - 60430-140 Fortaleza/CE - Telefax: (0xx85) 288-8065.
Artigo recebido em 14 de junho de 2000. Artigo aceito em 7 de dezembro de 2000.