Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (20º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 123 a 126
Schwannomas de Septo Nasal - Relato de Casos e Revisão da Literatura.
Nasal Septum Schwannomas - Cases Report and Review, of the Literature.
Autor(es):
Carlos K. Takara*,
Lídio Granato**,
Edson Taciro*,
Oswaldo A. B. Rios***,
Veridiana S. B. Brasileiro****,
Mariana Bianco*****.
Palavras-chave: septo nasal, schwannoma, neurinoma
Keywords: nasal septum, schwannoma, and neurinoma
Resumo:
Os schwannomas benignos são tumores comuns das bainhas dos nervos periféricos, nervos autonômicos e, particularmente, pares cranianos. De 25 a 45% desses tumores estão localizados na região de cabeça e pescoço. Na cavidade nasal e seios paranasais são raros e ainda mais raros no septo nasal. É um tumor ricamente vascularizado, de crescimento lento, cujo tratamento de escolha é a excisão cirúrgica. Os autores relatam os primeiros casos de schwannoma de septo nasal tratado endoscopicamente e fazem revisão da literatura.
Abstract:
Benign schwannomas are common tumors that arise from the neural sheath of peripheral, autonomic, and cranial nerves. Between 25% e 45% of all such lesions occur in the region of the head and neck, but in nose and paranasal sinus are rare. Schwannomas of nasal septum are really rare lesions. Because schwannomas are radio resistant, complete surgical excision is the treatment of choice. Paranasal sinus schwannomas have a rich vascular supply, are generally slow growing, and may achieve large size with multiple sinus involvement before detection. The authors presented two cases of nasal septum schwannomas and reviewed the literature concerning diagnosis and management.
INTRODUÇÃO
Os schwannomas de cavidade nasal e seios paranasais são raros'. Não apresentam predileção por idade, sexo ou raça, embora sejam mais comuns em pacientes com mais de 20 anos de idade.
A evolução é longa e a sintomatologia inespecífica, podendo ocorrer apenas obstrução ou sangramento nasal. A comprovação diagnóstica é feita através do exame anatomo-patológico após excisão cirúrgica ou biópsia.
Devido à raridade e também por serem os únicos casos de origem septal, tratado através de cirurgia endoscópica funcional, os autores acham interessante divulgá-los e fazem revisão da literatura.
RELATO DE CASOS
Caso 1
A. M. S, com 52 anos de idade, do sexo feminino, de cor branca, natural da Bahia, com queixa de obstrução nasal direita progressiva há um ano, que se intensificou há seis meses, quando passou também a apresentar sangramento nasal esporádico e respiração bucal.
Refere amigdalectomia há 22 anos.
Ao exame otoscópico, apresentava otite média secretora em orelha direita. Na cavidade nasal direita visualizava-se massa de 2,5 cm de diâmetro com superfície lisa, avermelhada, endurecida, facilmente sangrante e dolorosa (Figura 1).
A tomografia computadorizada mostrava imagem com densidade de partes moles que ocupava a cavidade nasal, com característica expansiva e sem alterações líticas (Figuras 2 e 3).
Caso 2
M. E. N. N. B., com 45 anos de idade, do sexo feminino, de cor branca, natural de Serra Pelada /MG, psicóloga.
A paciente referia sangramento nasal há dois meses pela fossa nasal esquerda
Ao exame ORL, observava-se na fossa nasal esquerda massa de superfície lisa, brilhante, hipervascularizada, com característica de pólipo e que se estendia desde a região do cometo médio até o superior e se implantava no septo nasal na sua porção médio-posterior. Recobria parcialmente o corneto inferior.
A tomografia computadorizada, à semelhança do caso anterior guardava as mesmas características, de lesão expansiva, sem alterações ósseas. No entanto, era ligeiramente maior (3,0 x 1,0) e bloqueava a região óstiomeatal determinando retenção de material espesso dentro do seio maxilar e etmoidal esquerdo (Figuras 4 e 5).
Em ambos os casos, à injeção do contraste paramagnético não houve áreas de realce anômalo.
Figura 1. Visão endoscópica do schwannoma septal que ocupava, em todo o seu diâmetro, a porção anterior da cavidade nasal direita, logo após a região do vestíbulo.
Figura 2. Corte axial de tomografia computadorizada de seios da face, que mostra tumor de limites precisos, arredondado, sem lesões ósseas, de consistência de partes moles ocupando apenas fossa nasal direita, oriunda do septo.
Foi optado por tratamento cirúrgico por via endoscópica nasalem ambos os casos. No intra-operatório, as massas eram muito sangrantes e dificultavam suas extirpações. Foi feita incisão vertical e descolamento da mucosa septal, com o intuito de remover a lesão em monobloco, já que a sua aderência era bem firme à mucosa septal nos dois casos. Para facilitar a sua remoção, injetou-se peróxido de hidrogênio a 10 volumes (3,5%) com agulha fina no interior do tumor. A massa ficou isquêmica, com diminuição significativa do sangramento.
Figura 3. Corte coronal de tomografia computadorizada de seios da face, mostrando tumor de limites precisos, que ocupa a região anterior da cavidade nasal, sem destruição óssea.
A retirada da lesão juntamente com a mucosa septal resultou numa área desnuda mucoperiosteal de 2 cm de diâmetro no primeiro caso; e 3 cm, no segundo. Foi realizada cauterização nas margens remanescentes da mucosa septal e tamponamento convencional da cavidade nasal direita e esquerda, respectivamente.
Os pós-operatórios não apresentaram intercorrências e os exames anátomo-patológicos revelaram schwannoma de mucosa nasal.
DISCUSSÃO
O envolvimento da cavidade nasal e seios paranasais pelo schwannoma é muito raro. Não apresenta predileção por idade, sexo ou raça, mas é mais comum acima de 20 anos de idade. A região de cabeça e pescoço é acometida em 20% a 45% dos casos (Ross e colaboradores, 1988). Os seios paranasais mais afetados em ordem decrescente são: etmoidal, maxilar, esfenoidal e frontal. O local mais raramente acometido na cavidade nasal é o septo nasal (Shugar e colaboradores, 1981). Até 1993 apenas 11 casos de schwannoma em septo nasal haviam sido descritos (Oi e colaboradores, 1993) e em nenhum deles houve tratamento através de cirurgia endoscópica nasal.
O schwannoma foi descrito pela primeira vez por Verocay, em 1908, e é derivado das células de Schwann a partir da crista neural (Kaufman, 1976).
Na região de cabeça e pescoço, os schwannomas foram descritos no meato acústico interno (o nervo acústico é o mais acometido), faringe, espaço parafaríngeo, língua, palato mole, laringe, meato auditivo externo e traquéia. São benignos e crescem lentamente; porém, podem apresentar malignização (Kaufman, 1976; Supiyaphun e colaboradores, 1997).
Figura 4. Corte sagital mostra a presença de massa bem delimitada, fixada no septo nasale ocupando a porção médio-posterior de fossa nasal esquerda (3,0x1,0).
Os schwannomas são tumores vascularizados e apresentam sangramento durante o procedimento cirúrgico. Geralmente, têm a superfície acinzentada com áreas amareladas. A cor amarelada, quando presente, é patognomônica dê schwannoma e está relacionada com a presença de mastócitos.
Outro tipo de tumor benigno da bainha de Schwann é o neurofibroma, que é relativamente bem circunscrito, não encapsulado, encontrado com maior freqüência na pele é tecido celular subcutâneo. Os dois tumores diferenciam-se pelo fato do schwannoma se originar da célula de Schwann e o neurofibroma dos axônios da bainha (Hawkins e Luxford, 1980).
Os nervos craniais, nervos espinhais e nervos autonômicos têm células de Schwann e podem originar o schwannoma (Hawkins e Luxford, 1980). Os nervos olfatório e óptico são extensão do sistema nervoso central, envoltos por células gliais e, portanto, não são acometidos por este tipo de tumor.
A aparência macroscópica é gelatinosa ou cística; é a coloração, amarelada. É geralmente bem circunscrito. Ao exame microscópico, a principal característica é o núcleo em paliçada e o estroina liso e compacto. As fibras compactas do estroma, com áreas celulares organizadas, são chamadas de Antoni tipo A, enquanto que as fibras lisas do tipo Antoni B são as áreas celulares desorganizadas. É difícil a determinação da origem do tumor na cavidade nasal, mas acredita-se que seja o nervo etmoidal anterior (inerva a porção anterior dó septo), o nervo nasopalatino (inerva a porção posterior) ou fibras autônomas distribuídas pelo septo (Oi e colaboradores, 1993).
Figura 5. Corte coronal mostra a massa ocupando quase toda a fossa nasal esquerda, iniciando no septo e recobrindo a concha superior, média e parcialmente a inferior.
Não há sintomas característicos do schwannoma de cavidade nasal. A história é de massa que se expande lentamente por vários anos. A queixa inicial é epistaxe ou obstrução nasal. Outros sintomas incluem edema facial, rinorréia mucopurulenta, hiposmia, dor e comprometimento de nervos cranianos.
A tomografia computadorizada é o estudo radiológico mais importante, pois permite planejamento cirúrgico e identificação de envolvimento intracranial e/ou intraorbital. A preservação óssea é um achado importante, pois permite diferenciá-lo das lesões mais destrutivas, como os sarcomas e carcinomas. O schwannoma tem um aumento de densidade no centro da lesão e, após o contraste, há um aumento na sua periferia, devido à neovascularização ou aumento da sua vascularização.
Há poucos estudos de tumores neurogênicos através da ressonância magnética. É um exame muito interessante, pois permite diferenciar o tumor nos tecidos moles que estão adjacentes ao mesmo, mas falha na informação sobre o comprometimento ósseo. Por esta razão, a tomografia computadorizada complementa muito bem o estudo.
Como diagnóstico diferencial, tem que se considerar os adenomas pleomorfos, tumores da linhagem mesenquimal como os sarcomas, assim como os carcinomas de baixa malignidade.
Apesar de benignos, podem apresentar evolução desfavorável, dependendo da localização na raiz dos nervos craniais ou espinhais. O tratamento do tumor solitário é a remoção cirúrgica, e o prognóstico é excelente.
A abordagem cirúrgica clássica dos schwannomas nasais é a rinotomia lateral, que oferece boa exposição para excisão completa. Nos presentes casos, a via de abordagem foi endoscópica endonasal, que não foi relatada em nenhum outro artigo.
A remoção foi feita, após localização da inserção do tumor, com uma incisão na mucosa septal e descolamento junto ao septo, com remoção do tumor em monobloco nos dois casos.
A via endonasal, apesar da dificuldade, mostrou-se eficiente e segura, evitando a abordagem por via externa. A grande vantagem deste acesso é a menor morbidade, evitando cicatriz facial, que por vezes pode ser inestética.
Outro acesso para os tumores benignos nasais é o degloving médio-facial-que, embora constitua uma boa via de acesso, torna o tempo cirúrgico bem mais longo e elaborado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. HAWKINS, D. B.; LUXFORD, W. M. - Schwannomas of the head and neck in children. Laryngoscope, 90 (12):1921-6, 1980.
2. KAUFMAN, S. M.; CONRAD, L. P. - Schwannoma presenting as a nasal polyp. Laryngoscope, 595-7, 1976.
3. OI, H.; WATANABE, Y.; SHOJAKU, H.; MIZUKOSHI, K. Nasal septum neurinoma. Acta Otolaryngol. (Stockh) 504 (suppl): 151-4, 1993.
4. ROSS, C.; WRIGHT, E.; MOSELEY, J; REES, R. - Massive schwannoma of the nose and paranasal sinuses. South Med. J., 81 (12): 1588-91, 1988.
5. SHUGARJ. M. A.; SOM, P. M.; BILLER, H. F. -Peripheral nerve sheath tumors of the paranasal sinuses. Head Neck Surg., 4: 726, 1981.
6. SUPIYAPHUN, P.; SNIDVONGS, K.; SHUANGSHOTI, S.; KHOWPRASERT, C. - Malignant transformation in a benign encapsulated schwannoma of retropharyngeal space: a case report. J. Med. Assoc. Thai, 80 (8): 540-6, 1997.
* Doutorando do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo.
*** Pós-Graduando do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
**** Residente do 3° Ano do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
***** Residente do 1° Ano do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa de São Paulo.
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia - São Paulo. Rua Dr. Cesário Morta Jr., 112 - Vila Buarque - 01277-900 São Paulo/SP.
Artigo recebido em 4 de julho de 2000. Artigo aceito em 10 de agosto de 2000.