Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (14º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 90 a 93
Estudo Descritivo de 451 Atendimentos na Campanha da Semana Nacional da Voz.
National Voice Week: Descriptive Study of 451 Patients.
Autor(es):
João B. Ferreira*,
Diogenes S. Ferreira**.
Palavras-chave: voz, rouquidão, afecções laríngeas
Keywords: voice, hoarseness, laryngeal diseases
Resumo:
Introdução: A Semana Nacional da Voz constituiu-se em uma campanha realizada de 12 a 16 de abril de 1999 e tornou-se o primeiro evento de grande abrangência dirigido à população brasileira, voltado para a importância da função fonatória. Objetivo: Apresentar os resultados obtidos de 451 consultas, sem exames complementares, no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFG durante a Campanha da Semana Nacional da Voz. Casuística e método: Quatrocentos e cinqüenta e um pacientes passaram por uma triagem inicial, sendo atendidos por fonoaudiólogos que preencheram manualmente formulário de anamnese, próprio da Campanha, para cada paciente. Este, em seguida, foi atendido por otorrinolaringologista e examinado pelo método convencional, a laringoscopia indireta, e orientado. Resultados: Entre os 451 pacientes atendidos, 350 (77,60%) relataram dois ou mais sintomas; 93 (20,62%), apenas um sintoma; e 8 (1,78%) não referiram queixa. Os sintomas mais freqüentes foram: rouquidão, em 262 pacientes (58,09%); dor de garganta, em 260 (57,65%); e pigarro, em 260 (57,65%). Após o exame do otorrinolaringologista, em 270 casos (59,87%), não existia evidência de alteração vocal e/ou faringo-laríngea ou regional; em 87 casos (19,29%) havia evidência e em 94 casos (20,84%) não foi possível assegurar se havia ou não alteração. Dos 87 pacientes com evidência de alteração, 51 (11,31%) possuíam alterações propriamente laringeas (funcionais ou orgânicas); e, destas, 2 (0,44%) indicativas de neoplasia maligna. Conclusão: Entre 451 pacientes atendidos na Campanha, 51 (11,31%) apresentaram evidência clínica de alterações situadas na laringe, das quais duas (0,44%) sugestivas de neoplasia maligna.
Abstract:
Introduction: The National Voice Week, which took place between April 12th and 16th, 1999, became the first large event related to the importance of the phonatory function aimed to the Brazilian population. Aim: To present the data obtained from 451 consultations, without further diagnostic exams, in the Otolaryngology Division of the Department of Surgery of the UFG Medical School during the National Voice Week. Material and method: Four hundred and fifty one patients were initially interviewed by speech therapists who filled in a form for each one of them. Each patient was then interviewed by an otolaryngologist and examined by the conventional method, indirect laryngoscopy, and oriented. Results: Among 451 patients, 350 (77,60%) had two symptoms, 93 (20,62%) had only one and 8 (1,78%) had no complaint. The most frequent symptoms were: hoarseness, in 262 patients (58,09%); sore throat, in 260 patients (57,65%) and cough clearing, in 260 patients (57,65%). After the otolaryngological examination, 270 patients (59,87%) had no evidence of vocal, pharyngeal, laryngeal or regional alterations; 87 patients (19,29%) had evidence of such alterations and it was not possible to assure if there were alterations in 94 patients (20,84%). Among the 87 patients that had evidence of alterations, 51(11,31%) had laryngeal alterations (functional or organic) , and 2 (0,44%) of these were suspect of malignancies. Conclusion: Among 451 patients interviewed and examined during the event, 51 (11,31%) showed clinical evidence of alterations located in the larynx, and 2 (0,44%) of these were suspect of malignancies.
INTRODUÇÃO
A Semana Nacional da Voz constituiu-se em uma campanha realizada de 12 a 16 de abril de 1999 e tomou-se o primeiro evento de grande abrangência dirigido à população brasileira voltado para a importância da função fonatória e os cuidados com a voz. Foi promovida pela Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia e Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz. Este trabalho decorre da participação do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás no evento e da atuação de fonoaudiólogos. Baseou-se nas diretrizes da Campanha, cujo atendimento caracterizou-se pela triagem, exame clínico otorrinolaringológico e orientação dos pacientes. Limitações propedêuticas relativas ao conjunto de ações programadas e à dinâmica necessária ao atendimento excluíram a obrigatoriedade de diagnóstico definitivo durante a Campanha nos seus três níveis básicos conhecidos: etiológico, anatômico e funcional3.
O trabalho tem por objetivo apresentar os resultados obtidos de 451 consultas, sem exames complementares, no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás durante a Campanha da Semana Nacional da Voz.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Foram examinadas 451 pessoas no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, durante a Campanha da Semana Nacional da Voz, as quais passaram por uma triagem realizada por fonoaudiólogos. Formulário de anamnese próprio da Campanha foi preenchido manualmente para cada paciente, com os seguintes itens: dados de identificação, queixa ou razão do atendimento (dor de garganta, disfagia, rouquidão, pigarro, voz alterada, outras), tempo de evolução dos sintomas e sua persistência, freqüência, eventualidade ou raridade, abuso/fadiga vocal, fatores de risco (tabaco, álcool, poluição) e avaliação perceptiva da voz (adaptada, rouca, áspera, soprosa, bitonal, inadequada para o sexo e para a idade). Após os fonoaudiólogos emitirem opinião sobre evidências ou não de alteração vocal e/ou faringo-laríngea, o paciente foi atendido por otorrinolaringologista e examinado pelo método convencional -laringoscopia indireta. O exame foi realizado utilizando-se fotóforo, espátula e espelho de Garcia. Anestesia local da mucosa faringo-laríngea foi realizada nos casos nos quais foi necessário, com lidocaína a 10%, mediante uma a três nebulizações, para se evitar o reflexo nauseoso. O exame baseou-se na observância dos itens no formulário: (1) não apresenta evidências de alteração vocal e/ ou faringo-laríngea e (2) apresenta evidências de alteração vocal e/ou faringo-laríngea (pré-neoplásica, neoplásica benigna ou maligna). Após a laringoscopia, os pacientes foram orientados pelo profissional. Com as informações obtidas dos formulários, foi montado um banco de dados em computador ulilizando o programa Epi Info versão 6.04 e as variáveis analisadas por meio de tabelas de freqüência no programa Analysis.
RESULTADOS
Entre 451 pacientes atendidos, 301 (66,74%) eram do sexo feminino; e 150 (33,26%) do masculino, com idade entre 3 e 90 anos e variavam entre 86 diferentes ocupações. A distribuição dos pacientes por faixas etárias pode ser vista na Tabela 1.
As profissões ou ocupações mais freqüentes foram: atividades do lar, 109 (24,17%); estudantes, 38 (8,42%); costureiras, 15 (3,32%); professores, 13 (2,88%); funcionários públicos, 11 (2,44%) e vendedores, 11 (2,44%). Entre outras profissões menos freqüentes, foram atendidos dois cantores (0,44%).
Do total de pessoas avaliadas, 89 (19,73%) julgaram usar sua voz profissionalmente.
Trezentos e cinqüenta pacientes (77,60%) relataram duas ou mais queixas; 93 (20,62%), apenas uma queixa; e 8 (1,78%) não referiram queixa. A freqüência das queixas foi: rouquidão, 58,09%; dor de garganta, 57,65%; pigarro, 57,65%; voz alterada, 23, 50%; disfagia, 20,18%; e outras queixas, 22,39%.
Tempo de evolução dos sintomas: 337 casos (74,73%), acima de 6 meses; 89 casos (19,73%), entre 3 semanas e 6 meses; e 25 casos (5,54%), menor que 3 semanas. Os sintomas eram freqüentes em 178 pacientes (39,47%), persistentes em 148 (32,82%), eventuais em 103 (22,84%) e raros em 22 pacientes (4,87%).TABELA 1 - Distribuição de pacientes atendidos por faixa etária.
Legenda: * Freqüência relativa acumulada.
TABELA 2 - Resultados obtidos do exame otorrinolaringológico.
Tabela 3 - Resultados quanto à freqüência de alterações laríngeas e extralaríngeas.
Legenda: * Sendo duas sugestivas de neoplasia maligna.
Já haviam consultado, anteriormente à campanha, 194 pacientes (43,01%).
Referiram abuso da voz 156 pessoas (34,59%). Entre estas, 81 (51,92%) abuso freqüente, 40 (25,64%) abuso persistente, 28 (17,95%) abuso eventual e 7 (4,49%) abuso raro.
Quanto aos hábitos de vida, 159 pessoas (35,26%) estavam habituadas ao tabagismo ou etilismo. Destas, 86 pessoas (19,07%) eram tabagistas e 73 (16,19%) etilistas, sendo 31(6,87%) tabagistas e etilistas. Relataram exposição a ambiente poluído 184 pessoas (40,80%).
Entre as mulheres, 51(16,94%) referiram tabagismo, 29 (9,63%) etilismo e 13 (4,32%) tabagismo e etilismo. Entre os homens, 34 (22,67%) relataram tabagismo, 43 (28,67%) etilismo e 18 (12,00%) os dois hábitos.
Pela avaliação perceptiva da voz, 265 pessoas (58,76%) possuíam a voz adaptada, 129 (28,60%) voz rouca, 16 (3,55%) voz áspera, 4 (0,89%) voz bitonal, 3 (0,67%) voz soprosa, 2 (0,44%) voz inadequada para o sexo, 2 (0,44%) voz inadequada para a idade e 30 pessoas (6,65%) tiveram avaliação não assinalada.
Segundo os formulários da triagem inicial realizada por fonoaudiólogos, 280 pacientes (62,08%) apresentavam evidência de alteração vocal e/ou faringo-laríngea, 147 (32,60%) não apresentavam evidência de alteração e 24 (5,32%) estavam indefinidos.
Após o exame otorrinolaringológico, em 270 casos (59,87%) não existia evidência de alteração vocal e/ou faringolaríngea ou regional, em 87 casos (19,29%) havia evidência e em 94 casos (20,84%) não foi possível assegurar se havia evidência de alteração (Tabela 2). Entre os 87 pacientes com evidências de alteração, 51 (11,31%) possuíam alterações propriamente laríngeas (orgânicas ou funcionais), e, destas, 2 (0,44%) eram indicativas de neoplasia maligna à laringoscopia indireta. Os 36 pacientes (7,98%) restantes apresentavam evidências de alterações extralaríngeas (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Este estudo mostra o resultado de parte do atendimento realizado na Semana Nacional da Voz em nível estadual, pois corresponde somente às consultas de pacientes no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.
A laringe constitui-se em um órgão apropriado às funções respiratória e fonatória, mantendo com a faringe (respiração e deglutição) íntima relação anátomo-topográfica e também funcional. À semelhança de outros órgãos, pode ser sede de diversas afecções, como se verifica na prática e, extensamente, na literatura1, 5, 4. Várias alterações, por exemplo, congênitas, infecciosas, traumatismos, tumores benignos e malignos, imunodeficiências e alergias são conhecidas, bem como fatores de risco (álcool, fumo, poluentes) e alguns predisponentes, entre eles o mau uso ou abuso vocal, além de outros fatores ambientais. Os sintomas conseqüentes, como disfonia, dispnéia, tosse, transtornos de sensibilidade e motricidade (dor, paresia, paralisia), disfagia2 e aspiração, entre outros, são também conhecidos. O tratamento das doenças da laringe deve ser precedido do diagnóstico, sendo este baseado na anamnese, quadro clínico, exame otorrinolaringológico completo e exames complementares. Parte da população com enfermidade laríngea, na presença de sintomas (sejam iniciais e mesmo tardios) ou voluntariamente exposta a fatores de risco, não busca atendimento médico em tempo conveniente.
Na nossa casuística, verificamos que aproximadamente dois terços dos 451 pacientes atendidos pertenciam ao sexo feminino. Pacientes de diversas faixas etárias compareceram às consultas, apresentando o mais jovem três anos e o mais idoso 90 anos. O maior número de pacientes (23,50%) estava na faixa de 41 a 50 anos; e o menor (0,89%), na faixa de 81 a 90 anos. Podemos observar que a procura por consultas foi ascendente da primeira à quinta década de vida e descendente entre esta e a nona década.
Entre as 86 diferentes ocupações das pessoas atendidas, a maior freqüência pertenceu às mulheres com atividades do lar. Mais de três quartos dos pacientes avaliados (77,60%) relataram duas ou mais queixas; e cerca de um quinto (20,62%), somente uma queixa, sendo que 8 pacientes (1,78%) foram consultar sem sintomatologia.
Com relação à freqüência das queixas, rouquidão (58,09%), dor de garganta (57,65%) e pigarro (57,65%) foi as mais comuns, seguindo-se o relato de voz alterada (23,50%) e disfagia (20,18%), além de outras queixas (22,39%).
Destacamos que uma variedade de queixas foi relatada e foi por vezes difícil ao paciente definir qual a principal. Há a hipótese de que tal dificuldade e a diversidade de queixas de um mesmo paciente estejam em parte relacionadas com a forma de publicidade da Campanha, chamando a atenção da população para os cuidados com a voz e ao mesmo tempo enfatizando e divulgando a importância de diversos sintomas possíveis, e convocando para exame.
No que tange ao tempo de evolução dos sintomas, aqueles acima de 6 meses de duração foram mais freqüentes, referidos em 337 casos (74,36%). Subjetivamente, 39,47% dos pacientes caracterizaram os sintomas como freqüentes, 32,82% persistentes, 22,84% eventuais e 4,87% raros.
É importante ressaltar a quantidade de pessoas que relataram convívio com fatores de risco: dos 451 pacientes atendidos, 159 (35,26%) eram tabagistas e/ou etilistas e 40,80% estavam expostos a ambiente poluído.
Pela avaliação perceptiva realizada por fonoaudiólogos, observou-se em 265 pacientes (58,76%) a voz adaptada e em 129 (28,60%) a voz rouca. Nos demais, 16 (3,55%), voz áspera; 4 (0,89%), voz bitonal; 3 (0,67%), voz soprosa; 2 (0,44%), voz inadequada para o sexo; e 2 (0,44%), inadequada para a idade.
Conforme se deduz dos resultados, houve discordâncias entre a sintomatologia referida pela população, as opiniões subjetivamente emitidas na triagem pelos fonoaudiólogos sobre evidências ou não de alteração vocal e/ou faringo-laríngea e aqueles resultados observados após o exame otorrinolaringológico. Devemos considerar os obstáculos próprios de uma campanha desta magnitude, o enorme envolvimento populacional e de profissionais e as limitações de propedêutica clínica e armada praticadas nessas condições.
Uma vez realizado o exame pelo otorrinolaringologista (laringoscopia indireta), verificou-se que mais de metade dos 451 pacientes (59,87%) não possuía evidência de alterações e em 20,84% não foi possível assegurar se havia evidência de alteração. Entre os 87 pacientes (19,29%) com evidência de alteração, 51(11,31%) foram classificados como portadores de alterações orgânicas ou funcionais observadas na topografia da própria laringe (nódulo de prega vocal, pólipos, cistos, laringite aguda/ crônica, leucoplasia, edema de Reinke, alterações de motricidade - paresia e paralisia de prega vocal, além de outras); destes, dois pacientes (0,44%) possuíam alterações indicativas de neoplasia maligna laríngea. Trinta e seis (7,98%) dós 87 pacientes eram portadores de alterações extralaríngeas (faringites, amigdalites, abcesso periamigdaliano, bócio, fissura palatina, entre outros).
CONCLUSÃO
Entre 451 pacientes atendidos na Campanha, 87 (19, 29%) apresentaram evidência clínica de alteração vocal e/ou faringolaríngea ou regional, sendo 51(11,31%) situadas na laringe, das quais 2 (0,44%) eram sugestivas de neoplasia maligna.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Professor Doutor Adjunto do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.
** Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Goiás.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.
Endereço para correspondência: João Batista Ferreira - Avenida R-9, 30 - Setor Oeste - 74125-110 Goiânia/ GO - Telefone/Fax: (0xx62) 291-2944
Artigo recebido em 9 de maio de 2000. Artigo aceito em 6 de novembro de 2000.