Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (13º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 84 a 88
Paracoccidioidomicose Laríngea: Estudo Retrospectivo de 21 Anos.
Paracoccidioidomycosis of the Larynx: A 21 Year Review.
Autor(es):
Adriana G. D. Bastos*,
Andréa G. Martins**,
Fernando C. Cunha***,
Marise P. C. Marques****,
Paulo P. Melo*,
Shiro Tomita*****,
Valéria M. O. Alonso******.
Palavras-chave: paracoccidioidomicose, laringe, lesões mucosas
Keywords: paracoccidioidomycosis, larynx, mucosae lesions
Resumo:
Introdução: A paracoccidioidomicose (PCM) é a micose sistêmica mais freqüente da América latina, causada por um fungo dimórfico, o Paracoccidioides brasilienses. Geograficamente, está limitada às Americas, desde o México até a Argentina. A PCM laríngea acomete principalmente as cordas vocais, sendo a disfonia a queixa principal3, 4, 6. Objetivo: Nosso objetivo foi realizar um estudo retrospectivo de 17 casos de PCM laríngea, no período entre junho de 1978 e maio de 1999. Método: Foram analisados aspectos relacionados à epidemiologia, clínica, achados endoscópicos, diagnóstico e tratamento. Resultados: Houve uma maior incidência em homens, na proporção de 16:1. A idade média foi de 54,7anos. As cordas vocais estavam acometidas em 64,7% dos casos e a epiglote em 47%, com predomínio em ambas de lesões tipo vegetante. Todos os pacientes foram diagnosticados por biópsia da lesão laríngea, sendo em 16 (94,1%) por exame histopatológico (HP). Dezesseis pacientes (94,1%) submeteram-se ao tratamento previsto, com índice de cura de 23,5%. Conclusão: Nos casos de PCM é mister uma avaliação otorrinolaringológica. Lesões laríngeas suspeitas devem ser biopsiadas, com realização de exame micológico direto, HP e, quando disponíveis, sorologias.
Abstract:
Introduction: A retrospective study of 17 patients with laryngeal paracoccidioidomycosis (PCM) was performed, from June 1978 to May 1999. Method: Aspects related to epidemiology, clinical, endoscopic findings, diagnosis and treatment were analyzed. Results: There were more cases in men. The medium age was 54,7 years. The vocal folds were injured in 64,7% of the cases and the epiglottis in 47%.These lesions had a vegetation appearance in 58,8% of the cases. All the patients had diagnosis by biopsy of lesions of the larynx, being in 16 patients (94,1%) histologically. Sixteen patients were submitted to treatment, with an index of cure about 23,5%. Conclusion: We concluded that in cases of PCM an otorhinolaryngologic evaluation is fundamental. Suspect lesions of the larynx need biopsy, with accomplishment of direct mycological and histopatological examination and, when available, sorology.
INTRODUÇÃO
A PCM é a micose sistêmica mais freqüente da America, Latina, causada por um fungo dimórfico, o Paracoccidioide. brasilienses. Geograficamente, está limitada às Américas, desde o México até a Argentina. Quanto à distribuição ocupacional revela uma predileção por trabalhadores agrícolas4, 6.
A forma crônica disseminada é a mais comum, representa 60 a 70% dos casos em adultos, atingindo principalmente pacientes do sexo masculino maiores de 30 anos. Apesar de ser o pulmão o órgão mais comprometido, na forma crônica as lesões extrapulmonares com acometimento de mucosas, pele e gânglios cervicais são as que levam mais freqüentemente e paciente ao médico1, 4, 6.
As lesões mais freqüentes da PCM estão no pulmão e mucosa oral. As lesões mucosas ocorrem mais comumente em lábios, gengiva, língua, mucosa jugal, palato; úvula, pilares amigdalianos, soalho da boca, nariz e laringe. Quando há comprometimento laríngeo, este acomete principalmente as cordas vocais, sendo a disfonia a queixa principal3.
O objetivo deste trabalho foi de realizar um estudo retrospectivo dos casos de PCM laríngea, diagnosticados no SME/ORL do HUCFF/UFRJ.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizada uma revisão dos prontuários dos pacientes com o diagnóstico confirmado de PCM laríngea, no período de maio de 1978 a maio de 1999. Foram analisados os aspectos relacionados à história epidemiológica e ao quadro clínico, os achados endoscópicos, assim como o método para estabelecer o diagnóstico e o tratamento efetuado.
De um total de 27 pacientes atendidos no SME/ ORL com diagnóstico de PCM laríngea, 10 foram excluídos por não possuírem prontuário no HUCFF. Dos 17 pacientes, 10 (58,85%) tinham sido encaminhados com queixa de disfonia e os sete restantes (41,2%) tinham suspeita ou diagnóstico confirmado de PCM em outro órgão. Cerca de 50% dos pacientes apresentavam também lesões mucosas em palato, nariz, cavidade oral, lábio e/ou faringe.
As lesões laríngeas foram analisadas quanto à sua natureza e localização, de acordo com a descrição do exame laringológico indireto e/ou direto. As lesões foram catalogadas como vegetante, infiltrativa, edematosa, caseosa ou cicatricial. E, para a localização, foram considerados a epiglote, cordas vocais, bandas ventriculares, aritenóides, ligamentos ariepiglóticos e comissura posterior.
Foi elaborado um protocolo do qual foram colhidas as informações relevantes, com posterior análise dos dados.
RESULTADOS
Dos 17 pacientes, 1.6 eram do sexo masculino (94,1%) e um do feminino (5,9%), na razão de 16:1. A idade média dos pacientes foi de 54,7 anos, variando entre 37 e 72 anos. Uma história epidemiológica positiva, apresentando procedência da zona rural, foi obtida em 13 pacientes (76,5%).
A forma mais comum de apresentação foi a crônica (82,4%,14 pacientes), sendo os demais casos ignorados. Além do comprometimento laríngeo, 14 pacientes (82,4%) também tinham manifestações respiratórias. Sete pacientes (41,2%) mostraram outras lesões mucosas localizadas em palato, cavidade oral, nariz, faringe e/ou lábio. Um paciente tinha também lesão do tipo nodular no sistema nervoso central; e 9 (52,9%), com adenomegalia cervical e/ou submandibular ao exame físico.
Em nosso estudo, as cordas vocais foram acometidas em 11 casos (64,7%), dois isoladamente e nove em associação com outros segmentos laríngeos (Quadro 1). Em oito casos (47%), as lesões eram descritas como vegetantes (Figuras 1a e 1b), em dois como infiltrativas, e em um como cicatricial. A epiglote foi o segundo sítio mais acometido, com oito casos (47%), sendo em quatro como lesão isolada. Cinco lesões eram do tipo vegetante, um infiltrativa, um edematosa e um caseosa. As bandas ventriculares foram acometidas em sete casos (41,2%), com apenas uma lesão isolada. Cinco lesões do tipo vegetante, um infiltrativa e um edematosa. A comissura posterior foi acometida em cinco casos (29,4%), sendo três do tipo vegetante e dois do tipo infiltrativa. As aritenóides e os ligamentos ariepiglóticos foram acometidos em uma situação, ambos com lesão de aspecto infiltrativo.
Todos os pacientes tiveram diagnóstico confirmado por biópsia de lesão laríngea, em 16 pacientes (94,1%) o diagnóstico foi confirmado por exame histopatológico e em um paciente por exame micológico direto. Três pacientes (17,6% dos casos) também tiveram o diagnóstico confirmado por material colhido de vias aéreas, dois por exame do escarro com exame micológico direto e cultura positivos e um por aspirado pulmonar, cujo exame citopatológico foi positivo.
O tratamento quimioterápico foi realizado em 16 pacientes (94,1%), sendo que 11 (64,7%) fizeram uso de sulfonamidas isoladamente, cinco (29,4%) com sulfonamidas e anfotericina B e em um caso o tratamento foi ignorado. Sete pacientes (41,1%) iniciaram o tratamento com sulfadiazina, um grama via oral de seis em seis horas por duas semanas. Se o paciente não demonstrava intolerância ou hipersensibilidade ao medicamento, este antimicrobiano era substituído pela sulfadoxina na dose de um grama via oral de cinco em cinco dias. Quatro pacientes iniciaram o tratamento com a associação de sulfametoxazol/ trimetoprim (SMX/TMP) na dose de ataque de l0mg/kg/dia, via oral, de 12 em 12 horas. Se o paciente tivesse boa resposta a esta droga no período de seis semanas, a dose era diminuída pela metade e mantida por 24 meses.QUADRO 1 - Distribuição dos pacientes quanto à localização e tipo da lesão laríngea.
Legenda: * CP = comissura posterior; ** BV = bandas ventriculares; *** LAE = ligamentos ariepiglóticos.
Em cinco pacientes (29,4%) com formas graves de PCM, o tratamento foi iniciado com a anfotericina B endovenosa em esquema hospitalar, sendo a dose inicial preconizada de 0,25mg/kg e 0,5mg/kg, em dias alternados, até induzir a tolerância para dose de manutenção de 1mg/kg/dia, até o máximo de 50mg por aplicação. A dose total variava com cada caso, sendo em média 1,5 a 3,0 gramas. Após alta hospitalar, os pacientes eram mantidos com sulfonamidas por mais 24 meses, como preconizado.Apenas sete pacientes (41,1%) concluíramos dois anos de tratamento previsto, com índice de cura de 23,5% (quatro pacientes). Sete pacientes (41,1%) abandonaram o tratamento e quatro (23,5%) tiveram seu destino ignorado. Um paciente ainda se encontra em tratamento. Foi evidenciado um caso de recidiva após os dois anos de tratamento.
DISCUSSÃO
Como descrito na literatura, observamos que os dados epidemiológicos gerais foram os esperados, ou seja, maior número de homens, com idade mínima e média elevadas, além de história epidemiológica positiva e com a forma crônica da doença3, 4.
O pulmão foi o órgão primário mais afetado. Em 82,4% dos pacientes com PCM laríngea tinham comprometimento pulmonar. A disfonia foi o sintoma mais relacionado ao comprometimento laríngeo, presente em 10 casos (58,8%). A disfonia está relacionada ao maior comprometimento do fungo nas cordas vocais. Do Valle e colaboradores, em 1995, demonstraram a presença de disfonia permanente em 50% dos casos de 30 pacientes estudados com PCM laríngea. Machado Filho e Miranda, em 1961, em estudo de 313 casos de PCM, demonstraram a presença de disfonia em 84,6% dos 26 casos de PCM laríngea primitiva. Santanna e colaboradores, em 1999, demonstratam em estudo de sete pacientes que a disfonia foi o sintoma mais freqüente, presente em 86% dos casos.
As cordas vocais e epligote foram os segmentos laríngeos mais acometidos, sendo a lesão do tipo vegetante a mais freqüente. Machado Filho e colaboradores, em 1960, em estudo de 104 pacientes sem tratamento prévio para a PCM (35 com lesão laríngea), demonstraram que os elementos anatômicos da laringe mais atingidos eram as cordas vocais (68,5%) e a epiglote (62,8%). Em ambas, a ulceração era o tipo de lesão predominante (74,3%), e os outros tipos descritos foram hiperemia, edema, granulação e destruição. Santanna e colaboradores, em 1999, demonstraram que, em sete casos estudados, a maioria das lesões acometiam múltiplos segmentos laríngeos, sendo quatro os aspectos vegetantes e em três ulcerativos.
Figuras 1A e 1B. Lesão de PCM laríngea com aspecto vegetante em banda ventricular direita, face laríngea da epiglote. Destruição da epiglote. 1A em adução e 1B em abdução.
O diagnóstico definitivo da doença pode ser realizado por exame micológico direto, cultura, exame histopatológico e sorologias. O exame direto é definitivo e simples. A padrão ouro é a identificação do fungo na lesão, embora este método só tenha sido utilizado para o diagnóstico em três casos (um de laringe, um de escarro e outro de cavidade oral), devido à pequena disponibilidade de pessoal especializado. A cultura em geral é demorada e menos sensível do que o exame direto. Este exame só foi utilizado em um caso, onde o material também foi colhido por escarro. O exame histopatológico é uma opção diagnóstica, principalmente quando o material é obtido por biópsia, a presença de leveduras com paredes espessas e gemulação múltipla identificam o Paracoccidiodes brasilienses. No material biopsiado da laringe de todos os pacientes, o exame histopatológico foi positivo em 16 pacientes (94,1%), demonstrando ser um bom método para o diagnóstico desta micose na laringe. As reações sorológicas de fixação do complemento e imunodifusão dupla em gel de agar não foram utilizadas em nenhuma situação, em virtude da menor disponibilidade do exame. As reações sorológicas são úteis tanto como elemento de diagnóstico quanto como parâmetro de avaliação da atividade da doença4, 6.
As drogas atualmente disponíveis para o tratamento são as sulfonamidas, anfotericina B e os derivados imidazólicos (cetoconazol e itraconazol), as quais, quando corretamente empregadas, têm eficácia similar. As sulfas são a primeira opção, pois, em geral, trata-se de uma população com baixos recursos financeiros. A anfotericina B é muito tóxica e requer hospitalização, sendo indicada nos casos muito graves e quando ocorre resistência ou intolerância às sulfas. Os derivados imidazólicos, comparados às sulfas, apenas levam à regressão mais rápida das lesões, mas não diminuem índices de recidivas, sendo indicados nas formas crônicas dos adultos. O tratamento em média dura dois anos e só deverá ser suspenso quando a doença estiver inativa. Em nosso estudo, observamos que o tratamento preconizado esteve de acordo com a literatura. Sendo 94,1% dos pacientes tratados com as sulfonamidas, entre eles cinco pacientes (29,4%) necessitaram de internação para tratamento de formas graves de PCM com a anfotericina B6.
As taxas de abandono do tratamento estiveram em níveis inaceitáveis (41,1% dos casos); além disso, muitos casos tiveram o destino ignorado (23,5%). Esses dados refletem ainda a precariedade dos serviços de saúde pública do País, lembrando que o tempo prolongado de tratamento é também um fator relevante. Do Valle e colaboradores, em 1995, demonstraram que os principais fatores para o tratamento irregular foram: a distância do serviço de saúde, a duração do tratamento e o baixo nível sócio-econômico1.
CONCLUSÕES
Todo paciente com suspeita ou diagnóstico de PCM deve ser submetido a uma avaliação otorrinolaringológica e a realização de laringoscopia indireta.
A disfonia é o sintoma mais freqüente entre ás pacientes com PCM laríngea. As lesões laríngeas suspeitas devem ser biopsiadas e o material submetido ao exame micológico direto e histopatológico; e, quando disponíveis, às sorologias.
O tratamento preconizado foi empregado na maioria dos casos, mas com baixas taxas de cura, em decorrência das elevadas taxas de abandono.
As elevadas taxas de abandono ao tratamento refletem a precariedade do sistema de saúde pública do País, associada a fatores como tempo prolongado de tratamento, baixo nível sócio-econômico e distânciado serviço de saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. DO VALLE, A. C.; APRIGLIANO FILHO, F.; MOREIRA, J. S.; WANKE, B. - Clinical and endoscopie finding in the mucosae of the upper respiratory and digestive tracts in pos-treatment follow-up of Paracoccidioidomycosis patients. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, 37: (05). N° 05, 407-13, 1995.
2. MACHADO FILHO, J. & MIRANDA, J. L. - Considerações relativas à Blastomicose Sul-America. Evolução, resultados terapêuticos, moléstias associadas em 394 casos consecutivos. Hospital (RJ), 60, 375-412, 1961.
3. MACHADO FILHO, J.; RÊGO. A. P.; CHAVES, A. L. F.; MIRANDA, J. L.; SILVA, C. C. -Considerações relativas à Blastomicose Sul-Americana. Da participação laríngea e brônquica em 104 resultados endoscópicos. Hospital (RJ), 58, 19-34, 1960.
4. RESTREPO, A. M. -Paracoccidioides brasilienses. In: Mandell , GL : Principies and practice of infectious diseases. 4ª ed, New York, Churchill Lingstone,1995, v-2, 2386-9.
5. SANTANNA, G. D.; MAURI, M.; ARRARTE, J. L. & CAMARGO, H. JR.- Laryngeal manifestations of paracoccidioidomycosis (South American blastomycosis). Arch. Otolaryngol Head Neck Surg., 125: 12, 137-8,1999.
6. WANKE, B. - Micoses Profundas. In: Schester M & Marangoni DV, Doenças infecciosas conduta diagnóstica e terapêutica, 2ª ed, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998,318-23.
* Médica Residentes do Serviço de Otorrinolaringologia (ORL) do Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
** Mestranda em Otorrinolaringologia do Serviço de ORL do HUCFF/UFRJ.
*** Professor Titular do Serviço de ORL do HUCFF/UFRJ.
**** Médica e Preceptora dos Residentes do Serviço de ORL do HUCFF/UFRJ.
***** Professor Assistente e Chefe do Serviço de ORL do HUCFF/UFRJ
****** Professora Assistente do Serviço de ORL do HUCFF/UFRJ.
Trabalho desenvolvido no Serviço de Métodos Especiais (SME) do Serviço de ORL do HUCFF/UFRJ.
Trabalho apresentado no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado de 13 a 18 de novembro de 1999, em São Paulo/ SP.
Endereço para correspondência: Adriana Geórgia Davim Bastos - Rua Alberto Maranhão, 387 - Bloco 2 - Apt° 303 -Jardim Guanabara - Ilha do Governador. 21940-490 Rio de Janeiro/RJ - Telefone: (0xx21) 466-2211 - E-mail: sbtadr@domain.com.br
Artigo recebido em 25 de abril de 2000. Artigo aceito em 1° de novembro de 2000.